BC errou feio no IPCA do trimestre

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O Banco Central apresentou nesta quinta-feira o Relatório de Política Monetária (RPM). Desde janeiro, a cada fim do trimestre, ele substitui o antigo Relatório Trimestral de Inflação, com análises dos indicadores macroeconômicos mais importantes (IPCA, PIB, cotação do câmbio, contas externas, dados fiscais e números do mercado de trabalho e do crédito) para a tomada de posições do Comitê de Política Monetária (Copom).

A elaboração do RPM é responsabilidade conjunta do BC, mas é enfeixada pela diretoria de Política Econômica, que é chefiada por Diogo Guillen. De saída do BC (seu mandato expira em 31 de dezembro, junto com o de Renato Brito Gomes, de Organização), Guillen deu entrevista hoje sobre o RPM e as perspectivas da política monetária ao lado do presidente Gabriel Galípolo. Os nomes dos substitutos não foram indicados. Com o recesso do Congresso amanhã, os dois mandatos podem ser esticados até fevereiro (quando o Senado e a Câmara voltam a operar) ou outros diretores acumulam os cargos.

Geralmente, a divulgação de cada RTI ou RPM é uma coletânea de revisões e explicações para a sucessão de erros de previsão do BC, além de projeções de curto prazo. Os modelos macroeconômicos estão sujeitos a muitas variáveis (endógenas – da própria economia – e exógenas – choques externos, como os climáticos, ou uma decisão de política externa (uma guerra ou um tarifaço, como fez Trump este ano). Isso serve de desculpa, mas só mostra que os modelos macroeconômicos são falhos e podem implicar em danos gravíssimos na fixação das taxas de juros.

Premissas do BC

O próprio Banco Central observa que “a política monetária tem impacto sobre a economia com defasagens longas, variáveis e incertas. Assim, a análise prospectiva é fundamental nas decisões do Copom, envolvendo a elaboração de cenários e projeções e análise dos riscos envolvidos. As projeções apresentadas no RPM são alguns dos instrumentos quantitativos que servem para orientar as decisões do Copom. O Comitê utiliza um amplo conjunto de informações para embasar suas decisões”.

“Na condução da política monetária, o horizonte que o BC vê como apropriado para o retorno da inflação à meta depende da natureza e persistência dos choques e dos mecanismos de transmissão em curso na economia” (geralmente focado 18 meses adiante). Para o último trimestre de 2027, o IPCA cai de 3,2% para 3,1%, praticamente no centro da meta (3,00%).

O custo dos erros do BC

Os dados deste último RPM – que abrange o período de setembro, outubro, novembro e dezembro (parcial) – mostram que a “inflação ao consumidor no trimestre encerrado em novembro foi menor do que a esperada, com surpresa de baixa concentrada na alimentação no domicílio. A inflação observada ficou 0,32 p.p. abaixo do Cenário do Copom”.

O BC já tinha errado para cima em agosto (+0,55) e errou em setembro, outubro e novembro. E já admite erro na previsão de dezembro: “A projeção de inflação para dezembro foi revista de 0,53% no RPM anterior (setembro) para 0,41% no atual”. Mas há previsões de 0,38%, como da Consultoria 4Intelligence, que podem ampliar o erro.

Isso significa que a Selic foi mantida exageradamente alta (15%), com aumento do juro real, descontada a inflação. Não é pouco. Cada meio ponto a mais na Selic custa R$ 60 bilhões ao Tesouro ao fim de 12 meses. Imagina o impacto exponencial dos juros bancários cobrados às famílias e ao setor produtivo...Uma tremenda concentração de renda para os ricos rentistas e o sistema financeiro.

*Previsão da 4Intelligence

 

Segundo o RPM, “a maior parte da surpresa se deve à variação abaixo da esperada nos preços da alimentação no domicílio, em especial entre os alimentos “in natura” e semielaborados, categorias com volatilidade de preços mais elevada. Entre os preços livres, também houve surpresas para baixo em bens industriais e no componente subjacente de serviços, em menor magnitude. As surpresas em bens industriais foram relativamente disseminadas, com contribuição relevante da queda de preços em produtos eletroeletrônicos.

“No caso do componente subjacente da inflação de serviços, parte significativa da surpresa é explicada por forte variação negativa no subitem seguro voluntário de veículos e por variação abaixo do padrão sazonal em serviços bancários. Em sentido contrário, os preços administrados tiveram variação acima da projetada, surpresa explicada essencialmente pela bandeira tarifária em novembro em patamar mais restritivo do que o antecipado”.

Mas os erros para cima vêm ocorrendo desde o segundo semestre. Assim como no trimestre encerrado em novembro, a revisão na projeção de dezembro é explicada principalmente por “variação mais moderada nos preços da alimentação no domicílio” . Se os erros em energia elétrica eram mais aleatórios (houve bônus de Itaipu e do câmbio em agosto e setembro e estresse hídrico que elevou a bandeira nos meses seguintes, em parte compensado pela baixa da gasolina), o cenário dos alimentos em baixa tem certa correlação com o tarifaço de Trump, aliviado em fins de novembro.

O Banco Central podia aproveitar a troca de dois diretores para reforçar a acuidade da diretoria de Política Econômica. Uma boa providência seria o deslocamento do economista Paulo Pichetti, da área Internacional para a vaga de Guillen. Pìchetti era especialista em Contas Nacionais no Ibre, da FGV.