O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Meia trava na Selic custa R$ 60 bilhões

Publicado em 24/05/2024 às 12:10

Alterado em 24/05/2024 às 12:10

Chega a ser hipocrisia discutir se o resultado primário de 2024 e de 2025 vai ser um déficit de R$ 14,5 bilhões (2024) ou de mais de R$ 30 bilhões, considerados os gastos extras para a recuperação do Rio Grande Sul, e se 2025 terá déficit maior ainda. A exigência de resultado primário (receitas menos despesas) para servir ao serviço da dívida pública, parece uma discussão estéril (e histérica). É que mesmo com saldo, em vez de déficit, o resultado primário nada vale para amortizar o montante dos juros da dívida pública, estimados em R$ 740 bilhões este ano. A dívida bruta interna do setor público era de R$ 7.316 bilhões em março e a dívida bruta total (inclui a externa) era de R$ 8.347 bilhões em março deste ano.

Tomem-se as contas apresentadas pelo Banco Central quando da divulgação, em 6 de maio, dos dados sobre as contas consolidadas do setor público em março deste ano. Segundo estimativas do BC, cada um ponto para mais ou para menos na taxa Selic, representa, ao fim de 12 meses, um acréscimo (ou redução) de R$ 48,9 bilhões nos gastos com juros da dívida pública.

A meia trava, causada pela suspensão, pelo Federal Reserve Bank, o Banco Central dos Estados Unidos, do seu plano de voo para reduzir os juros em 0,75 pon percentual este ano, o que levou o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) a interromper o processo de redução de 0,50% por reunião para 0,25%, com a Selic fixada em 10,50% ao ano, pode custar um gasto extra com juros de mais de R$ 60 bilhões num horizonte de 12 meses.

A taxa Selic fechou o ano passado em 11,75% ao ano e as projeções do mercado financeiro, expressas na Pesquisa Focus de 29 de dezembro, apontavam a redução na Selic para 9% em dezembro deste ano e 8,50% para dezembro de 2025. Pois, depois da mudança de planos do Fed e da alteração da rota do Copom, projeções do mercado financeiro apontam para apenas mais uma queda da Selic, em 0,25%, com o fim do ciclo deste ano em 10,25%.

Isto significa que a elevação de 1,25 ponto percentual na Selic vai implicar acréscimo de juros de mais de R$ 60 bilhões num horizonte de 12 meses, frente às projeções do fim do ano passado. E há dúvidas se o Copom possa declarar encerrado o ciclo de baixa da Selic em 19 de junho, mantendo-a nos atuais 10,50%. Neste caso, o custo extra dos juros subiria a R$ 73,35 bilhões em 12 meses. Ou seja, dava para reconstruir três vezes os danos no RS.

Mas as consequências de uma curva de juros mais elevada não representam apenas mais despesas para o Tesouro Nacional. Juros básicos mais altos levam o Sistema Financeiro Nacional a manter extremamente elevados os juros para o consumo das famílias e os investimentos das empresas. Em outras palavras, o resultado é um esfriamento da economia. Mas não é só arcabouço fiscal concebido pelo Ministério da Fazenda pressupõe o maior crescimento da economia, com influência na arrecadação de impostos.

Um esfriamento da economia, reduz o ritmo da expansão das receitas (até maio o efeito de novas tributações, como as taxações sobre os fundos “off-shores” ainda se fará notar). A frustração nas receitas e no crescimento do PIB também agravam os indicadores de endividamento do governo, o que tende a encarecer adicionalmente as pressões do mercado por juros mais altos.

Goldman Sachs prevê corte de juros em julho
E agora, José? Na contramão do pessimismo do Banco Central e do mercado, o banco Goldman Sachs vê chances de a taxa de juros nos Estados Unidos ter um corte em julho (o que abriria espaço para novo corte da Selic pelo Copom):

“O ciclo de flexibilização monetária do G10 está a alargar-se. Após as recentes medidas do Banco Nacional Suíço e do Riksbank Sueco, esperamos que o BCE, o BoE [Bank of England] e o BoC [Bank of China] comecem a cortar as taxas em junho. O ritmo de flexibilização será provavelmente gradual porque os preços e os salários ainda estão crescendo mais rapidamente do que o implícito nas metas do banco central em todas as economias, exceto na Suíça, e o desemprego permanece perto dos níveis pré-pandêmicos em todas as economias, exceto na Suécia. No entanto, os bancos centrais do G10 pensam cada vez mais que uma taxa de política que parecia apropriada há 6 a 12 meses já não parece apropriada agora que a emergência inflacionária passou”.

“A Reserva Federal não estará na primeira onda de cortes devido à recuperação do núcleo da inflação sequencial durante o 1º trimestre. Quanto dos danos foram desfeitos em abril é uma questão de perspectiva. Usando o IPC, o PPI e os preços de importação, estimamos que o núcleo do PCE aumentou 0,26% em relação ao mês anterior, um ritmo bem abaixo da média de 0,36% dos três meses anteriores, mas provavelmente não suficiente para um corte em julho se mantido em maio e junho”.

“No entanto, também estimamos que o núcleo do índice PCE baseado no mercado – citado pelo presidente do Fed, Powell, em palestra semana passada e que exclui itens imputados, como serviços de gestão de carteiras e jogos de azar – subiu apenas 0,18%, um ritmo que seria bastante consistente com um corte de julho, se mantido. Continuamos a prever cortes em julho e novembro, mas o momento permanece sensível aos próximos dados”, diz o GS.