O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

RTI e o jogo dos 7 erros do BC

Publicado em 27/06/2024 às 20:15

Alterado em 27/06/2024 às 20:15

O sistema de metas de inflação virou o plano de voo do Banco Central para balizar a política monetária visando equilibrar a economia quando o Brasil abandonou, em janeiro de 1999, a frágil âncora cambial na qual se assentara o Plano Real em julho de 1994, por falta de uma política fiscal consistente. A estabilidade da economia passou a ser baseada no tripé – câmbio flutuante, equilíbrio fiscal (que só ganhou previsibilidade com a Lei da Responsabilidade Fiscal, de maio de 2000), e política monetária mirando horizonte de 18 meses adiante (ontem o Conselho Monetário Nacional, que fixa a meta de inflação, renovou para 2027 o índice de 3,00%, vigente de 2024 a 2026 e adotou “meta contínua de 3,00%, que só pode ser alterada com 36 meses de antecedência).

E o plano de voo do Comitê de Política Monetária do Banco Central, vulgo Copom, se faz através de pesquisas semanais sobre as expectativas do mercado (a cada sexta-feira a Pesquisa Focus do BC ausculta mais de uma dezena de previsões macroeconômicas de uma centena e meia de instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa). Divulgadas às segundas, as pesquisas são usadas pelo Copom, juntamente com uma série de estatísticas e estudos, levantados pelos departamentos técnicos das oito diretorias do BC.

Além das reuniões do Copom a cada 45 dias (geralmente coincidentes com as reuniões do Federal Open Market Committee – FOMC, o colegiado que formula a política monetária do Federal Reserve Bank, o BC dos Estados Unidos, que influi sobre a cotação do dólar e os principais ativos negociados nos mercados financeiros globais), o Banco Central do Brasil condensa as visões do Comitê de Política Monetária no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) divulgado na última semana do fim de cada trimestre.

O RTI do 2º trimestre de 2024 – com revisões do que deu errado e projeções futuras foi divulgado nesta quinta-feira, 27 de junho. Em teoria, deveria expressar para os agentes econômicos e a sociedade brasileira as visões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (composto por oito diretores sobre o comando do presidente, Roberto Campos Neto.

RTI reflete Guillen, não o Copom
Na prática, porém, como assinala o próprio RTI “os textos, os quadros estatísticos e os gráficos são de responsabilidade dos Departamento Econômico (Depec); Departamento de Estudos e Pesquisas (Depep); Departamento de Estatísticas (DSTAT), os três subordinados à diretoria de Política Econômica (Dipec), comandada por Diogo Guillen, que está no cargo e à frente do RTI há três anos, e pelo Departamento de Assuntos Internacionais (Derin), subordinado à diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos (Direx), comandada por Paulo Pichetti desde o 2º semestre de 2023.

Assim, a maior parte dos erros e acertos do Relatório Trimestral de Inflação cabe a Diogo Guillen, que, por isso mesmo, virou porta-voz dos RTIs a cada divulgação. E Guillen, que embora com pouca experiência em mercado financeiro, foi aprovado para a diretoria de Política Econômica e tomou posse em 27 abril de 2022, com mandato até 31 de dezembro de 2025, ganhou um poder excessivo para seu cabedal quando acumulou entre abril e junho de 2023 a Dipec com a diretoria de Política Monetária, vaga desde o fim do mandato de Bruno Serra, em 28 de fevereiro, e que só foi preenchida por Gabriel Galípolo, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, em julho de 2023.

Guillen encarna a ala dos diretores mais conservadores e ortodoxos em política monetária nomeados no governo Bolsonaro (um de seus padrinhos era o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional). O primeiro embate de visões dentro do Copom se deu em 2 de agosto de 2023, quando quatro diretores (incluindo dois nomeados no governo Bolsonaro) votaram pelo aumento de o,25% oara 0m,50% do primeiro corte da Selic que estava há um ano em 13,75%. Na divisão, o presidente Roberto Campos Neto deu o voto de minerva para reduzir a Selic a 13,25% e os movimentos de baixa de 0,50% foram mantidos até a Selic cair a 10,75% em março deste ano, quando anunciou nova queda de 0,50 ponto percentual em maio.

Já com quatro diretores nomeados pelo atual governo, o novo embate se deu em 8 de maio, quando o Fed já tinha cancelado o orçamento de três cortes de juros (0,75% no total) para 2024 e o dólar se valorizava ante todas as moedas e desestabilizava os mercados e metade dos diretores (os quatro indicados no governo Lula) defendeu a manutenção do plano de voo de reduzir a Selic em 0,50% e outros quatro (do governo Bolsonaro), pregaram cautela para 0,25%, com o voto de minerva de RCN, para 10,50%. O que trouxe mais ruído e especulação em mercado já incerto. A reunião de 19 de junho interrompeu, por unanimidade, a redução da Selic em 10,50%.

Mas não a volatilidade do dólar – de resto pressionado por problemas dos vizinhos Argentina e Bolívia. Na Bolívia, o fracasso do golpe militar esboçado na tarde de terça-feira, atiçou a visão de instabilidade política nos países emergentes (México, depois da eleição de Claudia Sheinbaum, Colômbia, Turquia, África do Sul) estão sofrendo junto com o Brasil, cujo mercado cambial tem reflexos diretos da 7ª alta diária seguida do dólar blue (1.340 pesos), com ágio se aproximando de 50% do câmbio oficial (MEP), de 950 pesos por dólar.

As profecias autorrealizáveis
Se há uma área em que as profecias estimulam a inflação e se tornam “auto-realizáveis”, esta é a Economia), Quando era mero assessor econômico do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais, no início dos anos 80, após dar assessoria econômica ao governo do ditador Augusto Pinochet, do Chile, junto com ex-colegas PhD formados na Universidade de Chicago, Paulo Guedes era mestre em fazer projeções exageradas sobre a inflação dos anos seguintes nos almoços de fim de ano do instituto, no restaurante do MAM, no Rio de Janeiro, então centro financeiro do país. A inflação ficava abaixo do previsto, mas as projeções ajudavam a que os preços, por especulação, ficassem nas direções projetadas.

Quem opera no mercado financeiro (e Guedes já era consultor da Pactual Distribuidora, que depois virou banco – origem do atual BTG-Pactual) sabe que pode ganhar muito nos contratos futuros. Quando foi ministro da Economia de Bolsonaro, Guedes se traiu dizendo que “se o governo fizer muita besteira, o dólar vai a R$ 5,00”. Acabou indo, mesmo sem fazer besteiras em demasia.

A inflação desandou e restou, para tentar garantir a reeleição de Bolsonaro, já que o Copom ao manter juros altos só derrubaria a economia e o emprego, sepultando a reeleição, derrubar a inflação a golpes de tesoura a redução temporária nos impostos dos produtos de maior peso na inflação – depois dos alimentos a domicílio, a gasolina e energia elétrica têm o maior peso, ao lado dos planos de saúde (os cortes deixaram uma ameaça de retorno de inflação em 2023, temida pelo Copom, motivo dos embates no ano passado).

Em abril deste ano, depois de Campos Neto e Diogo Guillen participarem das reuniões de primavera do FMI/Banco Mundial, em Washington, os dois voltaram espalhando uma visão extremamente pessimista nos mercados sobre os impactos da mudança de planos do Fed para os juros americanos este ano. Se isso não bastasse, antes mesmo da crise climática no Rio Grande do Sul estimulares especulação com preços e em eventuais estouros de gastos públicos em socorro ao povo gaúcho, Campos Neto andou alardeando descontrole fiscal. Não precisa dizer o efeito disso no mercado.

Mas não é só, no Relatório Trimestral de Inflação de 27 de junho há um trecho inacreditável, reiterado por Diogo Guillen em entrevista coletiva: apesar de as projeções fiscais (de déficit fiscal primário – receitas menos despesas, sem considerar o valor dos juros da dívida pública) entre a reunião do Copom de março e a de junho apresentaram pouca variação, Guillen declarou na coletiva que “quando o BC pergunta para os agentes econômicos no Questionário Pré-Copom como eles avaliam a evolução da situação fiscal desde o último Copom, nos dois últimos encontros houve indicação relevante de piora”.

Nenhum dado no RTI e nas pesquisas Focus embasam essa piora, mas uma declaração dessas no penúltimo dia de respostas à Focus deve produzir aumento das previsões de déficit primário que estavam em 0,71% do PIB para 2024 e em 0,73% para 2025. Mas não, 100%, por aumento nas previsões de gastos. Ocorre que com a freada na Selic em 10,50% (as previsões iniciais para 2024 eram de Selic em 9,00%, depois em 9,50%), isso implica em desaceleração da economia, com menor crescimento da arrecadação, e, com o PIB menor (mesmo sem o governo frear gastos – o que está no radar, na revisão de cadastros de aposentadorias e seguros-desemprego do INSS). Elementar: isso implica aumento do percentual frente ao PIB menor.

Os erros do RTI
PIB – em setembro do ano passado o RTI que errou a previsão do PIB de 2023, já previa apenas 1,5% para o crescimento da economia este ano, número aumentado para 1,7% em dezembro. Em março deste ano, o RTI já revia a previsão do PIB de 2024 para 1,9% e, agora, para 2,3%.

Balança comercial – continua a ser dos mais flagrantes erros de previsões do do RTI. No ano passado, para um resultado final positivo de US$ 81 bilhões (na contabilidade do MDIC o saldo foi de US$ 98,8 bilhões), o Banco Central, que subestimou o impacto da supersafra de grãos na inflação, no PIB, no emprego e na balança comercial, chegou a prever saldo de apenas US$ 36 bilhões. Para este ano o RTI de junho está prevendo US$ 59 bilhões (como em março), mas o Boletim Focus prevê US$ 80 bilhões.

IPCA – na previsão da inflação, os RTIs erraram tudo (para cima) no ano passado, prevendo uma inflação bem maior que a registrada, por subestimar o impacto deflacionário da safra de grãos e da nova política de preços da Petrobras; este ano, errou ao contrário, previu inflação menor de alimentos e de combustíveis, que tendem a aumentar pela especulação com o câmbio. O efeito prático é que o BC calibrou mal os juros em 2023 e 2024.

E a privatização da Sabesp, hein?
A joia da coroa do governador Tarcísio de Freitas deu chabu como muitos dos leilões de privatizações de estradas em terrenos acidentados feitos na gestão do ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro.
Apesar de muita badalação e “press releases” antecedendo os leilões, na hora do vamos ver estradas com traçado acidentado nem tinham interessados (ao contrário de estradas em terrenos quase planos) ou comparecia apenas um grupo, mas o projeto não saía do papel.

Agora, no leilão da maior companhia de saneamento da América Latina, apesar do “road show” feito pelo governador em vários centros financeiros, quase só se habilitaram sócios nacionais e apenas um, o grupo Equatorial, que atua em energia, fez lance. O governador Tarcísio não escondeu a frustração.

Um dos causadores do fiasco foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, recentemente homenageado em jantar pelo governador paulista.

Quando do “road show”, a taxa básica de juros (Selic) tendia para 9% este ano e para menos de 8,50% de 2025 em diante. Com a mudança de planos do Federal Reserve de baixar os juros nos Estados Unidos em 0,75% (para só 0,25%, se for), o Banco Central puxou o freio de mão, com a Selic em 10,50%.

O piso do mercado bancário é referência para o custo dos investimentos e o cálculo da Taxa Interna de Retorno (TIR) de qualquer empreendimento. Com 8,5% a 8% ao ano para o piso dos juros, o custo menor do capital antecipa o retorno dos investimentos; já com a Selic em 10,50%, nível que o Itaú prevê permanecer até dezembro de 2025, os cronogramas financeiros foram ao espaço.

Odebrecht Construção joga a toalha
O retraimento de grandes investidores no leilão foi precedido pela Recuperação Judicial da Odebrecht Engenharia e Construções, uma das poucas empresas do Grupo Norberto Odebrecht, rebatizado de Novonor que recorrera à R.J. depois de abatido pelas investigações da Lava Jato. Resta ainda a Braskem.
Mas, o esfriamento da economia pela alta de juros do BC é um sinal de alerta, cujas consequências vêm sendo vocalizadas pelo presidente Lula.

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