
Em 1977, quando o Brasil ensaiava a distensão da ditadura militar e o predomínio das canções de protesto e de contracultura começava a dar sinais de esgotamento no panorama da MPB, João Gilberto decidiu promover mais uma suave e harmoniosa revolução. Nos Estados Unidos, onde vivia, o pai da Bossa Nova entrou em estúdio para gravar “Amoroso”, álbum emblemático que volta ao mercado brasileiro em outubro, no primeiro relançamento de um LP de João pela série Clássicos em vinil, da Polysom.
“Amoroso” é um marco na trajetória gilbertiana e, desde já, também no catálogo da gravadora (sempre foi peça essencial em qualquer coleção de MPB que se preze). Não fosse pela qualidade excepcional do álbum, ele também seria muito importante na história de João por ter criado as condições ideais para que ele voltasse definitivamente a viver no Brasil, após um longo período morando nos EUA.
O álbum tem interpretações primorosas de “Wave” (Tom Jobim), “Caminhos cruzados” (Tom Jobim-Newton Mendonça), “Zíngaro”/”Retrato em branco e preto” (Tom Jobim-Chico Buarque), “‘S Wonderful” (George and Ira Gershwin) e as antológicas versões de “Estate” (Bruno Martino) e “Besame mucho” (Consuelo Velásquez). Os arranjos são do maestro alemão Claus Ogerman.
“As oito faixas de ‘Amoroso’ foram gravadas em seis dias. Pouco mais de uma por dia. A média nos estúdios americanos era, na época, de pelo menos três canções por dia. Mas, sendo João Gilberto quem é, a Warner pode ter preferido não discutir...”, diz o jornalista e escritor Ruy Castro, autor de “Chega de saudade” (Cia. das Letras).
A reedição de “Amoroso” foi remasterizada a partir da fita master da gravação de 1977, do jeito que João queria. O álbum será relançado em discos de 180 gramas, com as mesmas capa e contracapa. No entanto, para manter o padrão da coleção Clássicos em vinil, a gravadora preparou uma capa interna com as letras, algo que não tem nos bolachões originais - encontrados em sebos com preços entre R$ 100 e R$ 300.
A previsão é de que o disco esteja disponível para compra na segunda quinzena de outubro. “Amoroso” está há décadas fora do catálogo da gravadora Warner (antiga WEA), que o lançou em vinil nos anos 1970 e em CD posteriormente. Com o retorno do álbum em seu formato original ao mercado, a Polysom começa a preencher uma lacuna nas estantes das coleções. Os três primeiros discos do cantor e instrumentista - “Chega de saudade” (1959), “O amor, o sorriso e a flor” (1960) e “João Gilberto” (1961), todos pelo selo Odeon - continuam impedidos de ser reeditados em qualquer formato por causa da disputa judicial com a EMI.
Essa pendenga com a multinacional adicionou mais peso ao relançamento de “Amoroso”, que ocorre num momento crítico da vida de João, interditado judicialmente pela família e com graves problemas financeiros.
O jornalista e musicólogo Zuza Homem de Mello conviveu com João durante a finalização do álbum em Nova York e no retorno dele ao Brasil. “Eu sou muito ligado a esse maravilhoso disco”, disse. Em março de 1978, João fez show no Theatro Municipal de São Paulo, com apresentação de Zuza. “Ele estava dócil, amoroso. O título do disco é perfeito para definir João Gilberto”, disse Zuza.
Naquele momento, João foi um dos principais intérpretes da onda que começava a se erguer no mar. Com Amoroso, recolocou a MPB para navegar nas águas da sofisticação. (Estadão Conteúdo)