O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Qual o mandato do Banco Central?

Publicado em 31/05/2024 às 11:50

Alterado em 31/05/2024 às 11:50

O objetivo do Federal Reserve Bank, o maior banco central do mundo, é “garantir a estabilidade de preços e promover empregos de forma estável” nos Estados Unidos. Assim, o sucesso pleno da política monetária é obter a estabilidade dos preços sem comprometer o mercado de trabalho. No Brasil, o Banco Central copiou muitos dos objetivos do Fed e estruturou o Comitê de Política Monetária (Copom) à imagem do Federal Open Market Committee – FOMC), o formulador da política monetária dos EUA, que determina a trajetória do dólar no mundo, com impacto nos preços dos ativos contados em dólar.

A próxima reunião do FOMC é dia 12 de junho. Uma semana depois, dias 18 e 19 de junho, o Copom se reúne já com informações suficientes para definir o horizonte da política monetária, da parte da redução das incertezas externas. Pelas últimas leituras do IPCA e as projeções do mercado estão apontando uma inflação sob controle. Mas o horizonte da política monetária não é visto pelo retrovisor e sim com farol alto, pelo para brisa, 12-18 meses adiante.

No Brasil, melhora do emprego é ruim opara BC
Esta semana saíram dois indicadores do mercado de trabalho de abril: a PNAD Contínua do IBGE e o Caged. A taxa de desemprego foi de 7,5%, melhor do que o piso das estimativas de 7,6%, e o Caged apontou para a criação de 240 mil postos de emprego formal. As surpresas positivas do mercado de trabalho impõem um viés altista para atividade econômica, mas são vistas pelos economistas do mercado como um alerta para a cautela na condução da política monetária.

A taxa de desemprego dessazonalizada encontra-se em 7,2%, acumulando queda de 0,6 p.p desde dezembro de 2023. A queda dodesemprego está sendo acompanhada pelo aumento da taxa de participação e pela maior formalização da mão de obra. A massa de rendimento real habitual teve alta de 7,9% na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, fruto do aumento da população ocupada e do aumento do rendimento médio real no período em um contexto de maior formalização do mercado de trabalho.

No Caged, houve criação de 240 mil vagas, resultado da admissão de 2,3 milhões e da demissão de 2,0 milhão de trabalhadores no período. Todos os grupamentos de atividade avançaram, com destaque para serviços (138,3 mil), indústria geral (36,0 mil) e construção (+186,9 mil, num indicador de retomada de obras do PAC e do Minha Casa Minha Vida). Em 12 meses, o saldo total de vagas avançou 3,6% na comparação mensal, somando 1,7 milhão, mostrando a expansão observada desde o final do ano passado.

A força do mercado de trabalho deve ser um dos principais vetores positivos para o crescimento da economia brasileira no ano. As projeções indicam a criação de 1,8 milhão de postos de trabalho formais no ano e uma taxa média de desemprego de 7,6%.

A taxa de desemprego, no trimestre fevereiro-março-abril, subiu a 7,5%, uma queda de 1,0 ponto percentual em relação ao mesmo período de 2023, abaixo das expectativas do mercado. A taxa tende a cair nos trimestres encerrados em abril, exceto em anos de crise. Com ajuste sazonal, a taxa de desemprego caiu 0,2 ponto percentual de março para abril de 2024, e ficou em 7,1%, devido ao aumento de 0,35% na População Ocupada e 0,1% na Força de Trabalho.

A taxa de participação aumentou ligeiramente para 62,0%, mas ainda está abaixo do nível pré-pandemia. Se ajustada para a atividade média de 2019, a taxa de desemprego seria 2,0 pontos percentuais maior. Muitas pessoas não retornaram ao mercado de trabalho após a pandemia, com um aumento de 4,8 milhões de pessoas que estão fora da Força de Trabalho comparado ao período pré-pandemia. Hipóteses para essa queda da oferta de mão de obra incluem o envelhecimento populacional, possíveis impactos do Bolsa Família e a proliferação de trabalhos informais em aplicativos.

Onde cresce o emprego
A recuperação da economia e do emprego após a pandemia se concentra nos setores de serviços, sobretudo Informação e Administração pública. O setor privado sem carteira assinada e o setor público com carteira destacam-se no crescimento mensal. As taxas alternativas de desocupação (incluindo subocupados e desalentados) são significativamente maiores, chegando a 17,1% na taxa composta de subutilização.

Os rendimentos médios reais aumentaram, com reajustes salariais acima da inflação. A inflação baixa e o reajuste real do salário-mínimo contribuíram para esses aumentos. Para o futuro, espera-se que a ocupação continue em crescimento, com aumento proporcional da informalidade. A taxa de desemprego deve recuar para 7,2% no trimestre encerrado em maio de 2024.

No Caged, mercado forte em abril
Em abril de 2024, o Caged teve criação líquida de 240 mil postos formais de trabalho e superou as projeções da LCA Consultores (205,6 mil) e do mercado (210 mil). A criação líquida de vagas ajustada sazonalmente foi de 215,9 mil, um número menor que março, mas bem maior que abril de 2023 (+119,9 mil).

O setor de Serviços foi responsável por 58% das vagas criadas no ano, com destaque para o aumento de vagas no setor de Saúde Humana, impulsionado pela epidemia de dengue e o surto de influenza A. O número de desligamentos a pedido dos trabalhadores alcançou um recorde pelo quarto mês consecutivo, com 734.943 desligamentos em abril, o que indica um mercado de trabalho aquecido. Também houve um recorde de desligamentos com justa causa. Segundo a LCA, a média móvel de 12 meses dos salários médios reais de admissão e desligamento continuou a subir. A maioria dos reajustes salariais ficaram acima do INPC acumulado em 12 meses.

Mercado de trabalho e política monetária
Para a LCA, os dados da PNAD-C e do Caged indicam que o mercado de trabalho manteve seu elevado dinamismo em abril. Destacam-se a forte geração de empregos formais, a alta proporção de desligamentos voluntários, a nova queda na taxa de desemprego, os significativos avanços da população ocupada e da taxa de participação, além do robusto crescimento dos rendimentos e da massa salarial. Em resumo, esses dados confirmam um cenário de mercado de trabalho apertado.

Dado que o mercado de trabalho é crucial para a determinação do hiato do produto, reforça-se a necessidade de reavaliar esse hiato, o que poderá impactar a trajetória prospectiva da inflação e exigir uma política monetária mais restritiva, conclui a LCA, acendendo sinais amarelos.

Estou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se queixou do fato de que o Banco Central conversa mais e dá mais ouvidos às angústias e humores do mercado financeiro – com nítido interesse em antecipar a tendência futura dos juros para reduzir os riscos das posições assumidas nos mercados futuros de títulos de renda fixa, ações, moedas e commodities – do que troca informações com a própria Fazenda.

Sem saber dos planos da Fazenda para a política fiscal e tributária, muitas vezes o Copom se deixa levar pelo temor do mercado e trava mais os juros do que o necessário, reduzindo o potencial de crescimento da economia (sem necessariamente ter êxito no controle da inflação). No ano passado, a inflação chegou dentro do teto da meta (4,62%, depois de dois anos de estouros seguidos, mais por méritos da supersafra, da nova política de preços da Petrobras e dos acertos da Fazenda e aumentar a arrecadação – situação que permanece este ano.

Entretanto, o Copom, ignora que o fomento ao emprego também está no seu mandato, como no Fed. Os bancos centrais da Europa e do Japão já estão afrouxando os controles monetários, mas nosso Banco Central, qual um D. Quixote, ainda enxerga moinhos de vento inflacionários no mercado de trabalho aquecido, o que é sinônimo de aumento de consumo e arrecadação.