O retorno ao cochicho
O Exército dos Estados Unidos, de acordo com The Guardian, vai criar internautas falsos, com perfis construídos de forma a afirmarem autenticidade, a fim de intervirem nas conversações online, comentarem informações, intervirem em blogs (ou criá-los), com ipês igualmente camuflados. O objetivo é o de atuarem na contrainformação e neutralizarem o antiamericanismo planetário. Não lhes faltam os meios tecnológicos para isso – e há evidências de que já intervêm nos sistemas mundiais de comunicação eletrônica. Por essas e outras razões busco limitar a utilização dos meios eletrônicos de comunicação ao absolutamente necessário. Raramente confio em uma informação da internet. Sempre confiro as informações com outras fontes, nos livros ou em consulta aos amigos, antes de utilizá-las.
As informações sempre foram falseadas. No mesmo momento em que nasceu a linguagem, surgiram os mentirosos. Nem toda a mentira é criminosa. Há pensadores que a defendem, em determinadas circunstâncias, quando se encontra em jogo a reputação das pessoas, a vida de terceiros, a segurança da pátria. No caso da manipulação das informações e de opinião por parte do Pentágono, a justificativa dos americanos é exatamente esta. Acossados, no mundo inteiro, pela crítica e pelos protestos, os norte-americanos tentam desmoralizar e confundir seus adversários na rede mundial de computadores.
Todas as guerras do século 20 foram provocadas pelas razões econômicas e tiveram seu estopim emocional em um factoide: a falsificação de telegrama enviado da estação de águas de Ems, ao chanceler Otto von Bismarck, primeiro-ministro da Prússia, em 13 de julho de 1870. Em 1868, uma revolução chefiada por Juan Prim depusera a rainha Isabel II, da Espanha. Prim, em conspiração com Bismarck e com o kaiser Guilherme, da Prússia, patrocinou a candidatura do príncipe Leopold von Hohenzollern-Sigmaringen ao trono espanhol. A França viu-se ameaçada, em sua posição hegemônica no continente, e protestou. Tendo o príncipe prussiano renunciado à aspiração, Napoleão III enviou ao balneário de Ems, onde o rei da Prússia descansava, o embaixador Vincent Benedetti, a fim de obter do kaiser a garantia de que nenhum outro príncipe germânico viria a aceitar a coroa espanhola. Guilherme se negou a isso, com polidez, e a conversa findou cordialmente. Telegrama narrando os fatos foi enviado a Bismark. Bismarck o adulterou, antes de divulgá-lo: no texto falso informava que os dois homens se haviam insultado, quase chegando à agressão. A França, informada dos fatos pelo seu embaixador, reagiu emocionalmente e declarou guerra à Prússia: era o que Bismarck queria. Mobilizada meses antes, a Prússia iniciou o ataque e, um ano mais tarde, Paris capitulava.
Esse incidente estimulou a Alemanha, unificada com a vitória, a iniciar a Guerra de 1914-18. Vencida pelos aliados, tentou buscar, sob os nazistas, a revanche em 1939. Bismarck é o modelo do estadista germânico, graças a essa audaciosa falsificação.
Tenho a suspeita de que a internet irá perdendo, pouco a pouco, a credibilidade, embora não deixe de manter sua posição como veículo de mensagens – como são os correios tradicionais. Mas as pessoas sensatas preferirão outros meios para as comunicações mais sérias e mais graves. Depois das revelações do WikiLeaks, várias chancelarias europeias estão retornando aos correios diplomáticos – ou seja, a emissários que conduzem os documentos secretos pessoalmente, protegidos pela imunidade diplomática – em lugar de confiar nos meios eletrônicos.
Com os telefones, a política deixou de ser feita pelos telegramas. Com os grampos e outros tipos de escuta, a conversa política é cifrada, e os mais cautelosos voltam ao velho cochicho dos políticos mineiros: uma orelha não consegue escutar o que a outra ouve.