Pra não dizer que não falei de terras raras
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Enquanto o clã Bolsonaro continua demonstrando que só pensa em salvar a própria pele, vide o tarifaço insuflado pelo filho 03, que deu prejuízos bilionários ao país e os Bolsonaro não estavam nem aí, e agora a candidatura do filho 01, que é mero balão de ensaio para tentar forçar a união do Centrão em torno do projeto de anistia a Jair Bolsonaro, o dólar dispara e o Ibovespa afunda, pois o racha da centro-direita só favorece Lula, vamos falar de terras raras.
O jornal “The New York Times” trouxe ontem extensa matéria sobre o tema, mostrando os desafios que a indústria japonesa sofreu em 2010 quando a China cortou o fornecimento de metais de terras raras, devido a uma disputa territorial entre os dois países. O fato se repete em escala global este ano, ao Pequim introduzir ondas de controles de exportação sobre terras raras, minerais vitais para a fabricação de tudo, desde carros até eletrônicos avançados, em represália às ameaças de tarifaços de Donald Trump.
O tema sequer foi discutido em profundidade na COP30, em Belém. Mas, como o Brasil segue na presidência da conferência do clima por alguns meses, é fundamental discutir a questão até mesmo na campanha eleitoral. É que a transição energética faz parte da agenda do clima, assim como a preservação das florestas e o “pedágio” cobrado pelas nações com floresta pelo sequestro do CO2 emitido pelos países ricos que não abandonam combustíveis fósseis.
A China mantém o quase monopólio do fornecimento dos metais raros. E o Brasil é dos poucos países que dispõem de minerais estratégicos para dar um salto tecnológico na economia. Cinco séculos após o descobrimento, a pauta de exportações do Brasil continua a ser de alimentos, petróleo e minérios (os dois últimos itens devem sofrer uma mudança radical no cardápio das próximas décadas). E as importações de produtos de alta tecnologia custam muito, o que nos prejudica nas relações de trocas, com raras exceções, como a Embraer e a Weg, gigante catarinense em motores elétricos e na transição energética.
Mantida a pauta tradicional, estamos condenados a ser ultrapassados por nações como a Índia e Indonésia. A província mineral de Carajás quando foi descoberta nos anos 70 pela US Steel (e depois comprada pela Vale) foi “vendida” pelo ministro do Planejamento Delfim Neto, como “capaz de pagar a dívida externa”. Mera bazófia (mais uma do gordo, enredado com a quebra do país, que foi ao FMI, em 1982). Na época, os alvos das exportações de minério da Vale eram a Europa, em especial a Alemanha, e o Japão (também o alvo da conquista do cerrado do Planalto Central., na segunda metade dos anos 70, para fornecer soja e outros alimentos às “tradings companies” japonesas).
A história ensinou que não foi bem assim. Com o encolhimento de sua população, o Japão ficou um mercado contido. O cerrado virou um celeiro de soja, plantada em rodízio com milho, algodão e girassol. Mas o destino das safras foi a China, que promoveu uma revolução econômica (com abertura controlada da economia, a partir da metade dos anos 80). A soja e o milho são fundamentais nas rações de frango e suínos e na engorda de gado bovino em confinamento. E foram saciar a fome de proteínas dos 1,4 bilhão de chineses.
Do mesmo modo, o minério de ferro, que iria para o Japão, desviou a rota para a China depois da visita do então vice-primeiro-ministro Deng Xiao Ping a Carajás, em fins do século passado. A modernização da infraestrutura chinesa promovida por Deng tinha fome de aço e o país passou a comprar muito minério de ferro do Brasil e da vizinha Austrália.
Mas o que ajudou mesmo a virar a balança comercial do vermelho para expressivos superávits foi a conta do petróleo. Com a entrada em produção da Bacia de Campos (descoberta em 1974, um ano depois do barril de petróleo triplicar de preço, o Brasil só veio a zerar a balança comercial na segunda metade dos anos 80, reduzindo as importações.
Na virada do milênio, o país já era exportador de óleo e a situação melhorou muito nos últimos 15 anos quando os gigantescos campos do pré-sal da Bacia de Santos (descobertos em 2007) entraram em produção. Hoje, as exportações de soja, petróleo e minério de ferro (concentradas na China) acumularam, respectivamente, US$ 42,5 bilhões; US$ 41,9 bilhões; e US$ 26,5 bilhões até a primeira semana de dezembro. O complexo de proteínas animais pode igualar as vendas de minérios, pois só a carne bovina arrecadou US$ 15,3 bilhões.
Mas a diversificação na mineração não parece seduzir (por enquanto) a Vale. O Japão, que dependia dos metais raros para manter sua indústria automobilística (sob a liderança da Toyota) e de eletroeletrônicos, montou discretamente uma cadeia de suprimentos que depende consideravelmente menos da China. Para o Japão, isso é uma importante proteção contra riscos políticos, como evidencia o recente aumento das tensões entre as nações.
O Japão se garantiu fazendo alianças com a Austrália. A crise financeira da mineradora Lynas. A empresa australiana de mineração enfrentava dificuldades financeiras quando tentava criar a primeira cadeia integrada de suprimentos de terras raras do mundo, sem usar a China. Para tanto, refinava os minérios extraídos da Austrália na Malásia. Mas estava lutando para reunir o capital necessário para aumentar a produção em seu local de refinação na Malásia. Um conglomerado apoiado pelo governo japonês injetou US$ 250 milhões no capital da Lynas e garantiu linhas de crédito de longo prazo. Resultado, o Japão hoje está confortável em matéria de suprimentos de microprocessadores e de minerais críticos para a transição energética.
Propostas para Trump
Trump tentou emparedar a China com tarifaços de até 150%, mas teve de ceder e voltar atrás, criando espaço de negociações até 2027, depois de Pequim bloquear a cadeia de fornecimento de produtos que utilizam terras raras da China. Os Estados Unidos têm uma grande produtora e processadora de minérios, a MP Materials Corp, que explora terras raras em Mountain Pass, na encosta sul da Cordilheira Clark, na Califórnia, a 85 quilômetros a sudoeste de Las Vegas, Nevada. E está investindo em fábricas de processamento e fabricação de ímãs na Carolina do Norte e no Texas. Mas tudo demora.
Segundo estudo do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, os chineses controlam 95% do refino de grafita, 91% das terras raras, 91% do manganês, 78% do cobalto e 70% do lítio. No níquel, a liderança é dividida com a Indonésia, embora boa parte das operações indonésias seja de controle chinês. Com isso, a China domina também o elo final da cadeia: 85% da produção global de baterias para veículos elétricos está em território chinês. Por isso, os Estados Unidos assinaram acordos internacionais para diversificar a cadeia de suprimentos fora da China, com Austrália, União Europeia e Japão.
Taí um motivo para o Brasil pôr em prática o ditado chinês de que a crise é também sinônimo de oportunidades. Ao Brasil sobram jazidas de 10 tipos de terras raras na Amazônia, Bahia, Minas Gerais e Goiás, mas faltam capitais para explorá-las. As negociações entre o Brasil e os EUA para destravar os efeitos do tarifaço sobre exportações, que hoje são importantes para o Brasil (e afetam a vida dos americanos) como a carne bovina, café, sucos e frutas, e madeiras serradas, são uma oportunidade para o Brasil propor alianças que atraiam investimentos americanos à mineração brasileira e dar o salto necessário para atender a demanda de novos metais e insumos da transição energética. Se os EUA não quiserem, os chineses topam e concentram mais a influência sobre as terras raras.
A economia mundial está se desligando da industrialização baseada em combustíveis fósseis. Segundo o estudo do Ipea, o Brasil precisa agir imediatamente, caso queira transformar suas reservas gigantes em oportunidades concretas. Isso inclui reduzir incertezas regulatórias, ampliar investimentos em prospecção, fortalecer a fiscalização ambiental, modernizar a infraestrutura logística e fomentar a indústria de transformação mineral.
“Estamos diante de uma mudança estrutural que não acontecerá de novo. A forma como o mundo organizará suas matrizes energéticas e industriais nas próximas décadas será profundamente influenciada por decisões tomadas agora. O Brasil tem condições de ser protagonista, mas só será se agir”, conclui Rafael da Silveira Soares Leão, um dos autores do estudo.