O tiroteio tarifário com os EUA

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Os Estados Unidos são o 2º parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Em 2024, recebeu 12% das exportações brasileiras (US$ 40,4 bilhões) e foi origem de 15,5% das nossas importações (US$ 40,7 bilhões). O saldo comercial com os EUA foi quase nulo, enquanto a corrente de comércio alcançou 3,6% do PIB brasileiro ano passado. O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco analisou os possíveis impactos das medidas protecionistas de Donald Trump.

Dentre os principais produtos exportados, estão óleos brutos e combustíveis de petróleo, produtos de ferro e aço, aeronaves, café e celulose. Na pauta exportadora, os EUA exercem importância em ferro e aço, aeronaves, materiais de construção e manufaturas de madeira. Nas importações, o Brasil é dependente de motores e máquinas não elétricos, óleos combustíveis e brutos de petróleo, aeronaves e gás natural norte-americanos. Vejam nas tabelas os 20 principais produtos exportados e importados e seu grau de dependência dos Estados Unidos.

Apesar de ser um importante parceiro comercial, o Brasil sempre taxou as importações vindas dos EUA. Dados do Banco Mundial mostram que a tarifa média atual é de 11,3% (2022, último dado disponível), sendo maior para bens de consumo e quase zerada para combustíveis. Por outro lado, as tarifas impostas pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros são consideravelmente inferiores (em média 2,2%). Com uma tarifa um pouco mais elevada para bens de consumo e quase zerada para bens de capital e combustíveis.

As promessas de Trump, de aumentar as tarifas de importação, estão sendo cumpridas, por etapas. Na segunda-feira (10/02), ele assinou uma ordem executiva com a imposição de tarifas de 25% sobre as importações norte-americanas de aço e alumínio e, dessa vez, com impactos diretos para o Brasil. Ainda faltam detalhes e se haverá isenções ou cotas para países específicos, como foi o caso das tarifas aplicadas em 2018. Hoje à tarde, promete divulgar as tarifas recíprocas contra os países já atingidos. Está aberto o tiroteio.

No aço, o Brasil exportou US$ 4,1 bilhões (5,8 milhões de toneladas) para os EUA em 2024, representando 60% do todo o aço embarcado. Nos EUA, a produção de 2024 foi de pouco menos de 80 milhões de toneladas de aço, com o nível de utilização da capacidade instalada de aproximadamente 74%, tendo a capacidade de elevar a produção anual até 86 milhões de toneladas (historicamente o setor não opera acima de 80% do NUCI e o Bradesco entende que esse comportamento segue válido dada a idade avançada da capacidade instalada, que limita o avanço do NUCI). O Bradesco estima que o impacto direto das tarifas poderia reduzir em até US$ 0,7 bilhão as exportações brasileiras do produto, com queda de 1 milhão de t.

Atenuantes no aço

Mas o Bradesco observa que “não seria surpresa se o impacto fosse mitigado por conta das características dos produtos de aço exportados aos EUA”, em sua maioria composta por produtos semi-acabados de aço, que servem de insumo para a indústria norte-americana e tendem a ter uma elasticidade preço menor do que a usual. Cerca de 20% do consumo aparente norte-americano é dependente do aço importado e o Brasil é o segundo maior fornecedor. Para o alumínio, as vendas não chegam a US$ 0,2 bilhão e as tarifas não têm impacto relevante para a balança comercial, ainda que o setor sofra algum impacto negativo, analisa o Depec Bradesco.

Mas, em função da diferença de tarifas, o Brasil poderia sofrer elevação de alíquotas. O Bradesco traçou três cenários do impacto: (i) os EUA adotam a reciprocidade; (ii) os EUA aumentam as tarifas de importação de produtos brasileiros para 25%, em um movimento similar ao feito contra o México e Canadá; e (iii) o Brasil retalia tais medidas, ampliando as tarifas para produtos norte-americanos para os mesmos 25%.

Impactos diferenciados

No 1º cenário, a tarifa média imposta pelos EUA Unidos passaria dos atuais 2,2% para 11,3%, com todas as aberturas se igualando às tarifas de importação cobradas pelo Brasil. Isso causaria uma redução de cerca de US$ 2,0 bilhões nas exportações (5% do total embarcado). Em um exercício hipotético, a depreciação equivalente do real, necessária para compensar essa perda, seria da ordem de 1,5%, com um impacto potencial estimado ligeiramente inferior a 0,1 ponto percentual no IPCA, como resposta direta à depreciação cambial.

O 2º cenário contempla um aumento das tarifas atuais para 25%. Tais medidas reduziriam em US$ 6,5 bilhões as exportações brasileiras, com maior impacto em bens intermediários (principal categoria dos produtos exportados para os EUA) e em combustíveis, dado o delta entre os 25% e a tarifa atual, de apenas 0,2%. Para compensar essa perda, o cenário demandaria uma depreciação equivalente de 4%, elevando a inflação doméstica em até 0,25 ponto percentual. Porém, também vale destacar que caso tal política seja imposta pelos EUA aos demais países, os efeitos podem ser ainda menores. No México, bastante mais dependente do comércio com EUA, o peso mexicano reagiu menos do que essa elasticidade. O estudo não considerou o aumento da oferta de determinados produtos no mercado doméstico nem a substituição de destinos para os embarques, que poderiam atenuar os impactos gerais.

No 3º exercício haveria um aumento das tarifas atuais brasileiras sobre os produtos norte-americanos para 25%. As importações recuariam cerca de US$ 4,5 bilhões e o repasse para a inflação ocorreria em dois estágios. Inicialmente com impactos diretos oriundos apenas da elevação dos preços de importação e posteriormente via repasse dado o aumento do IPA. Estimamos que o impacto máximo potencial seria de 0,3 ponto percentual, sendo 1/3 direto e 2/3 indireto.