ECONOMIA

Bancos centrais alertam para eventos adversos por menor liquidez e ameaça de recessão

Segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma espécie de Banco Central dos bancos centrais, a liquidez do mercado de títulos soberanos deteriorou-se na maioria das economias avançadas em meio às incertezas de investidores quanto ao rumo das taxas de juros.

Por ECONOMIA JB com Agência Estado
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Publicado em 09/12/2022 às 05:37

Alterado em 09/12/2022 às 06:45

Banco Central Marcello Casal JrAg..ncia Brasil

Thaís Barcellos e Aline Bronzati - A deterioração da liquidez em mercados relevantes como os de títulos soberanos de países desenvolvidos e as incertezas econômicas globais podem desencadear eventos adversos com riscos à estabilidade financeira que preocupam bancos centrais ao redor do mundo, inclusive, o brasileiro. Com os temores, os BCs podem ser obrigados a manter sob sua guarda por mais tempo do que o previsto a montanha de ativos que compraram durante o auge da pandemia de covid-19 em um momento em que estão tentando controlar a disparada da inflação.

O Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma espécie de Banco Central dos bancos centrais, reforçou o alerta quanto ao tema em seu mais recente relatório trimestral, publicado nesta semana. Segundo a entidade, a liquidez do mercado de títulos soberanos deteriorou-se na maioria das economias avançadas em meio às incertezas de investidores quanto ao rumo das taxas de juros.

"À medida que as taxas subiam rapidamente e a volatilidade aumentava, os mercados de bonds [títulos] tornaram-se progressivamente menos líquidos", diz a entidade, com sede em Basileia, na Suíça. Um indicador baseado nos preços de bônus soberanos de economias desenvolvidas teve piora acentuada e atingiu o seu nível mais baixo desde a Grande Crise Financeira, conforme o BIS.

Nos Estados Unidos, as condições de liquidez começaram a se deteriorar ainda no verão e permaneceram visivelmente piores do que no auge da covid-19, em março de 2020, em mercados como os Treasuries, que são os títulos do Tesouro norte-americano, e os que apoiam o financiamento imobiliário no país, os chamados mortgages.

Do outro lado do Hemisfério Norte, no Reino Unido, o Banco Central da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) foi obrigado a comprar bilhões em gilts, o título do governo britânico, após o anúncio do malsucedido pacote fiscal, para evitar que a turbulência se espalhasse para além do estrago causado aos fundos de pensão locais.

"Os juros dos títulos de dívida do Reino Unido subiram cerca de 1,5 ponto porcentual ao ano. Em títulos de 30 anos, a perda do valor dos papéis foi de 45% a 50%", destaca o sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro brasileiro, Carlos Kawall, mencionando os problemas para seguradoras e fundos de pensão, com riscos para a estabilidade financeira. "É uma perda patrimonial absurda. No Brasil, já estamos mais vacinados contra essas instabilidades. Lá foi um terremoto", completa.

Para o BIS, o estresse no mercado de gilts é um sinal de alerta não só às fundações, que garantem as aposentadorias dos indivíduos, mas às instituições financeiras não bancárias (NBFIs, na sigla em inglês) como empresas de securitização e fundos de private equity, que compram participação em empresas, diante do processo de aperto monetário nas economias. Enquanto longos períodos de juros baixos motivaram uma maior alavancagem por parte desses grupos, a mudança neste quadro, alerta, pode desencadear pressões de liquidez e levar à disfunção dos mercados, pressionando os bancos centrais a fornecer apoio.

A deterioração dos níveis de liquidez ocorre justamente em um momento contrário, quando as autoridades monetárias estão retirando o estrondoso volume de estímulo que injetaram nas economias durante a pandemia de covid-19. Houve um esforço fiscal global da ordem de US$ 9 trilhões, mais de 10% da economia mundial, de US$ 80 trilhões, para evitar estragos maiores da propagação do vírus pelo mundo, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Contra o ressurgimento da inflação global, a receita é alta de juros e redução do balanço de ativos dos BCs, que engordaram bastante durante a pandemia, para dar suporte aos mercados. Além do episódio britânico, o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, lembra que a indicação do Banco Central Europeu (BCE) de que iria começar a redução do seu balanço gerou transtornos para os papéis de Portugal, Grécia e Itália, resultando em maior cautela pela autoridade monetária europeia. O BCE deve voltar a discutir o tema em 15 de dezembro.

A questão, segundo Megale, é se haverá comprador final para esses títulos, cujo volume cresceu enormemente com o avanço do endividamento público global. O ideal, agora, avalia, seria um processo de redução do balanço lento e gradual, que dê tempo do mercado absorver esses papéis. "Senão os preços vão derreter e as taxas de juros vão subir muito rápido, gerando um forte aperto de liquidez no sistema", diz, ponderando que não deve haver problema maior porque os BCs estão "sensíveis" ao tema.

À frente, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) já começou a enxugar o seu balanço de ativos, que atingiu o patamar recorde de US$ 8,9 bilhões após a pandemia. A ação, em paralelo à subida de juros, é uma estratégia para apertar ainda mais as condições financeiras dos EUA, com foco em trazer a inflação de volta à meta, de 2% ao ano.

O economista-chefe do Mizuho para os Estados Unidos, Steve Ricchiuto, define esse movimento como um "erro completo". "Há uma probabilidade não trivial de que a liquidez do mercado seja afetada adversamente bem antes que os US$ 2 trilhões planejados sejam eliminados, impedindo o Fed de atingir sua meta", justifica. Para o Morgan Stanley, o balanço de ativos do Fed, hoje em cerca de US$ 8,5 bilhões, deve se reduzir para US$ 7,0 trilhões em 2023 e US$ 6,5 trilhões no ano seguinte.

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