O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

[email protected]

O OUTRO LADO DA MOEDA

Quem paga pelos erros dos Bancos Centrais?

Publicado em 05/08/2024 às 14:06

Alterado em 05/08/2024 às 14:06

Agora que as cotações estão derretendo nos mercados e o Fed já admite baixar os juros antes de setembro, para evitar a recessão, cabe a pergunta acima. Sempre faço ressalvas à suposta infalibilidade dos bancos centrais. Por tentarem neutralizar expectativas futuras (muitas vezes exacerbadas) os BCs se deixam levar pelo excesso de apostas dos mercados futuros que estão muito além da realidade da economia real e apertam (subindo juros) ou afrouxam em demasia a política monetária ((baixando os juros). No Brasil, a independência do Banco Central nunca foi sinônimo ou atestado de infalibilidade.

Nos Estados Unidos já tivemos muitas crises bancárias causadas por erros do Federal Reserve. A que ficou na história foi a Grande Depressão de 1929. Pelo enorme impacto que a restrição do crédito bancário causou na economia americana e mundial, o mandato do Fed passou a compreender o controle da moeda e do crédito, com higidez do sistema financeiro, para dar estabilidade à moeda e aos preços, mas também a garantia de pleno emprego. E novos instrumentos foram criados para regular a liquidez diária pela operações de “open market” a compra e venda de títulos do Tesouro evitando os solavancos de alterações nos encaixes compulsórios.

Mas o que dizer da culpa de Paul Volcker que, ao elevar os juros nos Estados Unidos em 1979-80, quebrou os países emergentes que se endividaram para fazer projetos estruturais para ajustar seus balanços de pagamentos ao choque do petróleo em 1973? Quando os próprios bancos americanos sentiram na carne e os pesados prejuízos reduziram a arrecadação fiscal, coube ao secretário do Tesouro, Nicolas Brady, criar o Plano Brady, no qual o Tesouro americano recomprou parte das dívidas dos países devedores dando desconto como se fosse pedido de perdão por parte do excesso de juros.

Ben Bernanke, estudioso da crise de 1929, que assumiu o Fed em 2006, apesar dos alertas do antecessor, Allan Greenspan, sobre a “exuberância irracional dos mercados”, errou a mão ao não prever a crise do sub-prime do mercado imobiliário, que estourou no 1º semestre de 2008 e gerou a crise financeira mundial de 2008. Para corrigir, o Fed relaxou no controle monetário com Janete Yelen (atual secretária do Tesouro) no governo Trump, que pressionava a baixa dos juros para ressuscitar o mercado imobiliário.

Jerome Powell assumiu em maio de 2018, com Trump no poder e manteve os juros baixos, passando a reduzí-los drasticamente na pandemia da Covid-19, em março de 2020, e enfrentou duplo cenário. Com juros baixos em todo o mundo, as operações do mercado futuro com ações, moedas, títulos e commodities ganharam grande vulto, superando largamente o PIB mundial. Powell, que não age sozinho, para viabilizar as decisões do Federal Open Market Committee (FOMC) errou ao não puxar o freio dos juros antes do fim de 2021 e agora demorou demais a baixar os juros por perseguir o enquadramento da inflação americana na meta de 2% ao ano.

Castelo de cartas rui nos futuros

O plano do Fed para os juros em 2024, que acaba influindo nas relações de paridade entre as moedas (com impactos na competitividade de exportações e na inflação, via importações) previa três reduções de 0,25% a partir de maio. Mas o Fed adiou, em abril, na reunião anual conjunta do FMI-Banco Mundial, em Whashington, na qual estava o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, orçamento e o reduziu a apenas um corte este ano.

Como o diferencial de juros entre o dólar e as moedas locais determina o fluxo das carteiras dos grandes fundos globais, o mundo mergulhou em fortes oscilações no 2º trimestre deste ano. E Campos Neto, ainda nos EUA, alertou que era preciso alterar as projeções iniciais no Brasil, que previam a Selic em 9% em dezembro de 2024, para que o diferencial de juros entre os Estados Unidos e o Brasil não alterasse o fluxo de dólares e pressionasse o câmbio.

Em março, quando o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) decidiu reduzir a Selic de 11,25% para 10,75%, manteve a previsão de nova redução de 0,50% em maio. Mas a reunião de maio, já com o adiamento de cortes do Fed, o Copom se dividiu: os 4 diretores indicados pelo governo Lula insistiram na importância de manter a previsão anterior, mas o voto de minerva do presidente reduziu a baixa a 0,25% para 10,50% o que gerou grande ruído no mercado brasileiro, com fortes apostas contra o dólar. Com a moeda subindo, o Copom manteve a Selic em 10,50% em 16 de junho e 31 de junho.

Mas o Fed, surpreendido pelo rápido esfriamento da economia americana (nos preços e na produção) anunciou cortes para setembro. Dados ruins no emprego em julho acenderam o temor de recessão nos EUA e os mercados entraram em pânico em todo o mundo. Um dos mais afetados foi o do Japão. O país que tinha juros reais negativos (abaixo da inflação) foi alvo de especulações cambiais. O Banco do Japão reagiu. Elevou os juros do iene a 0,25% ao ano (na primeira alta desde 2007). Na redistribuição de aplicações dos fundos globais, os respingos atingiram as moedas de países emergentes.

O real chegou ter forte desvalorização na semana passada, quando o dólar roçou os R$ 5,80. Mas os ventos da biruta mudaram. Os sinais de pânico cresceram nos Estados Unidos e mercados da Europa e do Japão, onde o índice Nikkei caiu hoje mais de 12% pelo temor do impacto da valorização do iene, depois do aumento de juros, nas exportações do país. A virada da biruta foi tão rápida que já fala em reunião de emergência para baixa extraordinária dos juros. O Banco Central terá de fazer mais acrobacia que Rebeca Andrade.

Reflexos no dólar e Brent

Como os preços das commodities são expressos em dólar, mexidas bruscas de juros mudam as perspectivas dos mercados futuros. As super especuladas cotações das ações de empresas líderes em circuitos eletrônicos ou desenvolvimento de projetos em Inteligência Artificial foram as que mais sofreram. Se os juros vão baixar, é melhor desfazer as apostas nos mercados futuros que compreendiam juros mais altos (em cenário de maior crescimento).

Queda do Brent ajuda na inflação

Vejam o caso do barril do Brent, depois de fechar o mês de julho em US$ 80,72 e atingir US$ 82,37 em 25 de julho, o contrato para entrega em outubro caiu hoje às 13:30 (hora de Brasília) a US$ 76,81 por barril, com queda de 4,84% frente ao fim do mês e de 6,75% frente ao pico de duas semanas. Essa reversão de preços, se acompanhada pela queda das cotações do dólar, como se espera, vai ajudar a derrubar as projeções de inflação no Brasil.

Depois de atingir os R$ 5,8647 para venda na manhã, o dólar vem cedendo terreno frente ao real, sendo cotado a R$ 5,7497 às 15:45, numa baixa de 2,07% no dia, ainda que com pequena alta diante do fechamento de sexta-feira. Como as apostas no mercado futuro de dólar na B3 eram elevadas, os mercados vão oscilar muito até que se definam os juros nos Estados Unidos. Enquanto isso, a economia real vai continuar penando pelos juros altos aqui.

Deixe seu comentário