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Uma receita para a máfia

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C onfesso que (quase) sempre gosto de experimentar o inusitado.

Participar de jantar a 20 metros de altura numa mesa em que alfaces voam e seus pés ficam pendurados; performances gastronômicas-sensoriais e peças em espaços inusitados como banheiros ou ônibus estão no meu currículo. Então, logo me animei quando fui convidada a participar do evento O poderoso chef , definido como Teatro Culinário. O que seria aquilo? Jantar, jogo, espetáculo? Pois é, a ideia é juntar tudo isso na mesma noite.

Assim, quinta-feira passada fui parar na Barra da Tijuca, para entender melhor o negócio. O “palco” é o refinado restaurante Rosita Café, no Downtown. São dez participantes (cinco homens e cinco mulheres) que devem reservar seus lugares com antecedência. Há também espaço para quem quer apenas assistir à cena sem estar nela. Os atores André Spínola e Bruno Pacheco coordenam o jogo/jantar que tem entrada, primeiro e segundo pra tos. A sobremesa é só para quem vencer – ou seja, se tornar o novo chefe da máfia. Explico: todos ali fazem parte de uma grande família mafiosa, o chefão morreu há pouco e a disputa é para ver quem vai ocupar o posto. Para isso, é preciso juntar 5 mil “dinheiros”.

– Ninguém consegue vencer sozinho, é preciso fazer aliados – explicou-me Spínola antes de o jogo começar. – E é interessante perceber como a pessoa se modifica quando tem o poder. Como na vida.

(Momentinho para a teoria: o espetáculo é inspirado nos jogos para não-atores de Augusto Boal, morto há dois anos. Boal criou o Teatro do Oprimido (TO), com práticas hoje utilizadas em mais de 70 países. Inspirado nas propostas do educador Paulo Freire, o TO mistura teatro e engajamento político, e é levado a presídios, instituições psiquiátricas e comunidades diversas, como no nosso caso).

Cheguei ao Rosita Café e meus companheiros de jogatina estavam atrasados por causa de uma falha de sinais de trânsito na Avenida das Américas.

Resolvi, então, puxar um papo com um espectador fã de montagens que misturam teatro e gastronomia. Ele já havia assistido a Risotto , com Rodolfo Bottino, e ao delicioso Mangiare , que fez sucesso na cidade há alguns anos. A verdade é que ele preferia observar, mas faltou gente e ele foi logo escalado para entrar em cena. Aceitou, e acho que ficou satisfeito.

No começo, está todo mundo meio tímido, sem saber como vai funcionar aquele encontro.

Chegam dois casais e uma amiga deles, mais velha; um garoto mais novo, sozinho, uma outra moça desacompanhada e um senhor de meia-idade, que se juntam a mim e ao meu novo amigo. São sorteados os personagens e a gente recebe um cardápio que não explica a refeição, e sim as regras do jogo.

Aquilo ali é brincadeira, mas também um jantar, não esqueçam. Então, todo mundo pede uma bebida, que serve também para descontrair os jogadores.

O chef Pedro Castro Neves prepara uma refeição inspirada na culinária italiana, afinal aquele ali é um jantar de mafiosos.