
O OUTRO LADO DA MOEDA
Queda do real é manchete do ‘Financial Times’
Publicado em 18/12/2024 às 14:53
Alterado em 18/12/2024 às 14:55

Com o título: “A derrocada da moeda brasileira corre o risco de piorar, a menos que Lula faça reformas fiscais”, o respeitado jornal britânico “Financial Times” relata que “o Banco Central queimou bilhões de dólares e aumentou as taxas na tentativa de sustentar o real”, [mas não conseguiu, digo eu]. Após fechar ontem em baixa a R$ 6,1048, graças às vendas de dólar pelo BC, quando o dólar atingiu R$ 6,2097 pela manhã, o dólar abriu em alta nesta quarta-feira, alcançando R$ 6,1743 às 12:22, com alta de 1,17%.
Em dezembro, o mercado costuma ter grande pressão por dólares para viagens internacionais e remessas de lucros e dividendos pelas empresas e bancos às suas matrizes. Mas uma conjunção de fatores, como a redução dos saldos na balança comercial pela queda das safras agrícolas deste ano, sobretudo soja e milho que exportaram menos de US$ 14 bilhões este ano, frente a 2023, provocou a tempestade perfeita e fez o real desvalorizar 6,46% em 30 dias e acumular perda de 21,08% em 12 meses, a maior entre as moedas emergente: o peso mexicano (que vai sofrer com tarifas de Trump) viu o dólar subir 17,95%, enquanto foi de 20,45% a alta frente à Lira turca. O iene, alvo de muita especulação este ano, viu o dólar subir 6,99% em 12 meses.
Mas há fatores estruturais de curto e médio prazo exercendo pressão sobre o câmbio em todo o mundo, como assinada o JP Morgan pelo aumento de tarifas e deportação de imigrantes em massa no começo do governo Trump (20 de janeiro) que podem resultar “em um choque adverso do lado da oferta e impacto negativo no sentimento global”. A visão macro do caso base pressupõe resiliência do crescimento e inflação estável, o que limita a magnitude de mais flexibilização da taxa básica de juros em 2025. Hoje, o JP Morgan prevê mais uma queda de 0,25% na taxa de juros dos Estados Unidos pelo Federal Reserve, mas só vislumbra mais uma queda de 0,25% em 2025.
Já a LCA Consultores acredita que o Fed cortará a taxa básica de juros, para 4,25% a 4,5%, mas sinalizará que o processo de flexibilização monetária em 2025 será conduzido com bastante cautela. O smercados futuros precificam, para 2025, corte adicional de apenas 50 pontos-base - o que representa uma redução cerca de 100 pontos-base menor do que aquela que precificavam há cerca de três meses. A LCA prevê que a Selic alcance o pico de 15% em junho.
O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), já antecipou esse cenário e colocou tração 4 x 4 na Selic, com aumento de um ponto em dezembro e mais dois movimentos de um ponto (em 29 de janeiro e 19 de março) para atravessar o terreno pantanoso do verão 2024/2025. Há imensas incertezas dos impactos das políticas de Trump, que devem ser alertadas no comunicado do Fed. Por sinal, no mesmo horário em que o Fed tomar sua decisão (15:00), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto vai dar entrevista em Brasília, para reforçar a confiança do BC na “reversão das expectativas” [frase famosa de seu avô, quando ministro do Planejamento em 1966]. Dia 31 Campos Neto passa o bastão a Gabriel Galípolo, que já atua como copiloto.
A queda de braços do BC
Por isso, além de intervir pontualmente no mercado cambial (o que pouco abala um país com US$ 340 bilhões em reservas), o Banco Central aguarda que o Congresso não desidrate o Pacote Fiscal para reforçar o arcabouço Fiscal em 2025 e 2026, de modo a mudar a percepção do mercado, até aqui negativa e alvo de apostas pesadas contra o real e o próprio BC, para 2025.
Os primeiros sinais de desaceleração dos preços dos alimentos vieram no IPA-Agropecuário parcial de dezembro, que passou de +3,40% em novembro para +1,26% em dezembro, influenciado pelas quedas de arroz, trigo, cana-de-açúcar, soja, abacaxi, batata-inglesa, mandioca, tomate, laranja e banana e ainda por altas mais amenas de milho, algodão, uva e bovinos. A questão é que a escalada do dólar pressionou os preços industriais de 0,72% em novembro para 1,34% em dezembro. Juros altos nada podem contra altas de alimentos. A queda de braços do BC é para, ao esfriar o consumo, impedir repasses aos preços industriais e aos serviços.
Com a mudança do calendário e as boas projeções que vêm para as safras de 2025, o mercado já projeta inflação quase zero em janeiro. Mas fevereiro tem um duplo impacto pela frente: o reajuste anual das mensalidades escolares e compra de material educativo, que vem se somar a mudanças no ICMs de combustíveis (comportados neste segundo semestre).
O pacote do Congresso
O problema é que as votações das medidas que garantem um mínimo de estabilidade fiscal ficaram para a undécima hoje. O Congresso entre em recesso dia 22 (domingo) e só volta a atuar em 1º de fevereiro. A Câmara dos Deputados deve votar hoje o projeto que limita o ganho real do salário-mínimo (PL 4614/24) e a proposta de emenda à Constituição que restringe o acesso ao abono salarial de maneira gradual (PEC 45/24), que compõem o pacote de ajuste fiscal do governo. Além disso, os deputados votarão, hoje, as emendas apresentadas ao PLP 210/2024 para concluir sua votação.
Já A Comissão Mista de Orçamento aprovou o relatório final do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 (PLN 3/24) com uma meta fiscal de déficit zero para 2025. Houve a inclusão de 22 tipos de despesas livres do contingenciamento de recursos para alcançar esta meta. O projeto já tinha outros 71 tipos de despesas que não estavam sujeitas a limitações de empenho por serem obrigações constitucionais ou legais. Foram limitadas no contingenciamento para despesas não obrigatórias, a implantação do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras, a defesa agropecuária, a prevenção e mitigação de desastres naturais, subvenções econômicas para a formação de estoques reguladores, para comercialização de produtos agropecuários e produtos da agricultura familiar.
O governo conseguiu evitar que o pagamento de emendas de comissão se tornasse obrigatória. Passou também a possibilidade de o governo bloquear até 15% do valor total das emendas impositivas. Após ouvir os partidos, o relator, senador Confúcio Moura (MDB-RO) modificou seu parecer e deixou de sugerir que o Executivo mire o centro da meta fiscal até a avaliação bimestral de receitas e despesas feita em novembro. A cada bimestre, o Executivo avalia se a meta fiscal está sob risco e pode promover contingenciamentos.
Executivo e Legislativo fizeram como os alunos relapsos que gazeteiam o ano inteiro e só fazem esforço concentrado para as provas finais ou a 2ª época. Os pais ficam em suspense, como ficou o país (não bastassem as pressões externas), e a aflição geral, exponenciada pelo mercado financeiro fez o dólar furar o teto de R$ 6,00.