Dados do censo norte-americano, divulgado em meados de abril, mostram que o percentual da população negra vivendo no sul dos Estados Unidos atingiu seu ponto mais alto em meio século. Isto porque a população negra mais jovem e instruída está se mudando das cidades em declínio, no nordeste e sudeste, em busca de melhores oportunidades.
O crescimento da população negra no sul, ao longo da última década, é o mais acentuado desde 1910. Tanto Michigan quanto Illinois, cujas cidades possuem ricas tradições culturais negras, mostraram esta redução pela primeira vez, assim como Atlanta, que ultrapassou Chicago como a área metropolitana com o maior população negra do país depois de Nova York, de onde 17% dela mudou-se para o sul.
Ao mesmo tempo, os afrodescendentes começaram a trocar suas cidades de origem por outras mais prósperas, de maneira bastante similar a gerações de brancos, antes deles.
– A visão do norte e suas cidades como “terra prometida”’ teve um importante papel na vida, na cultura e na história afroamericanas. Mas agora tudo parece estar mudando – afirma Clement Price, professor de história da universidade Rutgers-Newark. ``’'.
Durante os turbulentos anos de 1960, o aumento da população negra teve uma pausa no sul, mesmo período em que os estados sulistas tiveram crescimento de menos de 10%. O percentual de americanos afrodescendentes morando nesta região ainda é muito menor do que antes da Grande Migração – período em que se mudaram para o norte – no início do século passado, quando chegava a 90%. Hoje são cerca de 57%.
Entre os 25 municípios com maior aumento dessa população, 19 ficam no sul do país. O reverendo Ronald Peters, que no ano passado se mudou de Pitsburgo, na Pensilvânia, para Atlanta, na Geórgia, diz ser revigorante pertencer a uma classe média negra que não tenha vivido a opressão dos estigmas e estereótipos do passado. Era assim que o reverendo via o nordeste urbano, onde vivia.
– Por diversas vezes as pessoas ligam a TV e tudo que veem são negros atrás das grades. Atlanta é um claro exemplo de um tipo diferenciado de espírito. A comunidade negra não é um povo que se perdeu no caminho – afirma Peters, que é presidente do Centro Teológico Inter-Religiões, um seminário de Atlanta.
Ele, que cresceu em Nova Orleans, em Los Angeles, enxerga as mudanças como uma fonte de orgulho para o cidadão americano, dizendo que o sul mudou muito ao longo de sua vida.
– Uma das coisas que marcaram minha infância foi esperar pelo dia em que haveria um novo sul. E esse dia finalmente chegou. O novo sul representa uma comunidade mais inclusiva. É assim que temos que formar uma nação – emociona-se.
Perfil
Cada vez mais os afrodescendentes estão se mudando para locais com populações negras pequenas. Apenas 2% do crescimento da população negra nos últimos dez anos ocorreu em cidades já consideradas centros tradicionais da população afrodescendente, enquanto 20% ocorreram em municípios onde havia muito poucos moradores negros.
Os migrantes afrodescendentes do sul são desproporcionadamente jovens: 40% têm entre 21 e 40 anos. O nível de escolaridade e instrução é alto: um em cada quatro migrantes possui diploma universitário.
O escritor Erin N'Gai, de 36 anos, deixou sua casa em Seattle, em Washington, para morar em Stockbridge, subúrbio de Atlanta, na Geórgia, onde cresceu. Ele garante que a vida melhorou por ser mais acessível financeiramente. Sua escolha foi motivada tanto por afinidade cultural quanto por oportunidades profissionais.
– As possibilidades de um futuro melhor estão aqui. São muitos afroamericanos com bastante influência – explica.
Contudo, nem todos se dão bem. Katherine Curtis, professora-assistente de sociologia na Universidade de Wisconsin-Madison e especialista em demografia e desigualdade, afirma que os negros que voltam aos estados em que nasceram tendem a enfrentar uma taxa de pobreza ainda maior.
– Uma razão pode ser que eles regressam por causa de sua família, e não por uma oportunidade econômica – completa.