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Ex-produtor da casa revela histórias curiosas do Jazzmania

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Leandro Souto Maior , Agência JB

RIO - Entre músicos e apreciadores da boa música, um assunto foi destaque nesta última semana: a notícia de que a casa de shows Mistura Fina, que fechou as portas na Lagoa em abril, vai reabrir onde funcionou, até 1994, outro espaço para shows, o Jazzmania, no Arpoador. O Mistura Fina não chegou a ficar muito tempo fechado, mas o Jazzmania já ganhou o status de saudoso faz tempo. Afinal, foram muitas apresentações, histórias e acontecimentos mágicos e marcantes. O JB Online conversou com Paulo Renato Rocha, que foi produtor musical do Jazzmania, para revelar um pouco do que rolou naquele ponto tão fundamental para a história da música, nacional e internacional.

JB Online: Como você chegou ao Jazzmania?

Paulo Reanto Rocha: O primeiro lugar que trabalhei como produtor musical foi um espaço chamado The Tinker, que era da mãe do Victor Biglione. Na época, o Victor tinha uma banda chamada A Tampa, com Luizão Maia no baixo e André Tandeta na bateria. Na verdade, era um restaurante francês que acabou sendo o primeiro lugar a ter música instrumental de verdade no Rio, isso por volta de 1983, 84. Através do meu trabalho lá e o contato que comecei a fazer com os músicos, acabei indo trabalhar no Mistura Fina da Barra, onde promovi shows de Legião Urbana, Lulu Santos, Lobão e muitos outros grupos do chamado rock brasileiro dos anos 80. Trouxe os Titãs de São Paulo quando eles ainda nem eram conhecidos e só tinham um sucesso, "Sonífera ilha".

Nesta época já existia também o Mistura Fina na zona sul, só que era em Ipanema. Depois é que se mudou para a Lagoa. Quem tocava lá direto era o trompetista Marcio Montarroyos, com o baixista Arthur Maia e o guitarrista Heitor TP, que futuramente integraria o Simply Red. Quem aparecia muito por lá era o Jô Soares, com seu bongô. O Jazzmania abriu no início de 1985, e eu cheguei no final do ano, convidado por David Hadjes, que era quem produzia os shows por lá.

JB Online: O Jazzmania ficou famoso também por levar os músicos que vinham se apresentar no Free Jazz para dar 'canjas'... como se formou essa parceria com o festival?

Paulo Renato Rocha: Quando eu cheguei no Jazzmania, tinha acabado de acontecer a primeira edição do Free Jazz. A primeira 'canja' foi do trompetista Chet Baker. O show era do pianista Rique Pantoja, que convidou o músico americano porque eles já tinham gravado juntos na Europa. No começo do ano seguinte, 1986, o guitarrista Pat Metheny veio passar férias no Brasil e trouxe uns músicos da pesada, como o baiixista Charlie Haden, o saxofonista Ernie Watts e o baterista Harvey Mason. Esse quarteto veio e tocou no Jazzmania durante um mês. Os ingressos eram disputados a tapa! Vinham até pessoas de São Paulo, porque era um show diferente do Pat, meio jam session. Não era o grupo oficial dele. Posso dizer que essa temporada foi o começo oficial do que se tornaria o Jazzmania.

Logo eu comecei a trabalhar extra-oficialmente na produção do Free Jazz, porque a Monique Gardenberg, da Dueto Produções, que fazia o festival, freqüentava a casa. Com acesso aos camarins, comecei a desenvolver o trabalho de levar os músicos do evento para o Jazzmania. A primeira 'canja' que levei foi do trompetista Wynton Marsalis, no show do baterista Robertinho Silva. Em 1987 o David Hadjes saiu e a Dueto veio com sua equipe para administrar artisticamente a casa, mas eu continuei como produtor responsável. Aí aconteceu o grande boom, porque elas começaram a trazer atrações internacionais, como Wayne Shorter, Joe Pass e Toots Thielemans, por exemplo.

JB Online: Foi na ocasião desta temporada que você citou do Pat Metheny que aconteceu a famosa história que ele conheceu uma brasileira, chegando até a morar no Brasil por um tempo?

Paulo Renato Rocha: Pode parecer incrível, mas fui eu que apresentei os dois! Era uma amiga minha, linda, chamada Shuzy. Eu levei ela no show do Pat. Lembro bem que ela estava com uma mini saia azul e uma camisa azul transparente, com o cabelo molhado... parou a casa, né? O Pat viu do palco, abortou o set, veio na minha orelha e falou: "você tem que me apresentar sua amiga!" Eu apresentei, e foram cinco anos de casamento. O cara comprou um apartamento na Timóteo da Costa, botou ela lá e casou com ela!

JB Online: Era difícil trazer esses grandes músicos que vinham tocar em um grande festival para curtir uma 'canja' em um pub pequeno?

Paulo Renato Rocha: O acesso aos músicos de jazz era fácil, porque eles geralmente não são 'superstars', não vivem cercados de seguranças. Mas uma história curiosa aconteceu com o George Benson, que tinha realmente um status de estrela. Ele era a principal atração do Free Jazz. O máximo de contato que consegui com ele foi ir no hotel deixar um kit do Jazzmania e um convite para ele vir jantar na casa. Daí fui tocar minha vida. Lá pelas tantas, de madrugada, ele chega sozinho! Vieram me chamar e eu fui recebê-lo. Botei uma garrafa de champanhe na mesa e disse que a casa era dele... inclusive o palco! Falei isso mais como uma formalidade, mas ele levou a sério! Eu fiquei maluco, foi um alvoroço! Aí fui no palco, convidei ele formalmente e o Jazzmania quase veio abaixo! Ele ficou meia hora no palco, foi uma 'canja' memorável! Tão legal como essa noite foi quando consegui levar o Herbie Hancock, que foi ao Free Jazz com um tributo a Miles Davis acompanhado por músicos que tocaram com o Miles, como o baixista Ron Carter e o baterista Tony Williams. Consegui arrastar essa tropa pro Jazzmania. Quando eles entraram, foram logo ovacionados! É que durante o festival, o público ía para lá sabendo que alguma coisa iria acontecer. Lembro que os repórteres ficavam no meu pé para saber antecipadamente quem eu levaria para dar uma 'canja' lá. Herbie Hancock demorou um tempo para subir no palco e ficou tomando caipirinhas. Na hora que seria a 'canja', ele disse que não iria conseguir porque estava bêbado. Em uma mesa ao lado estava outro pianista que tocou no festival, o Mugrew Miller. E foi o Mugrew que pegou o Herbie como um neném e os dois sentaram juntos no piano e deram uma 'canja' a quatro mãos! O Jornal do Brasil, que por sinal foi um veículo que foi parceiro, fundamental para a divulgação da casa, publicou que esse momento tinha sido o melhor do festival, mesmo em comparação com os shows oficiais.

JB Online: E esses shows eram gravados? Alguém registrou esses momentos únicos?

Paulo Renato Rocha: Não. Eu, por respeito aos artistas nunca gravei os shows. Era uma espécie de ética que eu tinha com os músicos, para que eles sempre voltassem e ficassem tranqüilos sabendo que a casa não iria usar esse material comercialmente. Mas o próprio Miles Davis já dizia: "os melhores momentos do jazz não foram gravados!"

JB Online: O que o Jazzmania testemunhou de importante da música brasileira?

Paulo Renato Rocha: Em 1988, quando a Dueto saiu, eu consegui programar, num golpe de sorte, a primeira temporada do Baden Powell no Brasil, quando ele voltou de um tempo na Europa. Eu bati na porta dele, com a cara e a coragem, um ou dois dias depois dele ter chegado. Fui recebido pela mulher dele e fiquei conversando com ela, até que ele chegou, de pijama... lembro que ele acendeu um cigarro e ficou olhando a gente conversar. Depois de alguns minutos ele interrompeu e disse: "eu vou fazer essa temporada!" Nesse mesmo dia ele foi lá, gostou da casa, e marcamos duas semanas, que viraram dois meses. O Brasil todo queria ver o Baden de volta! E outro fato marcante de artista brasileiro foi a estréia da Marisa Monte, produzida pelo Nelson Motta, em 87. Todo mundo foi lá ver, por causa do Nelsinho. Mas a Marisa já estreou estrela. Outra temporada que estreou lá foi o show do pessoal do Casseta e Planeta, que não eram muito conhecidos. Os caras da Globo foram lá ver e dali eles rapidamente foram trabalhar na emissora.

JB Online: Entre tantas histórias fantásticas, existe alguma que não teve final feliz?

Paulo Renato Rocha: Uma história triste, mas importante, não lembro se foi em 87 ou 88, foi durante uma temporada do grupo vocal Os Cariocas. O Caetano Veloso estava na platéia, e no meio do show o Luis Roberto, integrante da banda, começou a passar mal e pediu para parar o show. Por sorte tinha um médico na platéia, correram, mas não adiantou, foi um infarto fulminante. Ele morreu dentro do Jazzmania. Foi uma experiência muito dolorosa, porque o caixão não passava pela entrada principal, que era estreita. Tivemos que descer por dentro do Barril 1800. Fomos eu, dois funcionários do Jazzmania e o Caetano, carregando as alças do caixão até o rabecão. O Caetano fez questão de ir lá com a gente ajudar. Apesar de ser um fato triste, não deixa de ser bonito, morrer no palco, assim como aconteceu com o Tim Maia.

JB Online: E com tanto sucesso, tantas realizações, por que o Jazzmania fechou?

Paulo Renato Rocha: Eu fiquei lá até 1992, a casa fechou em 94. Eram vários sócios que não tinham o mesmo espírito, eram de outro ramo. Parece que o lance começou a não ir muito bem, a trabalhar no vermelho... Também é verdade que a música instrumental começou a não ter mais a mesma força nesta época. Ela teve um boom e depois perdeu espaço. Agora parece que está querendo voltar. Acho que o problema é que o conceito ficou muito ligado ao solo. Ninguém agüenta todo mundo solar em todas as músicas. Hoje acho que está surgindo uma nova concepção, com solo só no lugar certo, ou até mesmo sem solo! (risos)

JB Online: E o que você está fazendo hoje?

Paulo Renato Rocha: Estou na produção de um projeto da Themis Muniz e da Cristina Gurgel, o Rio Música em Cena, que é um projeto da secretaria de Culturado Estado e que está acontecendo na Sala Laura Alvim, em Ipanema, quer dizer, vizinha ao antigo Jazzmania e atual novo espaço do Mistura Fina! E nós, até dezembro pelo menos, vamos ser concorrentes! Pura ironia do destino! Além disso estou produzindo, junto do Arthur Maia, o evento Musifest Instrumental, que acontece em Niterói em novembro. E o pessoal aguarde, para o primeiro semestre que vem, uma casa a altura da cena musical de Niterói, no mesmo porte dessas casas do Rio.