Confesso que senti um impulso irresistível de ligar para o milonguero Jorge (pronuncia-se Horhe) logo que terminou o jogo Nigéria e Argentina. Depois, pensando bem achei que seria bater em cachorro morto. A Argentina levou uma surra dos africanos (4x1) e seu único gol foi “marcado” pelo juizinho. Liguei, mas com a intenção de confortá-lo:
– Viu o jogo?
– Só o primeiro tempo – disse com uma voz raivosa
– Não perdeu nada. Praticamente não teve segundo tempo
– Quanto terminou? – e emendou com aquela dramaticidade dos hermanos – dez a zero para a Nigéria?
– Se os africanos não tivessem parado de jogar depois do quarto gol...
– Canalhas! Miseráveis!
– A Nigéria não teve culpa do vexame argentino.
– Não estou xingando a Nigéria. Estou xingando os cartolas da AFA que por um punhado de dólares submetem o melhor futebol do mundo a essa humilhação!
– Fica tranqüilo, Jorge. A Copa América vem aí. Messi vai estar em campo.
– Não sei se teremos chance...
– Claro que sim. Muita chance! – aí não resisti – a Nigéria não vai participar
Jorge bateu o telefone.
No inicio da noite a casa de apostas começou a encher de torcedores cruzmaltinos, entre eles Zé Maria, meio mamado, como sempre. Abraçou Gaguinho, maitre da casa e mandou:
– Hoje você vai torcer pelo Vasco!
Gaguinho é rubro-negro doente (quase terminal) que por força da profissão – sempre lidando com torcedores e apostadores – esconde sua paixão. É comum ouvi-lo dizer, quando perguntam pelo seu clube de coração:
– Nã-não te-tenho clube do co-coração, nem do esto-tomago, ne-nem do fi-fi-fi-figado. To-torço por to-todos os times no Rio.
Zé Maria continuou abraçado a Gaguinho:
– Precisamos fazer uma corrente de fé para o Vasco. Vamos dar as mãos!
Gaguinho sorriu amarelo, disse que estavam chamando-o em outra mesa e escafedeu-se rapidinho. Zé Maria foi atrás:
– Toma! Trouxe uma camisa do Vasco pra você. Veste!
Não é fácil a vida de maitre. Precisa de um jogo de cintura de embaixador de carreira para lidar com alguns clientes.
– Si-sinto, doutor – desculpou-se – mas não vou poder vestir!
– Como não? Pode sim!Dá uma forcinha pro Vasco!
– O pa-patrão não vai deixar.
– Vai sim!Ele também é vascaíno!Veste logo essa camisa!
– Nã-não posso torcer no trabalho, doutor.
Gaguinho se esquivava como um toureiro, mantendo a camisa entre os dedos, como se fosse um réptil peçonhento. Não torceria pelo Vasco nem amarrado em um pau-de-arara. Zé Maria, porem não o largava:
– Esquece o trabalho! Antes de tudo você é carioca. Não vive dizendo que torce por todos os times do Rio?
– Pois é, doutor. Ma-mas hoje não vai dar. Mi-mi-minha sogra é papa-papa-paranaense. Prometi a ela torcer pelo Coxa!
Zé Maria aproximou-se do rosto de Gaguinho e soltou seu bafo de onça:
– Judas!!