O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Copom: 0,25% nos EUA vale 0,75% aqui

Publicado em 14/05/2024 às 12:33

Alterado em 14/05/2024 às 12:33

Nos 23 tópicos utilizados na Ata do Comitê de Política Monetária para explicar por que metade dos oito diretores (que receberam o apoio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto), optou por não seguir o que dizia a ata da reunião de março e reduziu de 0,50% para 0,25% a proposta de queda da taxa Selic (para 10,50% ao ano), não ficou clara uma razão interna para a cautela, mas sim o impacto maior da meia trava na baixa dos juros nos Estados Unidos sobre o Brasil.

E o Copom, à parte de repetir sempre a máxima acaciana de todos os comunicados de bancos centrais de que “se manterá atento a sintomas de pressões inflacionárias para impor mais rigor na política monetária”, disparou outra conclusão acaciana no item 12: “A tragédia no Rio Grande do Sul, além dos seus impactos humanitários, também terá desdobramentos econômicos [especulação inflacionária, queda do PIB e redução de exportações, além de pressões fiscais] e o Comitê seguirá acompanhando.

No item 6, a Ata menciona o adiamento dos cortes nos EUA (previsto inicialmente para maio e o montante, que seria de 0,75%, adiado sem data para início e reduzido a 0,50%. Em outras palavras, a partir do momento em que ficou claro que o Federal Reserve Bank deixou claro que não daria início à baixa em maio ou em julho e que o orçamento seria cortado em 0,25 ponto percentual, as projeções da Selic sobem de 9%-9,25% ao ano para 9,50%-9,75%. Ou seja, 0,25% nos EUA valem 0,75% no Brasil.

A divisão do Copom

Ainda assim, o Comitê procurou reiterar “que não há relação mecânica entre a condução da política monetária norte-americana e a determinação da taxa básica de juros doméstica” e que (...) focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa [taxa do dólar] sobre a dinâmica inflacionária interna.

No item 17 a Ata faltou com a verdade ao afirmar que, “após a análise do cenário, a maioria do Comitê avaliou que era apropriado reduzir a taxa Selic em 0,25 ponto percentual”. Se quatro membros votaram por 0,50 p.p. e o voto de minerva do presidente se inclinou pela maior cautela, não é verdade que para a maioria “o cenário esperado não se confirmou em função da desancoragem adicional das expectativas, da elevação das projeções de inflação, do cenário internacional mais adverso e da atividade econômica mais dinâmica do que esperado”

No item 18 os quatro diretores que votaram pela baixa de 0,50%, “notaram que as projeções de inflação eram mais afetadas pela determinação da taxa de juros terminal e que a redução de 0,50 ponto percentual ainda manteria a política monetária suficientemente contracionista. Por fim, tal grupo enfatizou a necessidade de flexibilidade das decisões nas reuniões a partir de junho, o que permitiria, à luz de novo conjunto de informação, calibrar a trajetória do instrumento de política monetária da forma apropriada”.

Bradesco vislumbra reversão em 2025

Como em toda análise econômica há sempre um copo meio cheio e meio vazio, o Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco, ao analisar a Ata no tópico “Primeira Reação” adianta que, com o comunicado “há risco de uma Selic terminal mais elevada” que o seu cenário base de 9,5%. Mas observa que “ao manter os juros mais elevados este ano – e em nível significativamente maior do que o neutro –, o PIB e a inflação de 2025 podem ser menores, abrindo espaço para a retomada do ciclo de cortes em 2025”.

Pontos principais: O cenário base do Banco Central se alterou. O Copom se mostrou unânime em um diagnóstico mais preocupado com a desancoragem das expectativas de inflação e da resiliência da atividade econômica.

Expectativas: O BC enfatizou que irá perseguir a reancoragem das expectativas qualquer que seja o motivo da atual desancoragem.

Atividade: a atividade econômica e o mercado de trabalho mais fortes tem levado a reavaliação do hiato do produto. A inflação mais pressionada dos serviços intensivos em trabalho seria uma evidência nesse sentido.

Balanço de riscos: apesar de inalterado, alguns membros do BC trouxeram o debate de um balanço de riscos assimétrico para cima, pautados na possível reavaliação do hiato do produto e sua menor elasticidade à política monetária. Fiscal: ainda que as projeções não tenham se alterado substancialmente, o Copom notou piora da percepção entre os agentes de mercado, e destacou também o aumento recente do prêmio de risco.

Modelo de inflação: o comitê destacou o aumento da projeção de inflação para 2025 (de 3,2% para 3,3%) a despeito da Selic média mais alta. Ao fim, o Copom concluiu – unanimemente – pela necessidade de uma política monetária mais contracionista, sem sinalização explícita sobre as próximas decisões.

Genial vê ruídos com a troca no BC

De todas as análises, a mais exagerada foi a do economista-chefe da Genial Investimentos, José Marcio Camargo. Depois de citar a Pesquisa Focus: “a expectativa para a inflação em 2025 passou de 3,72 para 3,76% e a de 2026 foi de 3,64% para 3,66%. Para 2026 e 2027 a expectativas se mantiveram em 3,50% ao ano” a Genial sublinha que “as expectativas estão acima das respectivas metas e em elevação. Esta desancoragem das expectativas inflacionárias é o primeiro efeito da decisão dividida do Copom em 5 a 4 na reunião da última quarta-feira”.

E arremata: “Como os quatro votos a favor de uma queda de 0,5 p.p. foram dados por membros indicados pelo atual governo, a desancoragem das expectativas reflete a perda de credibilidade da próxima diretoria do Banco Central do Brasil, a partir da saída de Roberto Campos Neto da presidência da instituição”. [Muito antes da decisão do Copom as projeções estavam em alta e a causa maior foi a elevação das projeções da taxa cambial, em função da valorização do dólar com a manutenção de juros mais elevados nos EUA. A tragédia do Rio Grande do Sul agrava as projeções futuras].

Serviços crescem 0,4% em março

Ao contrário das expectativas do mercado que apontavam alta de apenas 0,3% no volume de serviços em março, a medição da Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE apontou aumento de 0,4% sobre fevereiro (o Bradesco previa 0,5%). Com o resultado, puxado pela alta de quatro das cinco atividades de divulgação apontando taxas positivas e crescimento em 54,8% dos 166 tipos de serviços investigados, o primeiro trimestre de 2024 acumulou alta de 1,2% frente a igual período do ano anterior.

Entre os setores, a contribuição positiva mais importante foi do ramo de informação e comunicação (5,5%). Os demais avanços vieram dos profissionais, administrativos e complementares (2,9%); dos prestados às famílias (5,5%); e de outros serviços (1,5%). Com a redução do volume e da movimentação das safras de soja e milho, em função dos impactos do El Niño, os transportes, armazenagem, serviços auxiliares aos transportes e correio encolheram 3,5%.