
O OUTRO LADO DA MOEDA
O que é bom para o Brasil não é para o Copom
Publicado em 31/07/2024 às 13:24
Alterado em 31/07/2024 às 13:24
Num dia de queda quase geral do dólar nos mercados de câmbio, na expectativa de que o Federal Open Market Committee (FOMC) anuncie hoje a intenção de baixar os juros nos Estados Unidos na reunião de setembro, porque a economia está esfriando, o iene e o real tiveram comportamento opostos. O iene teve alta de mais de 1,50% depois que o Banco do Japão subiu os juros no país para 0,25%, no 2º movimento de alta desde 2007. Desde então os juros eram praticamente negativos no Japão e tornavam a moeda japonesa alvo de especulações, com reflexos nas moedas de emergentes.
Já o real, que ontem tinha tido pequena valorização ante o dólar, hoje sofre dupla especulação que provoca alta de mais de 0,70% no dólar, cotado a R$ 5,65 pouco antes do meio-dia. É que, além de esperar que o Comitê de Política Monetária do Banco Central, reitere hoje no comunicado das 18:30 (três horas e meia após a decisão do Fed) a necessidade de manutenção da Selic em 10,50% por período prolongado, dado os riscos inflacionários do mercado de trabalho aquecido e da alta do dólar, o último dia de formação da PTax (a cotação mensal do dólar oficial do BC) coincide com o fechamento dos contratos de dólar futuro na B3, o que gerou queda de braços no mercado. Os que apostaram na alta do dólar acima de R$ 5,65 querem impingir fortes perdas aos que foram mais conservadores. A taxa de câmbio também afeta os contratos de “swap” fechados pelo Banco Central. Em junho, houve perdas de R$ 28,6 bilhões do BC.
O que assusta o Copom
Mas o que aflige os membros do Copom é a força do mercado de trabalho. Segundo os dados do Caged houve a criação líquida de 201,7 mil postos formais, bem acima dos 165 mil estimados pelo mercado. Com ajuste sazonal, as admissões aumentaram 2,2% e os desligamentos 2,0%, resultando a criação líquida de 127,3 mil vagas, ante 119,8 mil em maio.
Os dados da PNA Contínua do trimestre abril-maio-junho, divulgados hoje pelo IBGE apontaram a menor taxa de desocupação (6,9%) desde o mesmo trimestre de 2014 e queda de um ponto percentual frente aos 7,9% do trimestre janeiro a março. O total da população economicamente ocupada chegou a 101,8 milhões no trimestre, com aumento de 1,628 milhão de pessoas em relação ao trimestre janeiro-março de 2024. E o total de pessoas desocupadas desceu a 7,5 milhões, uma redução de 1,082 milhão frente ao trimestre de janeiro a março de 2024, quando havia 8,6 milhões de pessoas sem atividade. O nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar) foi estimado em 57,8% no trimestre abril- junho.
Na decomposição do Caged, todos os setores apresentaram crescimento. Entre as subclasses que mais geraram vagas, destacam-se aquelas ligadas ao retorno ao trabalho híbrido e presencial, como serviços combinados de escritório e apoio administrativo, limpeza em prédios e domicílios, e atividades de vigilância e segurança privada. Setores como transporte rodoviário de carga, locação de mão de obra temporária e saúde humana também tiveram um bom desempenho. O Rio Grande do Sul foi o único estado com saldo negativo, com perda líquida de 8.659 postos formais.
Com o mercado aquecido, os salários médios reais de admissão e desligamento continuaram em alta na média móvel de 12 meses. a maioria dos reajustes salariais de acordos e negociações coletivas estão acontecendo acima do INPC acumulado em 12 meses. O último dado disponível, de junho de 2024 do DIEESE, mostra que quase 90% dos reajustes ocorreram acima do INPC. Na visão da LCA Consultores, “as perspectivas para o mercado de trabalho são positivas, com uma projeção de 1,9 milhão de novas vagas formais em 2024 e uma variação real anual do PIB de 2,0%”. Para julho a LCA projeta, preliminarmente, a criação líquida de 195 mil postos formais. Com ajuste sazonal, o saldo formal seria de 151,6 mil.
O aquecimento no mercado de serviços – que representa 67% do PIB e lidera os empregos da economia, é um indicador de expansão do emprego e renda – mas, é visto de forma negativa pelo Banco Central. Na visão monetarista, mais pessoas trabalhando é sinônimo de mais consumo (e mais arrecadação) – o que ajuda nas finanças públicas – mas o efeito disso pode ser maior resistência para a baixa da inflação nos serviços. Daí, o remédio simplista do Copom é elevar ou manter os juros elevados para esfriar o consumo e a economia.
Efeitos colaterais
Mas os efeitos colaterais são gravíssimos, como reiterou esta semana o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva: juros altos inibem os investimentos e a modernização da indústria, do comércio e das atividades produtivas. Isso cria dois obstáculos estruturais: a falta de modernização tira competitividade e economia de escala da indústria e do comércio – o que não ajuda no combate à inflação pelo lado do aumento da oferta (a visão keynesiana).
O resultado é que o PIB brasileiro acaba condenado a voos de galinha – pequenos surtos de crescimento que não se sustentam, não expandem a renda e agravam a concentração de renda no país, pois juros altos reforçam a concentração de renda, das mais injustas do mundo.