O ex-vice-presidente José Alencar é considerado um dos grandes responsáveis pela eleição do ex-presidente Lula, em 2002. Mas nem por isso se furtou a criticar o governo – sempre mantendo a lealdade, como ele mesmo dizia – nos momentos em que considerava necessário. Principalmente, no que referia à política de juros. Mineiro de Muriaé, Alencar morreu ontem, às 14h45, no Hospital Sírio-Libanês, após mais de 13 anos de uma luta incessante contra o câncer.
A entrada na política foi por muitos considerada tardia. Apenas em 1993, Alencar decidiu ingressar na vida pública. Ele se filiou ao PMDB e no ano seguinte se candidatou ao governo de Minas, quando ficou em terceiro lugar. Em 1998, no entanto, ele disputou uma vaga ao Senado e foi eleito com quase 3 milhões de votos.
Alencar conheceu Lula apenas dois anos antes da candidatura vitoriosa. Ele foi presidente da Associação Comercial de Ubá e da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), além de vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Sua postura no Senado fez com que ele fosse cortejado pelo PSDB e pelo PT para a candidatura majoritária. E ele ficou com o PT. Já filiado ao PR, Alencar, que tinha excelente trânsito com os empresários brasileiros, foi fundamental para quebrar a resistência da classe, que via com muita desconfiança o ex-operário que queria se tornar presidente e que anos antes pregava o não pagamento da dívida externa, entre outras medidas extremas.
Já como vice-presidente, não deixava de fazer críticas à política de juros, assim como ao excesso de gastos da administração pública. Em 2005, deixou o PL, que estava envolvido no escândalo do mensalão, e partiu rumo ao PRTB, após ser disputado por diversas legendas, inclusive o PMDB. Durante os dois mandatos, Alencar esteve como presidente por pouco mais de um ano durante as viagens internacionais de Lula. Até 2006, ele acumulou a contragosto o cargo de ministro da Defesa.
O empreendedor
José Alencar nasceu em 17 de outubro de 1931 e era um dos 15 filhos do comerciante Antônio Gomes da Silva e da dona de casa Dolores Peres Gomes da Silva. Com 18 anos, abriu a loja A Queimadeira, onde vendia desde tecidos até calçados, chapéus e sombrinhas. Três anos depois, decidiu mudar de rumo – depois de trabalhar como representante de uma fábrica de tecidos e assumir os negócios do irmão mais velho, que morreu em 1959.
Oito anos mais tarde, o ex-vice-presidente fundou em Montes Claros a Companhia de Tecidos de Minas (Coteminas) junto com o empresário e deputado federal Luiz de Paula Ferreira. A parceria deu certo, e a Coteminas se transformou em um dos maiores grupos do ramo do país. Atualmente, o grupo tem cinco unidades nos Estados Unidos, uma na Argentina e outra no México e conta com cerca de 15 mil funcionários.
Zezé e a infância na Fazenda Soledade
Em Itamuri, distrito de Muriaé (MG), onde nasceu o ex-vice-presidente José Alencar, encontrei com o primo dele, José Fernandes, mais conhecido como Zezinho do Frango com Quiabo, por causa do restaurante com o mesmo nome. Foi lá que o primo recebeu Alencar e sua comitiva de 50 pessoas para almoçar quando da inauguração da Fundação Cristiano Varella. Zezinho garante que era parada obrigatória de Alencar quando passava pelas redondezas.
– Ele é meu amigo – disse emocionado no final de 2010. – É como se fosse um irmão, desejo tudo de bom para ele. Eu e minha esposa rezamos diariamente por ele. E não é porque é vice-presidente ou é rico.
Zezinho é o homem que tinha a liberdade de chamar o vice-presidente de Zezé, desde os tempos que brincavam pelas bandas de Itamuri, ainda na infância. A Fazenda Soledade, dos pais de Zezinho, era o local predileto de Alencar.
Era lá que eles pulavam, brincavam, tomavam banho de cachoeira e passavam o tempo sem saber os caminhos tão distintos que o futuro lhes reservava. Na sede da fazenda, o quarto onde dormia o menino Alencar ainda é o mesmo.
Batalha pela vida durou mais de 13 anos
A luta contra o câncer começou em 1997, quando o ex-presidente José Alencar descobriu um tumor no rim e outro no estômago – os dois foram retirados no mesmo ano. Foram 13 anos de luta contra a doença e 17 cirurgias. No ano passado, deixou os planos de voltar ao Senado de lado para se dedicar ao tratamento do câncer, que se espalhou. Em 2009, Alencar começou um tratamento experimental nos Estados Unidos, como voluntário. Mas, devido a complicações da doença, teve que abandonar o tratamento e voltar às sessões de quimioterapia.
Na posse da presidente Dilma Rousseff, em 1º de janeiro deste ano, Alencar tentou até o último minuto acompanhar a cerimônia. Impedido pelos médicos devido à saúde frágil, ele fez questão de trocar a roupa do hospital por um terno e gravata e falou aos jornalistas.
DNA
No ano passado, o juiz José Antonio de Oliveira, da Comarca de Caratinga, permitiu que a professora Rosemary de Morais adotasse o sobrenome de Alencar. O processo de reconhecimento de paternidade começou em 2001.
A professora, de 55 anos, afirma que sua mãe, Francisca Nicolina de Moraes, começou um relacionamento com o então comerciante em 1953. Alencar negou a paternidade e se recusou a fazer o teste de DNA, o que foi considerado como presunção da paternidade.
Rosemary disse que tentou aproximar-se do ex-presidente, mas que ele nunca permitiu. Em dois encontros que tiveram, não houve conversa.
José Alencar era casado com Mariza Campos Gomes da Silva e deixa três filhos – Josué Christiano, Maria da Graça e Patrícia – e cinco netos.