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O rei do pedaço

Briga judicial que se arrasta por anos pode dar a empresário a posse de toda a Barra da Tijuca

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O carro simples e o jeito bonachão não denunciam, mas o empresário Wilson José Ângelo de Figueiredo pode ser o dono de quase toda a Barra da Tijuca. Dizendo-se prejudicado por uma quadrilha de grileiros que teria agido  em conjunto com fraudadores do 9° Ofício do Registro Geral de Imóveis, ele viu a área de 12 milhões de metros quadrados que comprou nos anos 60 ser loteada entre várias construtoras. 

A farra de escrituras concedidas de maneira irregular está sendo investigada por uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e, se Wilson conseguir finalmente vencer a briga, passará a ser dono da área onde foram erguidos cerca de 660 mil imóveis. 

Na região em disputa, estão condomínios sofisticados, empreendimentos como o Barra Shopping e o New York City Center e até o novo centro de treinamento da Seleção Brasileira, comprado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Estima-se que o valor de toda a área ultrapasse R$ 10 bilhões. 

– Pelos meus filhos e pela segurança da minha família, eu cheguei a desistir destas terras durante muito tempo. A corrupção também me impressionava, ninguém era punido, e tudo sempre acabava arquivado – conta Wilson, que diz ter sobrevivido a três tentativas de assassinato, duas delas por envenenamento. – Hoje, finalmente, tenho a sensação de que essa guerra  vai acabar. Eu coloquei um dinheiro enorme nessas terras, agora quero o meu direito.

Toda a disputa judicial gira em torno do espólio de Abílio Soares de Souza, dono de praticamente toda a Barra da Tijuca na primeira metade do século passado. Sua viúva, Irene Soares,  vendeu as terras já nos anos 60, quando Wilson Figueiredo começou seus empreendimentos. 

– Comprei 40% do espólio  da viúva e os outros 60% de Cecy Sampaio, que tinha comprado parte das terras quando Abílio ainda era vivo – lembra o empresário. – Depois, descobri que toda a área estava penhorada pela Justiça. Daí, o que eu fiz? Comprei o penhor e virei credor de mim mesmo, me tornando dono incontestável da região. 

Nesse período, a quadrilha  de fraudadores do 9° Ofício do Registro Geral teria registrado um falso Projeto Aprovado de Loteamento (PAL), no nome da Empresa Saneadora Territorial Agrícola (ESTA), cujo dono era Tjong Hong Oei, mais conhecido como o “chinês da Barra”. 

Segundo o inquérito 933/2000, da 16º DP (Barra da Tijuca), o PAL 31418 passou irregularmente toda área a Tjong Hong Oei, que enriqueceu vendendo seus lotes a várias construtoras. Todas as movimentações fraudulentas foram aprovadas no 9º Ofício, apesar de o inquérito policial considerá-las grosseiras. 

– A ESTA era reconhecidamente uma empresa de grilagem na época, e todas as construtoras tinham plena consciência do que estava fazendo quando adquiriram aquelas terras – explica o advogado Daniel Renout, que representa Wilson Figueiredo. – Tudo o que essas imobiliárias venderam a terceiros era em cima de área litigiosa, e elas sabiam disso. 

CPI da Barra

Hoje, a CPI da Barra da Tijuca, instaurada na Alerj, é a principal arma de Wilson na briga pelas terras.

No entanto, vale lembrar que essa já é a segunda vez em que uma comissão é acionada para investigar as denúncias de grilagem na Barra da Tijuca. Em 2007, a primeira CPI da Barra apresentou evidências de omissão de agentes públicos, especialmente por parte dos titulares do 9º Ofício, o que teria facilitado as fraudes. 

– O cartório tinha ciência dos registros sobre a área e do litígio, mas procedeu o registro de outros títulos apresentados pela empresa ESTA sobre a mesma área – afirma Daniel Renout. – Esta segunda CPI dá continuidade ao trabalho da anterior.

Empresário diz que quase o mataram três vezes

Vendedor de jóias aposentado, Wilson Figueiredo ganhou muitos inimigos em sua tentativa de tomar posse da Barra da Tijuca. Desde 2004, ele diz ter sido vítima de três tentativas de assassinato. 

– Na primeira vez, me ofereceram um cafezinho. Eu senti um gosto amargo e logo comecei a passar mal – lembra Figueiredo. – Quando meu filho me encontrou, eu estava quase morto. Fomos para um hospital e conseguiram me salvar. 

Na segunda vez, após um almoço envenenado, o empresário teria ido parar no Hospital Souza Aguiar, no Centro. Sequestrado em 2006, ele diz que conseguiu fugir do cativeiro sozinho.  

– Me levaram vendado, eu não tinha a menor ideia de onde estava. Só quando fugi percebi que estava em Macaé e consegui voltar para casa bem – conta Wilson, que garante já ter se defendido sozinho de agressores que o abordaram na Barra da Tijuca. – Na mão eu sou bom até hoje, apesar dos meus 74 anos. Já quiseram me bater algumas vezes, mas sempre me livrei. 

O medo de novos atentados afeta a rotina de Wilson. Morador da Tijuca, ele não tem carro, temeroso de ser perseguido. Também costuma não passar seu telefone fixo para ninguém, tudo para preservar a família. 

Apesar da esperança, o futuro da ação que pode colocar em seu poder toda a Barra da Tijuca é incerto. Por isso, o que o aposentado quer é aproveitar seus últimos anos com o dinheiro que guardou e tentar garantir um bom futuro para seus filhos. 

– Quero comprar uma caminhonete blindada para poder sair de casa com tranquilidade.  – brinca Wilson, que volta a falar sério quando lembra da disputa pelas terras. – Olha, eu não sou nenhum santo, não sou fiscal do mundo, nem nada disso. Mas sempre quis dar um bom exemplo de vida para os meus filhos e lhes dar do bom e do melhor. Eu passei os últimos 20 anos atrás dos meus bens. Agora,  quero o ouro. Mesmo que não fique para mim, que estou perto de morrer, quero  para meus filhos e netos.