O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

BCE também corta juros em 0,25%

Publicado em 06/06/2024 às 14:02

Alterado em 06/06/2024 às 14:02

O Banco Central Europeu (BCE) seguiu a decisão de ontem do Banco Central do Canadá e decidiu cortar nesta 5ª feira suas taxas de juros em 0,25 ponto percentual, depois de manter a política monetária inalterada por cinco reuniões seguidas. A taxa de refinanciamento (a principal da região) recuou para 4,25%, enquanto a taxa sobre depósitos caiu para 3,75% e a taxa sobre empréstimos marginais passou para 4,50%. Foi a primeira redução de juros em cinco anos.

“Com base numa avaliação atualizada das perspectivas de inflação, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária, é agora apropriado moderar o grau de restrição da política monetária após nove meses de manutenção das taxas estáveis”, diz o comunicado do BCE. O grupo de diretores que compõem o comitê de política monetária do BCE comentou ainda que, desde a reunião de setembro de 2023, a inflação caiu mais de 2,5 pontos percentuais e as perspectivas de inflação melhoraram significativamente.

O corpo técnico do Banco prevê agora uma inflação global média de 2,5% em 2024, de 2,2% em 2025 e de 1,9% em 2026. Para o núcleo da inflação, que exclui variações de energia e de produtos alimentares, o corpo técnico prevê uma média de 2,8% em 2024, de 2,2% em 2025 e de 2,0% em 2026. Já evolução do PIB está estimada em 0,9% par 2024, em 1,4% para 2025 e em 1,6% para 2026.

A expectativa dos mercados financeiros em todo o mundo agora é sobre o impacto que as duas decisões terão sobre o Federal Open Market Committee (FOMC), o colegiado que formula a política monetária do Federal Reserve Bank, que se reúne no próximo dia 12. Não se espera mudança agora na taxa de juro do Fed – na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano – mas sinais de afrouxamento monetário no 2º semestre, em princípio, em setembro.

Os dados de desaceleração do mercado de trabalho dos Estados Unidos – com abril apresentando o menor nível em três anos – reforçaram a tendência de baixa da atividade econômica e da inflação nos EUA. Em função de sinais que apontam o caminho de baixa nos juros pelo FOMC, os títulos do Tesouro americano com 10 anos de prazo foram negociados na menor taxa em dois meses.

Dólar volta a cair no Brasil
Em função destes sinais, o dólar reagiu no mercado brasileiro imediatamente após a redução dos juros pelo BCE. O mercado abril testando a faixa de R$ 5,30, mas às 9:15, a cotação cedeu para R$ 5,2945 e foi descendo a menos de R$ 5,26 após as 11:30, com queda de 0,70%. Não será surpresa uma baixa de 1% até o fim do dia.

Desconcentração do crédito é lenta
O Relatório de Economia Bancária de 2023, divulgado hoje pelo Banco Central, mostrou que os calotes da Americanas e o aumento geral da inadimplência das pessoas físicas, que representam 76% do crédito bancário total do país, provocou um freio de arrumação nas operações do Itaú (que diminuiu sua participação de 12%, em 2021, para 10,7% (-1,3 p.p.) e do Bradesco (que encolheu de 12,1%, em 2021, para 11,5% (-0,6 p.p.). A Caixa Econômica Federal, que tinha poucas operações com a Americanas, ampliou sua fatia de 18,7% para 19,6% no mesmo período (+ 1,1 p.p) e o Banco do Brasil elevou sua fatia de 16,1% para 16,4% (+0,3 p.p.).

Como o Banco Central retirou o Santander da lista dos grandes bancos (até 2019 eram os 5 grandes, depois, ficaram só os 4 maiores), a fatia do G4 no crédito caiu de 58,9%, em 2021, para 57,8%, em 2023. Vale notar que na concentração dos créditos a pessoas físicas predominam três modalidades, que concentram 48% dos empréstimos, pela ordem: crédito consignado, cartão de crédito e cheque especial.

O consignado, com os juros mais baixos, são as operações que lideram a migração de um banco para outro (a portabilidade do crédito). Os dois últimos contam com as maiores taxas de juros do mercado. A baixa dos juros do consignado é determinada pelo Conselho do INSS. Se depender do empurrão do BC, as taxas não caem acompanhando a baixa da Selic, que é o piso do mercado, como atestam as demais operações. Vejam o que diz o REB sobre a migração dos clientes em busca de juros mais baixos: “Tendo em vista a taxa de juros dos contratos existentes, há espaço para o crescimento da portabilidade no crédito consignado e no imobiliário a taxas não reguladas”.

O BC não induz nada, mesmo reconhecendo que todos os custos bancários caíram nos últimos três. Todos menos os índices de inadimplência. “Meu caro Watson”, diria Mr. Holmes por uma razão simples: “porque os juros não caem”.

Ainda o REB: “A política monetária restritiva foi o principal componente responsável pela subida no custo de captação médio (...). A inadimplência se manteve como 2º fator mais relevante no índice. O spread do ICC (índice de custo do crédito) também subiu em 2023, impulsionado pelo aumento de seu principal componente, a inadimplência. No período, o peso da inadimplência no spread subiu, de 30,5% em 2022 para 35,7%”.

Rentabilidade no Brasil das maiores do mundo
Apesar de ligeira redução nos últimos dois anos (devido à maior inadimplência e aos prejuízos da Americanas) a rentabilidade bancária no Brasil segue entre as mais altas do mundo. Em 2023, o Brasil só perdeu para o México, Canadá, Austrália e Índia, ficando à frente da Indonésia (4º país mais populoso do mundo), Estados Unidos, Itália, Holanda, França e China, diz o REB.

Banco só empresta na maré boa
O jornalista Elio Gaspari costuma recorrer à Madame Natasha quando vê um texto enrolado que procura embaralhar a realidade. É o caso do Boxe 2 do REB sobre a “Discricionariedade judicial e a oferta de crédito bancário”. Ele discute, com fórmulas trigonométricas”, tomando por base as decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o impacto das sentenças na disposição dos bancos de abrir as carteiras de crédito.

No estado mais rico e populoso que concentra 20% da população do país, o índice de inadimplência das pessoas físicas era de 3,6%, abaixo da média nacional, de 3,7% em 2023. O ranking foi liderado pelo estado do Amazonas (5,8%), seguido por Pernambuco (5,7%) e Rio de Janeiro (5,6%). As menores taxas eram no Centro-Oeste (2,1% em Mato Grosso), onde pessoas físicas estão à frente de empreendimentos familiares do agronegócio, que recebem as taxas mais baixas de financiamento do país.

Segundo o REB, sobre o “o impacto de decisões judiciais pró-devedor sobre a oferta de crédito”, os “conglomerados financeiros ofertam menos crédito quando observam um ambiente judicial menos favorável”. O que parece óbvio.

Entretanto, vejam a explicação empolada: “A heterogeneidade dos vieses dos juízes gera uma variação exógena sobre os resultados dos processos judiciais em que os conglomerados financeiros estão envolvidos e permite identificar como os conglomerados reagem ao observarem mais resultados negativos em suas disputas legais”.

No caso das pessoas jurídicas o REB diz que “esses choques negativos sobre os conglomerados financeiros impactam outras firmas com relação de crédito com eles, ultrapassando a simples disputa entre as partes do processo. A piora da percepção dos conglomerados sobre a qualidade de proteção de seus direitos faz com que efetivamente diminua o crédito ofertado por eles. As consequências desses efeitos ocorrem para além das partes em disputa, fazendo com que seja fundamental compreender como a norma vigente é aplicada na resolução de conflitos judiciais”.

Se formos aplicar o “status quo” bancário ao Rio Grande do Sul, os gaúchos jamais vão receber ajuda voluntária dos bancos na medida em que precisam.

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