ASSINE
search button

Elizabeth Taylor: profissional na ficção e amadora na realidade

Compartilhar

Lymphedema distichiasis. Nome incomum para introduzir um texto sobre uma das atrizes mais famosas da história do cinema, tanto dentro quanto fora da moldura retangular da tela. No entanto, é esta nomenclatura científica que, de uma maneira estranha, generosamente abençoou a prolífica carreira dessa inglesa/americana, falecida nesta quarta-feira (23). Título de uma rara mutação genética que dá aos seus portadores uma camada extra de cílios, a disfunção terminou por delinear ainda mais forte os seus incandescentes olhos violetas. E foram com esses olhos que Elizabeth Rosemond Taylor conseguiu seu primeiro contrato com um estúdio de cinema, aos 9 anos de idade, não muito distante do tempo em que seus excêntricos cílios iriam petrificar Hollywood tal como uma Medusa.

"Se não é para fazer o mundo melhor, pra que serve o dinheiro?"

A história conta que, depois desse primeiro contrato (algo que rendia a ainda muito jovem atriz algo em torno de US$ 100 por semana), Liz Taylor, como ela ficou conhecida, faria tanto sucesso nas bilheterias quanto nos tablóides. Sim, não faltarão textos agora que irão pesar na mesma medida sua relevância no cinema com todo seu trabalho extracurricular: escândalos, casamentos, amizades e dependência química. Mas é impossível negar a importância que ela teve para o cinema, fosse apenas como um rosto bonito nos primeiros anos de estúdio MGM, ou como de fato uma genuína e talentosa intérprete no momento em que se sua turbulenta vida pessoal disparou o gatilho para que ela se entregasse mais profissionalmente à ficção e mais amadoramente à realidade.

"Eu, assim como os críticos, nunca me levo muito a sério."

Há quem diga que o ponto de virada em sua carreira aconteceu com o filme Disque Butterfield 8, de 1960, que lhe rendeu o primeiro dos dois Oscars e marcou o fim de sua longa relação com a MGM. Mas bem antes disso, em clássicos como Assim Caminha a Humanidade (1956) e Gata em Teto de Zinco Quente (1958), Liz Taylor já demonstrava que o cinismo dos corredores da indústria hollywoodiana começava a se manifestar na maturidade da atriz em cena. Sim, ela ainda era a mulher bonita da trama, mas algo entre um olhar de desdém ou uma pergunta capciosa da personagem mostrava que ela aos poucos deixava de ser a sedutora e passava a ser a problemática. E para chamar atenção da crítica, nada mais interessante que essa graduação.

"Se alguém é burro o suficiente para me oferecer um milhão de dólares para fazer um filme, certamente não serei burra o suficiente para negar."

Nessa estranha e nunca saudável combinação de problemas fora e dentro da tela, Liz Taylor conseguiu o papel de sua vida como celebridade: Cleópatra (1963). Numa produção que durou mais de três anos e deu um nunca antes visto cachê milionário para a protagonista, Taylor não estava atenta em cena, mas se fazia bem presente no set dos estúdios Cinecittà, em Roma, onde as filmagens eram feitas sob o fundo do romance proibido entre a Cleópatra e o Marco Antônio da trama. Ambos casados na época, Elizabeth Taylor e Richard Burton renderam mais na alcova da Roma contemporânea que naquela da fictícia Roma Antiga. Os dois, que viriam a se casar não uma, mas duas vezes, voltaram a contracenar nos filmes subseqüentes: Gente Muito Importante (1963), Adeus às Ilusões (1965) e Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966). E foi neste último que ela conseguiu o papel de sua vida, agora não mais como celebridade, mas como atriz.

"Alguns dos melhores líderes homens foram cachorros e cavalos."

No filme que colocou ela e Burton como um casal em crise de meia-idade, Taylor deu nos nervos com a sua provocadora Martha, uma mulher disposta a encontrar na última gota de álcool o último adjetivo hostil para provocar seu marido. E com Martha, ela conseguiu não apenas seu segundo Oscar, como se desfez do manto da mulher cujos altos e baixos se perdoavam pelo pedestal de sua irresistibilidade.

"Um problema das pessoas que não têm vício é que elas certamente têm algumas irritantes virtudes."

Volúvel, passional, dedicada a grandes causas, dependente de pequenos vícios e pouco dada a opiniões amenas, Elizabeth Taylor fez mais de 50 filmes e por menos de 10 deles foi de fato reconhecida por seu talento em cena. Algo que, antes de incomodar, parecia provocar seu maior atributo como profissional: a paixão. Citada no trailer de O Pecado de Todos Nós (1967) como a atriz "que mostrou ao mundo o que uma mulher realmente é", Liz Taylor poderia ser citada hoje como a mulher que mostrou ao mundo aquilo que, em tempos de vigilância e punição da vida privada, uma atriz realmente podia ser.