Praticamente, não há roteiro, nem narrador. É o próprio Dominguinhos quem conta sua história em depoimentos gravados dentro do carro, na calçada de uma velha estação de trem ou mesmo no palco, durante pausas para conversas com a plateia. O aspecto pouco convencional do documentário O São João de Dominguinhos, filmado durante a turnê do artista em meio aos festejos juninos pelo Nordeste em 2010, até pode deixar, de início, o espectador sem rumo. Mas, ao longo do filme, é fácil perceber a intenção dos diretores estreantes Wagner Malagrine e Mauricio Machado: deixar o sanfoneiro bem à vontade, de modo que a história se faça por si.
– Antes de começarmos a rodar, fizemos um pré-roteiro, mas ficou nisso – admite Malagrine. – A verdade é que não sabíamos o que vinha pela frente.
E os causos, realmente, chegam aos poucos, com Dominguinhos lembrando sua infância “normalíssima”, do internato em Olinda, da primeira sanfona e da vinda para o Rio, onde foi recebido por Luiz Gonzaga em pessoa, mestre que já havia visto o garoto tocar, e a ele prometera ajuda.
– Eu ia todo o dia na casa de Luiz – lembra Dominguinhos. – Ele me levava para as gravações, e eu ficava sempre de olho.
Na estrada
O filme tem característica estradeira, por uma simples razão: há mais de duas décadas, Dominguinhos não entra num avião “nem se for obrigado”, e na maioria das vezes dirige o próprio carro durante as turnês, apesar dos 70 anos recém-completados. Também acostumados a rodar pelo país – Wagner e Mauricio são fotógrafos profissionais – os diretores aproveitaram a aventura por cerca de 20 cidades, em 11 dias de filmagens, para retratar um Nordeste diferente, que, em junho, foge do próprio clichê.
– Ao contrário do que se espera de um documentário rodado no Nordeste, este traz muita água e muito verde, cenário comum em junho na região – explica Malagrine. – É uma época na qual as pessoas estão felizes. Queríamos fugir do clichê que mostra a região pobre e desdentada, e conseguimos, sem forçar a barra.
Num dos trechos do filme, o próprio Dominguinhos brinca com a plateia, ao falar sobre as águas de junho:
– Eu queria tocar Asa branca, mas é melhor deixar pra lá. Com tanta chuva caindo, imagina se eu ainda peço mais.
A simplicidade da estrutura que acompanha Dominguinhos em sua turnê chega a ser tocante. Ele e sua trupe passam por grandes capitais, como Recife, mas também por lugarejos humildes, onde nem sempre a estrutura para os shows se encontra à altura do artista principal. Mas o discípulo de Luiz Gonzaga não perde o humor e segue em frente, contando sempre com o publico, que, em silêncio, escuta o sanfoneiro solar, sem cantar, João e Maria (Chico Buarque), numa prova de que a música instrumental também tem espaço. Percebendo a multidão feliz, Dominguinhos olha pro céu:
– Pode ficar tranquilo, seu Luiz, que por aqui os meninos tão levando a obra adiante.
Pronto e aprovado pela Lei Rouanet, o documentário O São João de Dominguinhos depende agora da captação de recursos para ser lançado. Feita praticamente sem verba, a obra, segundo o diretor Wagner Malagrine, “deve ser o primeiro filme fiado feito no Brasil”:
– Não tínhamos verba para as despesas, mas tínhamos um ótimo projeto. E as pessoas envolvidas, incluindo o próprio Dominguinhos, entenderam isso. Todos toparam trabalhar primeiro, para receber depois.
O Ministério da Cultura autorizou a captação de até R$ 465 mil, o que o diretor garante ser suficiente para cobrir as despesas e produzir, inicialmente, 3 mil cópias, que serão distribuídas para bibliotecas, instituições de ensino e centros culturais. Não está descartada também uma negociação com distribuidoras e programadoras de TVs a cabo, já que o formato, com duração de cerca de uma hora, seria ideal para a televisão.
Internet
Para ajudar na divulgação e dar uma palhinha do que está por vir, a produtora M.3 Filmes, da qual Wagner Malagrine e Mauricio Machado são sócios, disponibilizou trechos do documentário na internet, além de um site, que exibe imagens de bastidores e conta detalhes da filmagem.
Malagrine e Machado são fotógrafos profissionais, especializados em fazer imagens de veículos para grandes montadoras como Toyota, Mercedes-Benz, Peugeot e Mitsubishi, entre outras. Em 2008, eles fundaram a M.3, que inicialmente produzia apenas vídeos comerciais de apresentação de veículos e um programa, o Motors4You, também sobre automóveis, veiculado por meio do YouTube.
Relação antiga
A relação entre Malagrine e Dominguinhos vem de outros tempos, desde quando o músico lançava seus discos pela extinta gravadora Velas, e o fotógrafo era o responsável pela confecção das capas dos discos do sanfoneiro.
– Infelizmente, com a crise do mercado fonográfico, a Velas se foi, mas ficou a vontade de voltar a trabalhar com música, e com Dominguinhos. Foi quando surgiu a ideia do documentário – lembra o diretor. – Foi uma delícia fazer o filme, e, certamente, outros virão.