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José Ramos Tinhorão: 'Chega de saudade da bossa nova'

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Barcímio Amaral, JB Online

RIO - Jornalista, escritor, crítico e pesquisador musical, José Ramos Tinhorão, 80 anos recém-completados (2 de fevereiro), tem mais de 20 livros publicados. Seu acervo de mais de sete mil discos - além de livros, revistas, fotos, fitas e partituras - foi comprado pelo Instituto Moreira Salles e pode ser ouvido pela internet.

Cultor esmerado da pureza da música brasileira, é um dos mais ácidos - senão o maior - críticos da bossa nova, que chama de "variante americana do samba, tão brasileira como um carro ianque montado no Brasil".

Nascido em Santos (SP), chegou ao Rio em 1938. Formou-se em jornalismo em 1953, pela Faculdade Nacional de Filosofia (hoje UFRJ). Trabalhou na Última Hora, no Jornal do Brasil, nas revistas Veja e Senhor e na televisão. Seu primeiro livro foi publicado em 1966: Música popular: um tema em debate.

JB: O que o senhor tem a dizer sobre as comemorações dos 50 anos da bossa nova?

- Apenas uma frase: "Chega de saudade".

JB: Como o senhor vê o panorama atual da música popular brasileira?

- Não há mais música popular brasileira. O que há são gêneros colocados no mercado pela indústria cultural americana, como o rock e o rap. Eles tomaram todo o espaço no mercado. Quando um país é dominado economicamente, também é dominado culturalmente. É mais fácil do que invadi-lo, como (o presidente americano George) Bush está aprendendo no Iraque. Ter soldado é ruim, a farda gera animosidade. É melhor mandar os executivos, que almoçam de terno e gravata nos restaurantes e não chamam a atenção.

JB: Isso é resultado da mídia, da falta de educação em geral e musical ou tudo junto?

- É do processo econômico. Em 1961 escrevia uma coluna duas vezes por semana no JB, Primeiras lições do samba, e falei muito sobre isso. É que ninguém lê neste país. Naquela época já mostrava que o sucesso de Carmem Miranda nos Estados Unidos era resultado da política de boa vizinhança. Mas até hoje persiste o mito de que o país se curvou a ela, quando foi o contrário. Ela foi uma vítima do show business hollywoodiano. Partiu linda e cheia de energia e voltou desfigurada pelos calmantes. Foi como artista e retornou na forma de um produto.

JB: Como o senhor analisa a política cultural do governo do PT?

- Não existe.

JB: O senhor é autor de mais de 20 obras publicadas. Está escrevendo algum livro no momento?

- Tenho dois livros prontos para serem lançados em Portugal. Um é 'Festa de negro em devoção de branco', sobre a participação dos negros em Lisboa que transformavam procissões e romarias a santuários em verdadeiro carnaval. O outro é 'A música popular que surge da Revolução'. Revolução com R maiúsculo é sempre a francesa. Estou trabalhando num terceiro, ainda sem título, porque está em fase de pesquisa, sobre o fenômeno do "branqueamento" das festas negras. Uma das festas mais populares do Brasil, que existe em todos os pontos do país, é a congada. Só que nela há rei e rainha. Na África não havia reis ou rainhas. Havia o soba, o mani no Congo, o n'gola na atual Angola, as autoridades, os potentados tinham nomes específicos em cada tribo. Mas para os portugueses certos costumes, como o matriarcado, não interessavam, muito menos qualquer tipo de sucessão que não fosse a hereditária. Por isso, essa nomenclatura foi imposta e os negros, aos poucos, foram perdendo a memória sobre a razão original.

JB: Como está a consulta a seu arquivo no Instituto Moreira Salles?

- Maravilhosa. As músicas não podem ser baixadas, por causa dos direitos autorais, mas estão à disposição para serem ouvidas. As partituras é que vão demorar um pouco. Além de serem digitalizadas, precisam de um programa específico para consulta. Afinal, são 35 mil, do século 19.