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Jarmusch fora de controle

Filmado em diversas cidades da Espanha e com a participação especial de Bill Murray, seu ator-fetiche, novo filme do autor de ‘Daubailó’ chega ao Brasil somente em DVD

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O realizador que, nos anos 80, ajudou a reinventar o cinema independente, é a mais recente vítima da má vontade do mercado brasileiro. Lançado nos Estados Unidos no final de 2009, Os limites do controle,  de Jim Jarmusch, esperou na fila de estreias até sua distribuidora no Brasil, a Universal, resolver lançá-lo diretamente em DVD. Mas o novo filme do autor de Daubailó (1986) confirma o diretor como um dos mais criativos de sua geração. Ambientada em cidades espanholas, a história acompanha um sujeito (Isaach De Bankolé) que atravessa o país determinado a cumprir uma misteriosa missão. Inspirado em texto de William S. Burroughs, o filme conta com a participações de Tilda Swinton, John Hurt e Bill Murray – este último seu ator-fetiche, com quem rodou Sobre cafés e cigarros (2003) e Flores partidas (2005). 

– Ele é um bom improvisador – garante o diretor de 57 anos ao JB, durante o Festival de Marrakech.

O diretor Nicholas Ray (1911-1979) foi um dos meus mentores. O que você aprendeu com ele?

Muitas coisas. A mais importante delas foi: não siga líderes, não dê importância a precedentes, mas devore qualquer coisa que o toque, que o impressione. Qualquer coisa, seja uma pintura, um filme, um livro ou mesmo uma conversa que  tenha ouvido. Algo que fale diretamente a você, que o transforme. O que Nic quis dizer foi: esteja aberto a tudo; se você assistir a filmes apenas, estará perdendo todas as outras formas de expressão contidas no cinema. Outra coisa muito importante que Nic me ensinou tem  relação com a direção de atores.  Ele ensinou que é um tolo aquele que pensa que só uma maneira de trabalhar com atores. O que existe é uma forma só de um diretor trabalhar com cada determinado ator; porque todos são diferentes um do outro. Seguir uma fórmula é perder sua própria intuição.

Podemos dizer que ‘Os limites do controle’ é um filme sobre autocontrole?

Diria que ele pode ser interpretado de duas maneiras: como um filme sobre os limites do autocontrole de alguém, e sobre os limites que permitem as pessoas controlar a consciência de outras. No início, cheguei a pensar que se tratava de uma história pouco imaginativa, simples demais. Até procurei inventar uma outra, antes de levar o projeto adiante, mas acabei ficando com a ideia original. Parte de mim acha que Os limites do controle é um filme de ação sem ação, ou algo parecido. Mas até gosto do título agora. E fica melhor depois que assistimos ao filme.

Por que a Espanha como cenário?

Já estive no país algumas vezes. Voltei lá há uns dois anos, e a paisagem voltou a reverberar em mim.  Algumas pequenas coisas e paisagens começaram a inspirar a história. Uma delas é o edifício de apartamentos chamado Torres Blancas, que fica em Madri. É um prédio dos anos 60, acho. Sempre quis filmar lá. Eu me hospedei lá uns 20 anos atrás. Tinha essas impressões e uma vaga ideia do que como seria o personagem principal. Também sempre quis filmar em Sevilha. Então, me mostraram uma foto de uma casa no sul do país, nas cercanias de Almería. Alguns amigos me disseram que um dia eu iria usá-la em um filme. Foi o que finalmente acabou acontecendo.

Aqui, o senhor volta a trabalhar com Bill Murray. O que há de especial nele?

Acho que, ao longo dos anos, desenvolvemos uma relação muito boa. Bill tem a reputação de ser um bom improvisador. O engraçado é que quando o convidei para o papel principal de Flores partidas, que eu tinha escrito especialmente para ele, avisei: “Você pode improvisar o quanto quiser”. Mas ele disse que não, queria seguir estritamente o que o roteiro pedia! Fiquei um pouco surpreso e até triste com a perspectiva de não me ajudar a fazer um filme melhor. Ledo engano. Tanto é que voltamos para uma terceira experiência juntos.

Seus filmes mais notórios foram rodados em preto e branco. Por quê?

Quando era criança, minha família tinha um aparelho de TV em preto e branco. Só fui ter uma colorida já adulto. E, naquela época, era obcecado por filmes e programas do passado. Quanto mais antigo e mais distante da minha realidade, mais fascinado ficava pela ideia de ver carros, trens, roupas e telefones do passado. Esse tipo de coisa ainda me fascina. Meu interesse pelo p&b vem dessa fase. Ele tem uma qualidade onírica. Outra razão: ao contrário das imagens em cores, o preto e branco oferece menos informações. Adoro filme colorido, mas há uma coisa muito bonita sobre a maneira como o p&b reduz a imagem e o arrasta para um nível de informação diferente dos das cores. Acho muito esquisito quando as pessoas dizem que certa tecnologia é démodé ou obsoleta. Quando a fotografia foi inventada, disseram que a pintura ia morrer. Claro que é uma bobagem dizer isso, é como afirmar que, a partir do computador, nunca mais usaremos uma caneta novamente. Todas essas inovações são instrumentos de expressão. O mais importante é o que você pretende dizer com a ajuda delas.