O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

RS e o IPCA: até aqui, tudo bem

Publicado em 28/05/2024 às 12:47

Alterado em 28/05/2024 às 12:47

O temido “vento que vem lá do Sul”, o gelado minuano, cujos efeitos amplificam os estragos climáticos no Rio Grande do Sul, não se fez notar no IPCA-15. A prévia da inflação coletada pelo IBGE entre os dias 16 de abril e 15 de maio, mesmo com coleta prejudicada no RS, mostrou na alta de 0,44% (0,21% no IPCA-15 de abril) um comportamento da inflação que surpreendeu as expectativas: o mercado esperava 0,47% (a LCA Consultores, 0,45% e o Bradesco e o Santander 0,49%). No ano, o IPCA-15 acumula 2,12% e a taxa em 12 meses caiu dos 3,77% de abril para 3,70% em maio.

E as pressões não vieram de Alimentos e Bebidas, que subiram 0,26%, com forte queda frente aos 0,61% de abril. E a maior surpresa foi que o arroz – tão especulado quanto aos estragos nos estoques colhidos antes das enchentes no estado responsável por 65% da produção nacional – teve baixa de 1,25%, contribuindo, junto com a queda de 5,36% no feijão carioca e de 0,72% nos preços das carnes, para amenizar as altas da cebola (16,05%), do café moído (2,78%) e do leite longa vida (1,94%). No Rio de Janeiro, o feijão preto caiu 10,38% e as carnes -1,56%.

A alimentação fora do domicílio subiu 0,37% (0,25% em abril) devido à alta de 0,34% na refeição (0,07% em abril). O lanche repetiu a alta de (0,47%) de abril.

Gasolina e remédios, a dor de cabeça
Os maiores fatores de alta vieram dos grupos Saúde e cuidados pessoais, que subiram 1,07%, puxados pela alta de 2,06% nos remédios, além dos Planos de Saúde (os perfumes ficaram 1,98% mais caros).
Nos Transportes, que acelerou 0,77%, o maior impacto veio do aumento de 1,90% na gasolina. O produto de maior peso entre os 377 itens pesquisados pelo IBGE, causou impacto de 0,09 p.p. no IPCA-15. Os combustíveis subiram 2,10%, puxados pela alta de 4,70% do etanol (que impactou a gasolina, que usa 27% de álcool anidro) e de 0,37% no óleo diesel (0,37%). A única baixa foi do GNV (-0,11%). As passagens aéreas subiram 6,04% (0,04 p.p).

No grupo Habitação (0,25%), o terceiro que mais pesa nos orçamentos, depois de alimentação e transportes, a alta da taxa de água e esgoto (0,51%) foi influenciada pelos reajustes de 6,94% em São Paulo (1,39%) e de 1,95% em Goiânia (1,01%). Em energia elétrica residencial (0,17%), reajustes tarifários foram aplicados em Salvador (3,26%), com reajuste de 1,63%, a partir de 22 de abril; Recife (-1,08%), com reajuste de -2,64% a partir de 29 de abril; e Fortaleza (-3,69%), com reajuste de -2,92% a partir de 22 de abril.

Ventos fiscais favoráveis, diz Warren
Se uma das frentes de alerta inflacionário apresentadas pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Netos, não rugiu como temia uma banda do Comitê de Política Monetária (Copom), a análise dos economistas da Warren Rena (Felipe Salto, Josué Pellegrini e Gabriel Garrote), sobre o superávit primário de R$ 11,1 bilhões do governo central em abril (abaixo dos R$ 12,5 bilhões que estimavam) “confirma o bom desempenho fiscal no primeiro quadrimestre” e, por isso, eles acreditam que “a meta fiscal deste ano não é impossível, desde que mecanismos legais sejam corretamente usados”.

Com o superávit de abril, o governo central teve um saldo positivo de R$ 30,6 bilhões nos primeiros quatro meses do ano. Em abril, as receitas líquidas (R$ 191,2 bilhões) tiveram alta real de 8,4% sobre o mesmo período de 2023 e as despesas primárias de R$ 180,2 bilhões subiram 12,4% acima da inflação frente a abril de 2023. O Banco Central divulga amanhã os dados fiscais consolidados do setor público, onde o governo central responde por 90% das contas e os juros da dívida engolem mensalmente dois saldos fiscais primários. O X da decisão do Copom dia 19 depende dos juros dos Estados Unidos.

Onde estão os problemas
Os economistas apontas pontos críticos nas despesas: “os gastos previdenciários estão subindo a 17%, o Benefício de Prestação Continuada cresce a 19% e a liberação de despesas discricionárias, a 20%. O quadro de despesas está nitidamente pressionado. A pressão exercida pelos precatórios, no início do ano, pela antecipação, deu lugar a uma dinâmica de gastos obrigatórios que apenas confirma a subestimativa preocupante mantida pelo governo no Relatório Bimestral do Orçamento”, alertam.

Quanto às receitas líquidas, no 1º quadrimestre, cresceram 8,9%, percentual muito próximo do calculado pela Warren Rena a partir dos dados do SIGA-Brasil, em documento veiculado aos clientes dia 10 de maio: "Prévia Fiscal". Para os economistas, “essa dinâmica das receitas líquidas surpreendeu e torna relevante a probabilidade de um cenário de cumprimento de metas fiscais, em 2024, ainda que não seja nosso cenário base, isto é, o mais provável”.

- Por ora, seguimos atribuindo 45% de probabilidade ao cenário de rompimento do limite inferior da meta zero (-0,25% do PIB), com projeção de 0,67% do PIB para o déficit primário do ano corrente e consequente acionamento dos gatilhos previstos na Lei Complementar nº 200, de 2023 (Novo Arcabouço Fiscal).

- O segundo cenário mais provável (35% de probabilidade), é o de alteração da meta anual, por meio de Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso (PLN) para modificar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, possivelmente, nos idos de agosto, quando da discussão da proposta orçamentária de 2025.

- Finalmente, entendemos que há 20% de chance de cumprimento da meta, considerada a banda de -0,25% ou R$ 28,8 bilhões.

Para cumprir a meta anual, mesmo contando com a banda legal, seria preciso que as receitas líquidas mantivessem um desempenho extraordinário ao longo dos próximos meses. Eles advertem que “o peso das receitas atípicas, no primeiro quadrimestre, não é desprezível”, os dados foram inflados pela tributação dos fundos fechados e a entrada de outras receitas não recorrentes. Para o ano fechado, eles estimam alta real de 7% para as receitas líquidas.

O governo precisa entregar
Para eles, “se o governo conseguir contingenciar ao menos R$ 25 bilhões (acham viável algo na casa de R$ 8 bilhões) e as receitas de R$ 25,8 bilhões prometidas pelo Secretário da Receita Federal, na última coletiva à imprensa do Relatório Bimestral, se confirmarem, com sobra de R$ 9,7 bilhões, nossa projeção passaria a 0,4% do PIB”. Neste caso, um ganho adicional de 1 p.p. na variação real projetada para as receitas líquidas, por exemplo, em relação à estimativa de alta real de 7% da Warren, poderia resolver a questão, levando a projeção ao limite inferior de -0,25% do PIB.

Longe de ser um cenário trivial, ele mostra-se, entretanto, factível, dizem. Dependerá apenas do governo e da sua disposição em usar os mecanismos que ele mesmo estabeleceu nas regras do Novo Arcabouço Fiscal, sobretudo o contingenciamento de despesas discricionárias. Os economistas da Warren lembram que “as contas ora apresentadas envolvem o nosso cenário, e não o do Relatório Bimestral, ainda subestimado no que se refere a despesas obrigatórias, como no caso dos gastos previdenciários”.