O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Trump critica Fed; Lula não pode?

Publicado em 13/08/2024 às 14:33

Alterado em 13/08/2024 às 14:33

Juracy Magalhães, um militar cearense que fez carreira política na Bahia, quando foi nomeado interventor no estado por Getúlio Vargas em 1930, ficou jocosamente famoso ao dizer, quando era ministro das Relações Exteriores do 1º governo militar (Castelo Branco), que “o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil”. Juracy adaptara a frase de um ex-presidente da General Motors que ouvira quando era embaixador do Brasil em Washington: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para a GM”.

O fato é que, no Brasil, nos espantamos menos com certas declarações de políticos nos EUA. Vejam o caso de Donald Trump, ícone da ultradireita brasileira. Sendo um notório especulador imobiliário (um Sérgio Dourado bem-sucedido), criticava os juros altos do Federal Reserve Bank quando era apenas um apresentador de “reality show”. Beneficiário por muitos anos da febre imobiliária do sub-prime, que levou à crise financeira mundial de 2008, Trump vivia pedindo baixa dos juros para tentar ressuscitar o valor dos imóveis.

No governo (2016-2020) criticava muito o Fed (primeiro a Janet Yellen, atual secretária do Tesouro de Biden, e depois de 2018 a Jerome Powell, atual presidente) e adotou políticas fiscais para atrair de volta sedes de multinacionais americanas para o país – se possível para ocupar escritórios em Manhattan.... Agora, em campanha para voltar ao poder disse que “o presidente tem palavras a dizer sobre as taxas de juros”, para justificar suas críticas ao nível de juros do Banco Central americano.

O Fed tem autonomia perante o Executivo, como no Brasil, que copiou a autonomia com a Lei 129, de fevereiro de 2021 e conferiu mandatos fixos de três anos aos dirigentes do BC. Mas o mandato do Fed não se limita ao controle da inflação (a meta de inflação é de 2%, aqui de 3%, com tolerância de 1,50%) e à estabilidade da moeda e da higidez do sistema financeiro, ele incluiu a meta do pleno emprego.

Como relatou hoje o “New York Times”, Trump fala à vontade, mas não há críticas ou reparos do setor financeiro. Já no Brasil, quando Lula criticou o Banco Central no ano passado por demorar a baixar os juros (podia ter feito em maio, mas só fez em agosto, com metade dos diretores querendo apenas 0,25% e os quatro indicados por Lula, 0,50%; prevaleceu a queda maior, com o voto de minerva do presidente Roberto Campos Neto) houve uma reação desmedida, com o argumento de que “o BC era independente”, mas jamais “infalível”, como cansei de ressaltar aqui nesta coluna.

O presidente Lula eleito por mais de 61 milhões de votos, tem todo o direito de criticar o rigor da política monetária e eventuais tergiversações da atuação do Banco Central. Já que Campos Neto, adepto de Bolsonaro, se recusou, desde a eleição de Lula, a trocar ideias com o Ministério da Fazenda na fase de transição, em dezembro de 2022, o BC calibrou os juros prevendo repique da inflação pela volta integral (em janeiro de 2023) dos impostos cortados eleitoralmente por Bolsonaro em combustíveis, energia e comunicações.

Este foi um erro que já custou trilhões ao Tesouro Nacional e às famílias e empresas com financiamentos bancários, cujos juros poderiam ser menores. Pior que que isso, uma política monetária mal calibrada, bate de frente com o desenho do Arcabouço Fiscal, que aposta no crescimento da produção e da oferta para atender à demanda e manter a economia equilibrada e sob controle. Já a política do Banco Central é de manter o freio de mão puxado – com juros neutros (acima da inflação) elevados, para esfriar o PIB e o emprego. A equação final do endividamento X PIB sempre será desfavorável.

Enquanto o governo Lula não preenche a diretoria do Banco Central com pessoas mais afinadas com a política econômica do governo – ou que dialogue com o governo (vale dizer, que entrose a política fiscal – gastos e receitas – com a monetária, a sociedade vai pagar um preço elevado. Neste sentido, para evitar mais ruídos, é melhor que o presidente Lula faça críticas do que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, externe suas divergências. Haddad tem sido de uma habilidade ímpar para evitar acirrar os ânimos.

Mercado ganha na crise

Os solavancos do dólar em relação ao real desde maio, quando ficou claro que o Federal Reserve não ia baixar tão cedo os juros nos EUA (até março eram previstos três cortes de 0,25% por reunião, a partir de maio), reproduziram, em escala doméstica, as especulações com moedas e outros ativos (sobretudo “commodities”, cotadas em dólar). O iene, que tinha os juros mais baixos do mundo, foi alvo de forte especulação pelos fundos globais, que alteraram os níveis de alocações em moedas de países emergentes, o que levou o Banco do Japão a elevar os juros em 0,25%, a primeira alta desde 2007).

No Brasil, como o Copom já tinha travado a Selic em 10,50% ao ano em maio, a especulação correu solta em junho e julho, e o dólar chegou a ser negociado dia 5 de agosto na máxima de R$ 5,8657. As pressões inflacionárias decorrentes levaram a Petrobras a reajustar a gasolina em meados de julho, provocando alta da inflação em 12 meses ao teto da meta de 2024 (4,50%). Ao Banco Central restou reiterar o óbvio: “que elevaria os juros se necessário”.

Quando parecia que a caravana já estava irremediavelmente cercada pelos índios, ouviu-se o toque dos clarins da cavalaria americana: o Fed, assustado com a queda forte na criação de vagas em julho, que poderia ser sintoma de recessão à vista (às vésperas da eleição) anunciou que retomaria a queda dos juros no mês de setembro (talvez com os três cortes adiados de maio). Foi água na fervura. As cotações, que já fecharam em R$ 5,7238 para venda no dia 5 de agosto, não pararam de ceder. Às 14 horas de hoje estavam em R$ ´5,4742, uma queda de 0,42% nas contações da moeda americana. Desde o pico de 5 de agosto, a queda atinge os 6,67%. Em uma semana a queda é de 3,024% e a queda do real frente ao dólar em um mês foi reduzida a 0,75%.

Está na hora de o Banco Central, à medida em que se aproximam as reuniões do Fed e do Copom de 17 e 18 de setembro, de forçar ainda mais a queda do dólar, quem sabe com intervenções no câmbio (que é flutuante, mas não deve funcionar como montanha russa). O diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, cotado com sucessor de Campos Neto, cujo mandato expira em 31 de dezembro, já disse que não há obstáculo para intervir no câmbio. Não valia era gastar reservas cambiais enquanto o horizonte externo era indefinido.

Presta atenção nos serviços

O volume de serviços cresceu 1,7% em junho, com desempenho positivo em todas as cinco atividades, após queda de 0,4% em maio pelo impacto da tragédia climática no Rio Grande do Sul, revelou hoje o IBGE. O destaque foi o impulso de 1,8% em transporte (efeitos do socorro ao RS?), mas os serviços prestados às famílias, que mais pesam, tiveram avanço de só 0,3%. A atividade em terras gaúchas ainda não se normalizou, mas caminha mais firme.

O crescimento do setor que mais pesa na formação do PIB e mais gera emprego e renda no país é acompanhado com lupa pelo Banco Central, mas mais importante que o volume é verificar se está havendo pressão nos preços dos serviços prestados. Os alimentos em baixa ajudam a compensar a tendência de remarcação depois da alta da gasolina.

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