O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Troca faz Petrobras cair até R$ 50 bilhões

Publicado em 15/05/2024 às 18:27

Alterado em 15/05/2024 às 18:27

Há várias maneiras de avaliar o papel da Petrobras na vida nacional. As correntes fiéis ao papel histórico, de garantia inicial do abastecimento de combustíveis no território nacional (na 2ª guerra o país teve racionamento e ficou vulnerável, como constatou o Conselho Nacional do Petróleo). Criada em 3 de outubro de 1953, pela Lei 2004, a empresa começou a funcionar efetivamente em 10 de maio de 1954. Com o legado do CNP, recebeu a refinaria de Mataripe (BA) e a refinaria de Cubatão (em construção). A troca de comando, com a demissão de Jean Paul Prates, ocorre após o 70º aniversário.

Valendo-se do fato de que a União, através das ações ON (com direito a voto) controla 50,26% do capital votante, contra 41,31% dos investidores não residentes no país (pode haver brasileiros nesse bolo, investindo na Bolsa de Nova Iorque ou sediados em paraísos fiscais) e apenas 8,43% de investidores no Brasil – no capital total (juntando ações ON e PN), a União + o BNDES têm 36,61%, os estrangeiros têm 46,31% do capital, segundo dados de abril, e os investidores nacionais controlavam 15,55% - os nacionalistas históricos querem usar a Petrobras como instrumento do desenvolvimento de política públicas, como o Banco do Brasil, também uma companhia de economia mista.

Assim foi feito nas duas primeiras décadas. Em 1961 é inaugurada a refinaria Duque de Caxias (RJ), e em 1968 começam a operar as refinarias Alberto Pasqualini (RS) e Gabriel Passos (MG). No ano anterior, com a encampação da refinaria de Capuava (Cubatão), a Petrobras cria a Petroquisa e entra na petroquímica (os polos de Camaçari-BA, Triunfo-RS e Cubatão surgem com participação da Petroquisa). Na maior refinaria do país – Paulínea, de 1972, junto à qual a Braskem construiu petroquímica com parceria da Petrobras.

Mas o choque do petróleo, de setembro de 1973, em pleno “milagre brasileiro” pegou a Petrobras produzindo apenas 15% do petróleo consumido no país. Houve muita pressão para mesmo com a Petrobras descobrindo petróleo na Bacia de Campos, em agosto de 1974, abrir o mercado a contratos de risco, em 1976. Foram as descobertas da estatal na Bacia de Campos, que reduziram as importações líquidas de petróleo e ajudaram o país a enfrentar a crise do balanço de pagamentos e da dívida externa, ao lado dos saldos comerciais gerados pelo agronegócio.

Sem monopólio, novas regras

Com o fim do monopólio estatal, com a Lei N° 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Petrobras acabou mudando a ótica de seu controle acionário. Investidores estrangeiros apostaram nos sucessivos êxitos na exploração em águas profundas e ultra profundas, subscreveram em massa os American Depositary Receipts e assumiram posição relevante como acionista. Para abrir o capital, segundo a legislação da Securities Exchange Comission (SEC), o xerife do mercado de capitais americano, a Petrobras teve de reformar os estatutos e as regras de governança corporativa.

Com a descoberta, em 2006, do pré-sal, na Bacia de Santos (e depois em Campoos), antes da crise financeira mundial de 2008, quando o barril chegou a ser cotado a US$ 149 e as projeções indicavam a faixa de US$ 200 a US$ 300 na década atual, a Petrobras resolveu ampliar o leque de investimentos em refino e nas encomendas de plataformas junto aos novos estaleiros nacionais e criar no Rio de Janeiro um complexo petroquímico (Comperj) para extrair maior valor agregado no refino do petróleo.

Entretanto, a queda abrupta dos preços do barril após a recessão mundial causada pela crise do sub-prime do mercado financeiro dos Estados Unidos, que levaram à quebra do Leman Brothers, abateu a viabilidade de vários projetos. E os escândalos da Lava-Jato mostraram que as normas de governança e compliance precisavam ser reforçadas. Para isso, foram criadas novas legislações e normas internas na companhia. Os confrontos que acabaram levando à demissão de Jean Paul Prates da presidência da companhia vêm do choque de duas visões extremas.

Guinada ao liberalismo

No governo Bolsonaro houve a decisão de enxugar a Petrobras a mera operadora de petróleo, com a venda do seu braço de distribuição de combustíveis (a BR Distribuidora, criada no começo da década de 70), dos gasodutos de distribuição de gás (descobertos nas bacias de Santos e Campos) e a venda de 50% do parque de refino (não houve compradores para as refinarias de RS, PR, MG e PE). Houve liquidação em massa das posições estatais (BNDES e CEF, que zerou seus 2,6%). O controle da União ficou limitando ao mínimo legal. A privatização seria feita com Bolsonaro reeleito.

Deu Lula e além da retomada dos planos de expansão das refinarias, a companhia arquivou em maio do ano passado o sistema de Paridades de Preços Internacionais (PPI), criado no governo Temer para forçar a concorrência do mercado de combustíveis do país (com a atualização dos preços domésticos às cotações internacionais e dólar). Questões de logísticas, pela distância do Brasil dos países fornecedores, levaram a Acelen, novo nome da refinaria Landulpho Alves, de Mataripe-BA, que foi comprada pelo fundo soberano Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, a não trazer petróleo do próprio EAU e tentar comprar o petróleo da Petrobras (acontece que a Petrobras não vendeu pelo preço de US$ 30, que extrai, mas a preço de mercado). Do mesmo modo que as refinarias do EAU faria com o Brasil.

A retomada de vários projetos estava sendo equacionada financeiramente pela Petrobras, mas o governo Lula tinha pressa, para gerar empregos e impactos econômicos (e políticos) importantes ainda no atual mandato. Jean Paul Prates condicionava a retomada dentro do processo de transição energética. Isso gerou desgaste com o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa, que estavam com Lula na conversa final do presidente da República para selar a saída de Prates da Petrobras.

Esse abismo entre a visão negocista/investidora (100% adotada no governo Bolsonaro) e a visão estratégica retomada pelo governo Lula gerou a forte desvalorização das ações ON e PN, que chegou a cair R$ 50 bilhões em relação ao dia 10 de maio, quando o valor de mercado da companhia era de R$ 548,5 bilhões e desceu hoje a R$ 499 bilhões. No fim da tarde, após às 16 horas, as cotações recuperaram parcialmente a queda e a companhia valia R$ 516,4 bilhões.

Temor do intervencionismo

Um temor dos investidores com a troca de Prates (que adotou a nova política de preços que segurou a inflação e tentava fazer a transição energética nos investimentos) pela ex-diretora geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), Magda Chambriard, é o aumento do intervencionismo do governo e a aceleração de projetos de viabilidade duvidosa.

A LCA Consultores resumiu a situação dizendo que a troca “volta a elevar os riscos em torno da administração da empresa. Investidores temem a priorização de projetos de retorno duvidosos para a empresa, como os incentivos as indústrias naval e de fertilizantes (BA, PR e MS) e novas mudanças na política de preços que reduzam a rentabilidade”.

Um dos projetos que Lula quer imprimir mais rapidez é a nova configuração do Comperj, em Itaboraí (com uma refinaria para extrair mais diesel do óleo do pré-sal, interligada à Reduc, planta de biocombustíveis, unidade de óleos lubrificantes e central de redistribuição de gás natural da Bacia de Santos). Magda Chambriard, que estava atuando na assessoria econômica da Alerj, estudou muito a questão do Comperj, cuja retomada pode render dividendos políticos no Grande Rio, região que passou a ser reduto do bolsonarismo.

PIB do 1º trimestre sobe 1,08% no IBC-Br

O Banco Central divulgou hoje o IBC-Br de março, que serve de prévia do Produto Interno Bruto (PIB), caiu 0,34%, produzindo uma alta de 1,08% no primeiro trimestre. O IBGE divulga o resultado do PIB dia 4 de junho.