ASSINE
search button

Carlos Eduardo Novaes: O gago e o bebum

Compartilhar

Confesso que senti um impulso irresistível de ligar para o milonguero Jorge (pronuncia-se Horhe) logo que terminou o jogo Nigéria e Argentina. Depois, pensando bem achei que seria bater em cachorro morto. A Argentina levou uma surra dos africanos (4x1) e seu único gol foi “marcado” pelo juizinho. Liguei, mas com a intenção de confortá-lo:

– Viu o jogo?

– Só o primeiro tempo – disse com uma voz raivosa

– Não perdeu nada. Praticamente não teve segundo tempo

– Quanto terminou? – e emendou com aquela dramaticidade dos hermanos – dez a zero para a Nigéria?

– Se os africanos não tivessem parado de jogar depois do quarto gol...

– Canalhas! Miseráveis!

– A Nigéria não teve culpa do vexame argentino.

– Não estou xingando a Nigéria. Estou xingando os cartolas da AFA que por um punhado de dólares submetem o melhor futebol do mundo a essa humilhação!

– Fica tranqüilo, Jorge. A Copa América vem aí. Messi vai estar em campo.

– Não sei se teremos chance...

– Claro que sim. Muita chance! – aí não resisti – a Nigéria não vai participar

Jorge bateu o telefone.

No inicio da noite a casa de apostas começou a encher de torcedores cruzmaltinos, entre eles Zé Maria, meio mamado, como sempre. Abraçou Gaguinho, maitre da casa e mandou:

– Hoje você vai torcer pelo Vasco!

Gaguinho é rubro-negro doente (quase terminal) que por força da profissão – sempre lidando com torcedores e apostadores – esconde sua paixão. É comum ouvi-lo dizer, quando perguntam pelo seu clube de coração:

– Nã-não te-tenho clube do co-coração, nem do esto-tomago, ne-nem do fi-fi-fi-figado. To-torço por to-todos os times no Rio.

Zé Maria continuou abraçado a Gaguinho:

– Precisamos fazer uma corrente de fé para o Vasco. Vamos dar as mãos!

Gaguinho sorriu amarelo, disse que estavam chamando-o em outra mesa e escafedeu-se rapidinho. Zé Maria foi atrás:

– Toma! Trouxe uma camisa do Vasco pra você. Veste!

Não é fácil a vida de maitre. Precisa de um jogo de cintura de embaixador de carreira para lidar com alguns clientes.

– Si-sinto, doutor – desculpou-se – mas não vou poder vestir!

– Como não? Pode sim!Dá uma forcinha pro Vasco!

– O pa-patrão não vai deixar.

– Vai sim!Ele também é vascaíno!Veste logo essa camisa!

– Nã-não posso torcer no trabalho, doutor.

Gaguinho se esquivava como um toureiro, mantendo a camisa entre os dedos, como se fosse um réptil peçonhento. Não torceria pelo Vasco nem amarrado em um pau-de-arara. Zé Maria, porem não o largava:

– Esquece o trabalho! Antes de tudo você é carioca. Não vive dizendo que torce por todos os times do Rio?

– Pois é, doutor. Ma-mas hoje não vai dar. Mi-mi-minha sogra é papa-papa-paranaense. Prometi a ela torcer pelo Coxa!

Zé Maria aproximou-se do rosto de Gaguinho e soltou seu bafo de onça:

– Judas!!