O OUTRO LADO DA MOEDA
SFN ganhou 100 bilhões com R$ esquecido
Publicado em 15/10/2024 às 14:19
Alterado em 15/10/2024 às 14:25
Caro leitor, não sei sua opinião sobre a iminente apropriação pelo Tesouro Nacional de um saldo de R$ 8,6 bilhões que ficou esquecido no Sistema Financeiro Nacional por mais de uma década. A temporada de reabertura do montante original foi iniciada em outubro de 2021, quando havia um total de R$ 23,2 bilhões “esquecidos” por pessoas físicas e empresas no SFN. A demanda foi tal, no primeiro momento, que o BC suspendeu os saques para ajustar o sistema de acesso, retomado em 2023.
Mas R$ 16,6 bilhões foram recuperados e amanhã acaba o prazo para o resgate do restante. O dinheiro não reclamado (por herdeiros de donos de CPFs já falecidos, por empresas extintas ou por quem não podia comprovar a origem do dinheiro) será apropriado pelo TN para ajudar a custear gastos públicos e compensar a perda de recursos com a desoneração de encargos sociais de 17 setores da economia e mais prefeituras pelo país afora.
Eu acho completamente justa a apropriação pelo Tesouro Nacional. O dinheiro do Tesouro provém do meu, do seu, do nosso suado dinheirinho dos impostos que pagamentos no consumo e sobre a renda. O mesmo Tesouro, quando é forçado, por medidas aprovadas no Congresso, a conceder subsídios a PFs ou setores específicos, com abonos, renúncias fiscais ou subsídios, está tirando dinheiro do nosso bolso que poderia bancar programas sociais.
Em cinco anos, bancos triplicam o valor
Você, caro leitor, já imaginou o quanto não ganharam os bancos e instituições financeiras com o “funding deste dinheiro parado em seus caixas para fazer novos empréstimos? O site da “InfoMoney” faz hoje uma simulação de quanto rende numa aplicação conservadora como a caderneta de poupança uma aplicação de R$ 3 milhões. Ao fim de um ano, o rendimento seria de R$ 212 mil; ao fim de três anos, de R$ 683,8 mil.
Mas o que dizer da aplicação dos recursos do SFN à taxa média de juros de 45%, apurada pelo Banco Central? Para facilitar, vamos capitalizar (pois o dinheiro não foi sacado) em cinco anos uma quantia de R$ 1 bilhão. O fator multiplicador dos juros capitalizados aponta 4,4205. Ou seja, o montante engordou para R$ 4,4205 bilhões. Então, R$ 8,6 bilhões viraram, na realidade, R$ 38 bilhões e os R$ 23,2 bilhões originais seriam R$ 102,5 bilhões.
Mesmo dando o desconto da inadimplência de 5% ao ano, o saldo seria maior do que R$ 80 bilhões. Se essa montanha ficou no caixa dos bancos e instituições financeiras rendendo juros, por que não pode ficar com o Tesouro para cobrir rombos criados pelo Congresso e para pagar a dívida pública?
O Nobel de Economia e o Brasil
O trio vencedor do Prêmio Nobel de Economia mostrou, didaticamente, como a formação dos países (por colonização e economia predominante nos primórdios) resulta em desempenho econômico-social positivo ou negativo. Vale notar que o Nobel nos últimos anos tem privilegiado estudos sobre a economia-social (em 2023, a americana Claudia Goldin ganhou pelos estudos sobre o papel das mulheres no mercado de trabalho).
Se compararmos o início da colonização dos Estados Unidos (a conquista das 13 colónias por famílias de imigrantes ingleses e irlandeses) com a do Brasil (inicialmente as capitanias hereditárias tinham conformação semelhante à das 13 colônias, conforme mapas franceses, ao contrário da marcação geométrica do litoral até a linha do Tratado de Tordesilhas, como aprendemos no ginásio), veremos que nosso tipo de colonização, por exploração de “plantations” de exportação (inicialmente cana-de-açúcar, com mão-de-obra escrava dos índios – que se rebelaram e foram substituídos por escravos africanos, utilizados em larga escala nas lavouras do café e do cacau, além da mineração - gerou uma enorme diferença de desenvolvimento.
Nos EUA buscava-se crescer com o empreendedorismo, visando a autossuficiência das comunidades. No Brasil, os senhores de escravos não se preocupavam com o abastecimento local. A mineração do ouro, em Minas, São Paulo, Goiás e Bahia é que gerou demanda de abastecimento.
Laurentino Gomes e Jorge Caldeira, mostraram em seus fundamentais livros sobre a escravidão e a economia como pulsava o mercado no Brasil Colônia, antes mesmo da vinda da Corte Portuguesa ao Brasil gerar surto de demanda para abastecimento do mercado interno – mesmo com “a abertura dos portos às nações amigas”, vale dizer à Inglaterra, que escoltou a esquadra de D. João pelo Atlântico na fuga ao cerco das tropas de Napoleão, até a Bahia, primeira e breve parada da corte, até a mudança para o Rio de Janeiro.
Eu sempre sustento que a partir da Lei Aberdeen, de 1845, que impõe sérias restrições ao tráfico de escravos abaixo do Caribe (as 13 colônias americanas pouco usavam escravos, ao contrário dos territórios ocupados pela Espanha (Florida, Texas, Novo México e Califórnia) e França (Lousiana), e os fazendeiros de café que conquistaram as ricas terras roxas dos planaltos de São Paulo e Paraná, provocou-se uma importante divisão no Brasil.
Se fizermos um corte de DNA na sociedade brasileira (excluídos os senhores de engenho, donatários de terras ou apaniguados com concessões da Coroa portuguesa e do Império, após a Independência) e compararmos os descendentes dos escravos no Nordeste, aí estendido ao Maranhão e Piauí, e Sudeste, com as famílias dos imigrantes italianos, espanhóis, alemães, suíços e diversos países europeus que ganharam terras do Império ou tiveram acesso às terras dos patrões que os contrataram para cultivar o café e plantar milho, feijão e mandioca, em regime de meia ou terça nas “ruas” do café, veremos que os negros, sem tecnologia agrícola e acesso à terra, o meio de produção e de riqueza da época, ficaram na escala inferior do estrato social brasileiro.
Já as famílias dos colonos, que traziam habilidades agrícolas, de marcenaria, metalurgia e outras tecnologias, puderam prosperar com o acesso direto à terra ou em regime de parceria (a rentabilidade da terra roxa fez os italianos e demais famílias de colonos prosperarem ainda mais na escala social do país).
A ruptura do colonato
O fim do colonato veio na geada nos cafezais de São Paulo e Paraná, em 1975. Os cafezais foram arrancados. Os colonos, dispensados pelos patrões, foram inscritos no Funrural, com meio salário-mínimo, desequilibrando a Previdência (o rombo do INSS dobrou quando a Constituinte determinou, em 1988, que ninguém poderia receber menos que o salário-mínimo). Houve uma migração em massa para as periferias das grandes cidades, com desequilíbrio no abastecimento de alimentos básicos que se arrastou até os anos 90, pois o café do PR e o milho, feijão e mandioca, deram lugar à soja mecanizada; e em São Paulo prevaleceram as monoculturas da cana e da laranja.
A situação só se normalizou quando produtores do RS, PR, SC e São Paulo foram conquistar e desmatar as largas terras do cerrado no Centro-Oeste, desde os anos 90, o celeiro do país. Mato Grosso (31%), Goiás (10,6%) Mato Grosso do Sul (7,2%) e Tocantins (2%) produzem mais de 50% (50,8%) da produção de grãos. O Paraná passou a ser o 2º produtor com 12,8% dos grãos do país, segundo o IBGE, ligeiramente à frente do Rio Grande do Sul, com 12%. São Paulo hoje responde apenas por 3,1% da produção de grãos. MG tem 5,6%.
A região pioneira do MaToPiBa - sul do Maranhão, Tocantins e Piauí, além do Oeste da Bahia (3,8%) – responde por 10,5% da produção nacional de grãos. O IBGE, por sinal, faz seus levantamentos da produção agrícola desde 1975, quando o café perde importância na economia e o algodão migra do PR e SP para Mato Grosso e Bahia na metade dos anos 90.