Concebidas como solução para as longas filas dos hospitais públicos, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) vivem hoje uma situação muito semelhante àquela que tentavam evitar. Em algumas unidades, o tempo médio que os pacientes aguardam para serem atendidos chegam a cinco horas.
Outro problema é que o número de pessoas atendidas vem diminuindo em algumas unidades. Em Belford Roxo (Baixada Fluminense), por exemplo, a média de atendimentos diários caiu de 297 em 2008 para 76 em 2010, uma redução de 74%, dados da Secretaria Estadual de Saúde.
– As UPAs são um dos maiores factóides políticos dos últimos tempos, uma máquina de ganhar votos – avalia a deputada estadual Janira da Rocha (PSOL), que faz parte da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). – A UPA não é mais uma porta de entrada para um sistema, é uma barreira entre o paciente e os hospitais.
A queda no número de atendimentos não se restringe a Belford Roxo. Na UPA de Santa Cruz (Zona Oeste do Rio), a média de 2008 era de 470 pacientes por dia. Hoje, é de 338, 28% de queda. Na Maré (Zona Norte), a redução foi de 24%, com 390 pacientes por dia em 2008 e 294 hoje.
Progressos
No entanto, vale lembrar que a redução não é registrada em todas as unidades. Em Botafogo (Zona Sul) e Tijuca (Zona Norte), por exemplo, o número de atendimentos tem crescido, mas as filas também aumentaram.
A reportagem esteve, na quinta-feira (12) nas duas UPAs e constatou o drama dos pacientes que aguardavam atendimento por até cinco horas. Na Tijuca, funcionários não permitiam a permanência de acompanhantes na sala de espera, fazendo com que familiares aguardassem do lado de fora.
Outra reclamação é o atendimento feito por médicos-bombeiros. Além de estarem desviados de suas funções , eles já protagonizaram situações curiosas. No mês passado, um deles deu voz de prisão a dois pacientes que reclamaram do atendimento em Botafogo.
– Eles são militares e não sabem lidar com o público – queixou-se o músico Fabiano Muniz, que aguardava o atendimento da namorada na Tijuca. – Antes, quando os residentes administravam as UPAs, era melhor.
Membro da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a deputada Janira da Rocha (PSOL) crê que o governo precisa dar explicações.
– O que nós vemos hoje é que o modelo das UPAs não deu certo. Elas começaram bem, mas se tornaram uma barreira entre o paciente e o atendimento – afirmou Janira. – A pessoa vai até a UPA, que faria a triagem para procedimentos de alta e média complexidade, mas não é atendida e volta pra casa.
Além de contestar a relação custo-benefício das unidades, a deputada também questiona dados do governo.
– Não há transparência alguma. As UPAs precisam ser acompanhadas de perto.
A queda na qualidade do atendimento das UPAs, no entanto, não impediu o governo federal de exportar o programa para todo o país. Em agosto do ano passado, o Ministério da Saúde anunciou investimento de R$ 54,2 milhões para criar unidades semelhantes nos estados. Para os cariocas entrevistados pela reportagem nas UPAs, hoje elas não passam de marketing político.
– Sinceramente, eu adorava as UPAs. Tenho plano de saúde, mas era mais rápido ser atendido aqui do que no convênio. Hoje, a máscara já caiu – opinou o músico Fabiano Muniz, que levava a namorada para ser atendida na Tijuca e acabou barrado na porta da unidade. – É ilegal privar um paciente de seu acompanhante.
Com pesar, a dona de casa Maria da Glória Ramos avaliava que a melhor unidade é a de Manguinhos, onde a espera pelo atendimento é de “apenas” duas horas.
– Já fui em outras UPAs, e é revoltante ver o que elas se tornaram. Essa aqui é a menos pior. Ninguém sabe dar informação alguma – reclamava a dona de casa, cujo filho, Felipe Ramos, passava mal de pé na fila.
Na esperança de conseguir atendimento, a faxineira Márcia Pinho saiu do trabalho e correu para a UPA mais próxima, em Botafogo. Após quatro horas, ela desistiu e se viu obrigada a voltar ao trabalho.
– Não é a primeira vez. Trabalho aqui do lado e já desisti do atendimento outras vezes – lamentou Márcia. – Hoje, essas unidades são iguais a hospitais públicos, só que maquiadas.
Secretaria admite que filas são ‘indefinidas’
Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Saúde sustentou que o modelo das UPAs funciona bem, usando como justificativa a replicação do projeto em outros estados. Sobre a demora nas filas, o órgão ressaltou que “não há período definido para os atendimentos”.
Segundo o coordenador das unidades, major-bombeiro Jorge André, os funcionários orientam os acompanhantes a aguardarem o atendimento em separado “pois a presença de um grande número de pessoas acaba tumultuando o ambiente”.
Quanto às acusações uso indevido de médicos-bombeiros, a secretaria esclarece que o concurso público prestado pelos profissionais definia claramente que eles atuariam na área, apesar dos protestos da categoria.