Crise da Argentina é falta de escala
...
Para muitos americanos desinformados, que não sabem identificar os países fora dos Estados Unidos (quando muito conhecem os fronteiriços Canadá e México), a visão que têm do mundo é pelos olhos de Hollywood. Não estranha que um filme com Carmem Miranda, dos anos 50, tenha identificado o Brasil, com capital em Buenos Aires (o que ficou para sempre no imaginário dos americanos médios, e fez a cabeça de várias gerações de políticos).
A Argentina foi uma potência agrícola que enriqueceu na primeira guerra mundial, quando ampliou a infraestrutura ferroviária, incluindo o metrô de Buenos Aires, cuja concentração populacional facilitou a industrialização do país, que cresceu entre as duas guerras e perdurou até os anos 50, quando a Europa ainda reconstruía a ruína de sua infraestrutura e sua indústria arrasadas na Segunda Guerra. No Brasil, JK aproveitou a renovação industrial da Europa pelo Plano Marshall para atrair as matrizes desativadas da indústria automobilística para o Brasil. Desde que o Brasil se industrializou, a diferença de escala entre o território e a população dos dois países foi tornando-se favorável ao Brasil na exploração do potencial do seu mercado interno.
Os anos 60, em meio às guinadas políticas para ditadura nos dois lados da fronteira, terminaram por alargar o fosso entre as duas economias. No Brasil, reformas estruturantes reconstruíram o sistema bancário e o sistema financeiro. Apoiado na indexação de ativos pela inflação passada (correção monetária, o SFN tornou-se sólido no Brasil. Na Argentina, o hábito arraigado do uso do dólar como moeda de reserve (“et pour cause” da atrofia do sistema de poupança domésticos) gerou um limitador da expansão da economia.
A indústria e o agronegócio se expandiram exponencialmente no Brasil, graças ao alargamento do mercado doméstico e da diversificação das exportações, enquanto na fronteira argentina a economia de escala operava contra. A rigor, além de forte escala da indústria, o Brasil supera largamente a produção de carne e nas lavouras da Argentina, exceto trigo, centeio e na vitivinicultura.
Por isso, os leitores que acompanham essa coluna sabem que já previa dificuldades para os planos de Javier Milei de dolarizar a economia argentina (abandonada antes da posse em dezembro do ano passado). A deficiência de geração de dólar vem da pequena escala dos empreendimentos do país, com custos operacionais elevados. O socorro de Donald Trump é paliativo, como foi, há um ano, o empréstimo de US$ 9 bilhões pela China, em iuanes.
Mesmo com o socorro do Tesouro americano (mal interpretado por Trump, que imaginava que em 2026 seria escolhido um novo governo e não a composição de parte do Congresso – ao contrário do Brasil, com renovação do Executivo e de 100% da Câmara dos Deputados, e de 2/3 do Senado, além dos governos estaduais e assembleias), ou seja, por pouco não considera Buenos Aires a capital do Brasil, o peso argentino continuou despencando, com o dólar chegando a superar os 1.400 pesos, segundo o site “Âmbito Financiero”. Mas a moeda fechou o dia a 1.361 pesos, com subida de 0,30% do dólar, que acumula baixa de 7,3% em 30 dias, desde o toque da cavalaria americana... Em 12 meses, a alta do dólar chega a 38,9%.
Já o real teve valorização hoje de 0,38% frente ao dólar, cotado a R$ 5,4554. No mês, o real registra baixa de 3,02%, mas a moeda brasileira tem valorização de 3,74% em 12 meses. Mesmo com a preferência americana à soja argentina, as vendas brasileiras crescem no mundo, sobretudo para a China.
Cadê a crise da China?
Mr Scott Bessent, o secretário do Tesouro americano, disse ontem que a economia da China está derretendo. Os dados da inflação de setembro não foram tão ruins: o Índice de Preços ao Consumidor (CPI) registrou queda de 0,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, levemente inferior à retração de 0,4% observada em agosto. O mercado projetava recuo de 0,2%. Na comparação mensal, o CPI subiu 0,1%, após permanecer estável em agosto.
O principal fator de pressão negativa foi a queda mais acentuada nos preços dos alimentos, que recuaram 4,4% em setembro, após baixa de 4,3% no mês anterior. Por outro lado, o núcleo da inflação (excluindo alimentos e energia) avançou de 0,9% para 1,0% na base anual, o que indica alguma resiliência na demanda subjacente. A situação americana é de preços crescentes, sobretudo pelo efeito bumerangue às tarifas sobre importações, como no caso do café e da carne brasileiras.