O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Copom faz Brasil ter voo de galinha

Publicado em 19/06/2024 às 15:35

A biruta que guia o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que deve decidir hoje sobre o futuro das taxas de juros (Selic) no país, não é a dos aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, mas a do aeroporto de Nova Iorque, maior centro financeiro mundial e sede do Federal Open Market Committee (FOMC). A fonte de inspiração do Copom define a política monetária dos Estados Unidos e, vale dizer, de boa parte dos mercados financeiros, de moedas, ações e commodities globais. O feriado nos EUA tira acuidade nas medições do mercado americano.

Ainda assim, no dia de decisão do Copom – há quase unanimidade no mercado financeiro brasileiro de que o colegiado de oito diretores e mais o presidente do BC vai pedir “mesa” e encerrar o processo de baixa da Selic, iniciado em agosto de 2023, quando caiu de 13,75% para 13,25% (em decisão dividida: quatro queriam baixar só 0,25 ponto percentual e quatro queriam ser mais ousados e baixar 0,50 p.p., pois a economia apresentava forte desaceleração da inflação e estava pronta para crescer mais em segurança).

A metade conservadora, nomeada no governo Bolsonaro, temia pelo repique inflacionário da volta dos impostos cortados eleitoral e temporariamente por Bolsonaro no fim de junho de 2022. Ocorre que, desde maio de 2023, a Petrobras adotara nova política de preços, usando mais petróleo do pré-sal (extraído a US$ 30) nas refinarias, que passaram a operar a plena carga, em vez do sistema de Paridade de Preços Internacionais, que internacionalizava, via taxa de câmbio, os preços domésticos dos combustíveis e derivados.

Atrelados às oscilações geopolíticas do mercado de petróleo, devido à indexação da economia brasileira, os preços da gasolina, diesel, GLP e querosene de aviação se tornavam forte fator de espalhamento de pressões inflacionárias a cada lance de alta, sem a contrapartida da reversão geral de preços de mercadorias e serviços quando os preços dos combustíveis caíam.

O resultado é que o Copom tinha de ser cauteloso e mais pró-ativo, mantendo o freio dos juros puxados para neutralizar a onda da indexação. Isso freava em demasia o crescimento da economia, sobretudo via aumento do consumo e da renda. Essa dicotomia ficou bem definida na reunião do Copom de 2 de agosto de 2023, na qual dois diretores nomeados na gestão Bolsonaro votaram com Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, e Aílton Aquino, de Fiscalização, ambos nomeados em junho, no governo Lula. Com o voto de minerva do presidente Roberto Campos Neto, o Copom baixou a Selic em 0,50% e iniciou longo período de baixa neste patamar até março de 2024, quando a Selic chegou a 10,75% ao ano.
Ventos mudam nos EUA

Com a variável combustíveis sob controle, o rol de incertezas lidadas pelo Copom se reduziu, no campo doméstico, às pressões eventuais de preços agrícolas (a safra de grãos foi prejudicada pelo El Niño e questões climáticas como as enchentes do Rio Grande do Sul geraram incertezas especulativas em alguns produtos e, no orçamento fiscal, em socorro aos gaúchos).

Mas a variável externa, que caminhava para um “soft landing” da inflação americana no primeiro trimestre deste ano, ficou prejudicada com o agravamento da crise entre o grupo palestino Hamas, apoiado pelo Irã, e Israel. A escalada do conflito manteve os preços do petróleo elevados (o Brasil escapou disso) e o Federal Reserve, adiou o processo que previa três baixas de 0,25 ponto percentual nos juros americanos, a partir de maio. Talvez só uma baixa de 0,25 p.p. este ano. [Ao defender acordo de Paz entre Israel/ Hamas e o Estado Palestino, Lula pensa mais na estabilidade da economia global].

Isso criou uma pressão de valorização do dólar frente às demais moedas em todo o mundo, com impacto nas cotações dos ativos. Os mercados ficaram voláteis e o Copom, novamente em placar dividido, desta vez, às avessas, prevalecendo o lado conservador, decidiu em 8 de maio com quatro votos pela manutenção do plano de baixa de 0,50 p.p. e quatro pela baixa de apenas 0,25 p.p., que teve o voto de minerva de Campos Neto.

A pressão do dólar sobre o real (e várias moedas no mundo – até o iene, que operava com juros reais negativos, se desvalorizou mais do que o real) criou tensões no mercado, com projeções altistas na inflação. Dúvidas quanto ao compromisso de austeridade fiscal do governo (a meta era fazer a arrecadação crescer acompanhando o aumento do consumo e dos salários, com + empregos e mais renda) levaram o mercado a elevar as projeções do IPCA.

Os ventos mais recentes dos Estados Unidos são de que a desaceleração do consumo esfriou os preços e há espaço para uma eventual baixa dos juros em setembro – antes da eleição, como sonha o presidente Joe Biden, em disputa renhida com o ex-presidente Donald Trump, condenado, como criminoso, mas que, até aqui, pelas leis americanas, pode concorrer em 5 de novembro.

Ponte sobre o desfiladeiro
Até setembro e o desfecho da eleição americana é período de travessia tão perigosa e incerta quando a de um deserto africano ou um desfiladeiro no Himalaia, com pontes de madeira suspensas por cordas (se ainda fossem por cabos de aço...). Assim, dificilmente, com a pressão especulativa dos mercados sobre o real, o Banco Central, contrariando a disposição do presidente Lula de enfrentar o período com uma última redução da Selic a 10,25%.

Lula reconhece que o cenário não reduz, antes aumenta, o já costumeiro excesso de cautela dos membros do Copom. Por isso mesmo, por saber que os juros altos, além de onerar as despesas com juros da dívida pública para o Tesouro Nacional em R$ 200 bilhões nos próximos 18 meses, vai desacelerar a economia, a arrecadação e o emprego (ou seja, piora o balanço do INSS, o principal fator de gastos nas contas públicas – depois dos juros, é claro.

Com o segundo semestre batendo à porta, com a campanha para as eleições municipais em 6 de outubro, Lula está em tempo de indicar o substituto de Campos Neto no Banco Central, cujo mandato vence em 31 de dezembro, com mais dois diretores. Na troca, além de um presidente mais ousado, Lula teria seis diretores do colegiado com visões menos ortodoxas.

Quem pilota um Banco Central sabe que é como pilotar um avião Boeing. Não se voa às cegas, mas por instrumentos (a função maior do piloto se resume às duas operações mais complexas: a decolagem e o pouso). Há que se ter uma visão mais global da economia (como tiveram Henrique Meirelles, que antes de assumir o BC com Lula, em 2023, tinha sido presidente mundial do Bank of Boston, ou Ilan Goldfajn, que já integrara o FMI); não ser só um bom operador internacional, como fora Campos Neto no Santander para a América Latina.

Uma nova visão no Copom?
Por isso, cresceram as apostas de que Lula poderá indicar para o comando do BC um economista mais heterodoxo em matéria de política monetária, como André Lara Resende, que hoje se alinha aos economistas de projeção mundial que consideram possível (dados os avanços tecnológicos dos mercados) trabalhar com taxas de juros reais (acima da inflação) inferiores às do plano de voo atual do Copom – juros reais neutros acima de 4,50% ao ano. As projeções do mercado para a Selic e o IPCA de 2024 e 2025 apontam juros reais de 6,35% a 5,4%, respectivamente.

Sem economistas com um mínimo de ousadia, a pilotagem do Copom (e da política monetária brasileira) vai sempre depender dos ventos que soprarem pelas terras de Tio Sam. O que condena a economia brasileira a voos de galinha. Ou seja, a crescimentos intermitentes e de curta duração.

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