Estamos pagando os nossos pecados e os de muitas gerações que parecem odiar as árvores.
LÁ SE VÃO MAIS de 30 anos que tenho uma casa em Nova Friburgo (RJ), mais exatamente no distrito de Muri, só não sei se ainda está no mesmo lugar depois da calamidade que castiga o Rio e São Paulo, como uma maldição que se explica pela irresponsabilidade dos governos federal, estaduais e municipais.
Meu neto mais velho, Rafael, hoje com 31 anos, casado e com filho, completou um mês em Nova Friburgo. No ano passado, eu, o Marcos e Rafael participamos de um debate para a rádio local, com o prefeito Heródoto Bento Mello, mais uma vez reeleito, sobre os problemas ambientais do município, com os desmatamentos e a favelização dos morros.
O prefeito rebateu de pronto: “Friburgo não tem favelas, mas bairros populares”. Engoli o exagero do prefeito, arranhando a garganta. O meu fraterno amigo e grande escritor e jornalista Zuenir Ventura é um friburguense nascido em outro município, mas criado e formado na cidade em que seu pai era pintor de paredes e com muito orgulho. E que morou num “bairro popular, no alto do morro”, que ele e as irmãs desciam todas as manhãs a pé para ir ao colégio.
Não foi a primeira autoridade a romantizar as favelas em jogada política pelos exageros do bairrismo. Um dos secretários do então governador do Rio Leonel Brizola, quando entrevistado sobre o problema das favelas, corrigiu com veemência: “Favela não é problema, é solução”. Pois é a solução do secretário de Brizola e do prefeito Heródoto que desaba na tragédia que maltrata milhares de desabrigados, mata e castiga moradores de Nova Friburgo, mais uma vez administrada pelo prefeito Heródoto Bento de Mello, ora licenciado para tratamento de saúde. Na verdade, estamos pagando os nossos pecados e os de muitas gerações que parecem odiar as árvores e babar diante do terreiro raspado. Como a fazendeira mineira que comprou uma fazenda da família com um pomar plantado e cultivado há décadas pelo meu grande e saudoso amigo Arthur Cruz e que visitei com o Geraldo Cruz, também irmão da minha madrasta e segunda mãe, a Tatá, ainda viva com os seus cem anos e quebrados. Da varanda da fazenda estranhei o terreno raspado, do antigo pomar do Retiro. A nova dona justificou com firme convicção: “Eu não gosto de árvores no terreiro. Derrubei todas”. Nas três décadas da casa em Muri, começamos as viagens dos fins de semana, atravessando a baía de balsa, com o carro até pegar a estrada. Era um passeio prazeroso.
Hoje, quase um suplício. Desde a travessia da ponte, com filas e a parada para pagar o pedágio. E dali por diante, a punga burocrática com a sucessão de sinais, pedágios, multas e todas as trampas para a exploração dos que ainda ousam desfrutar o fim de semana numa casa de campo.
Certamente ministros, governadores, prefeitos, secretário não têm nenhuma culpa pelo desmatamento de morros, nem das trombas d’água que caem do céu.
A presidente Dilma Rousseff tem sido exemplar no socorro às vítimas. Visitou as áreas atingidas e providenciou o auxílio possível.
E qual será o rescaldo da tragédia? Desta vez, é possível que os primeiros socorros sejam agilizados. Mas o desmatamento exige décadas para o plantio de mudas e muitas mais para a mobilização para convencer a população a plantar no espaço disponível e a odiar a terra nua e poeirenta.
A Nova Friburgo da minha velhice é uma interrogação.
Até a nossa casa em Muri e as estradas para as duas horas de exploração pela ganância de governos e o deboche de um Congresso, que é o pior de todos os tempos.
Para quem começou a carreira de repórter com o Congresso das grandes bancadas do PSD, da UDN, do PTB, do PR, do PL, seria uma punição frequentar por dever de ofício este Congresso de Brasília, a capital que não deu certo.
Pior, com toda a certeza, só o próximo.