O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

IPCA cai a 3,77% e afeta previsões

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Publicado em 26/04/2024 às 10:43

Alterado em 26/04/2024 às 10:43

Comitê de Política Monetária (Copom) Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nesta semana, dois dos maiores bancos privados do país, Bradesco e Santander, analisaram o impacto da mudança do rumo dos Estados Unidos na economia global e no Brasil, em particular. A duas semanas da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (em 8 de maio), o Departamento de Estudos Econômicos do Santander, chefiado pela economista Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional no governo Temer, tem visão pessimista.

O Santander lembra que a curva de juros doméstica também reagiu às declarações mais duras feitas pelos membros do Banco Central do Brasil que estavam em Washington nas reuniões da primavera do Fundo Monetário Internacional. “Devido ao aumento das incertezas no âmbito doméstico e internacional, os membros do Copom abriram a porta para uma nova decisão sobre a taxa Selic na próxima reunião e diferente da orientação indicada na última (50 p.b. de corte)”. No mercado de opções, a probabilidade de um corte de -25 p.b. na próxima reunião em maio saiu de 11% para 50%, enquanto a de -50 p.b. foi de 83% para 28%, acentuando os efeitos sobre a curva de juros.

O mercado de renda fixa também reagiu à decisão do governo de reduzir as metas para o resultado primário a partir de 2025, o que piora a confiança dos mercados no ajuste das contas públicas ao adicionar pressões inflacionárias. Entretanto a inflação de março divulgada nesta 6ª feira pelo IBGE surpreendeu a todos. Foi de apenas 0,21% (a mediana do mercado era de 29%, a LCA Consultores, previa 0,27%, o Bradesco 0,30% e o Santander 0,31%). A taxa em 12 meses caiu de 4,14% em fevereiro para 3,77%, o que recomenda queda de 0,50% na Selic para não aumentar o juro neutro.

Os três itens que mais pesam no orçamento doméstico tiveram forte desaceleração no IPCA que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos (R$ 56.480). Alimentação e Bebidas desacelerou de 0,91% em fevereiro para 0,61%; na Habitação o índice caiu de 0,.19% para -0,07%, justamente a queda da energia elétrica residencial; e a maior queda veio em Transportes, depois de subir 0,43% em fevereiro, houve queda de 0,49% em março. Movimento puxado pela baixa na passagem aérea (-12,20% e -0,09 p.p.). Os combustíveis caíram -0,03%. Só o etanol (0,87%) teve alta, enquanto o GNV caiu -0,97%, o óleo diesel -0,43% e a gasolina -0,11%, justamente pela pressão altista do etanol anidro que entra em 27% na mistura da gasolina.

Calendário cheio pela frente.

Apesar de ver motivos para que “a aversão ao risco tenha prevalecido”, o Santander adverte ser “importante ter em mente que podemos ter observado um movimento exagerado do mercado, que poderá levar a um maior aperto nas condições financeiras e, portanto, a crescimento e inflação menores no futuro”. O Santander destaca ainda que os dados de arrecadação federal e da balança de pagamentos de março podem gerar “descompressão nos mercados locais”. Mas condicionava tudo aos resultados do PIB dos EUA (que teve crescimento de só 1,6% no 1º trimestre e da variação do deflator do PCE no mesmo período, que foi de 3,4%, acima dos 1,8% do último período de 2023).
Bradesco vê link externo

Para o Bradesco, as reuniões de primavera promovidas pelo FMI, Banco Mundial e vários agentes do mercado financeiro global trouxeram um grande consenso: “os juros ficarão altos por mais tempo nos EUA”. Os eventos aconteceram na semana passada, juntando em Washington uma grande quantidade de autoridades, economistas e investidores.

Após uma reprecificação relevante dos juros nos EUA, e no mundo, e uma escalada nas tensões entre Irã e Israel, os debates se concentraram nestes temas. As consecutivas surpresas com crescimento nos EUA e os resultados de inflação voltando a mostrar alguma aceleração têm motivado revisões altistas de juro neutro e de juro praticado pelo Fed. Enquanto o Fed continua trabalhando com um juro neutro de 0,5%, as discussões partem de 1,0%.

O erro do juro neutro
Em alguma medida, essa mudança de juro neutro poderia ser associada à expansão fiscal que tem acontecido no país, além da mudança de comportamento dos indivíduos acima de 65 anos, que têm consumido mais. Se o juro neutro é maior, então o aperto monetário atual nos EUA seria menor do que estimado pela autoridade monetária. Isso, mais as condições financeiras em campo estimulativo, explicaria os bons resultados do mercado de trabalho – que tem registrado aceleração de contratações –, do consumo das famílias como um todo e a resiliência da inflação.

Mas o Bradesco observa que desde as reuniões anuais do FMI em outubro, o consenso se formou para uma desaceleração suave da economia norte-americana. Se antes havia um intenso debate entre “hard-landing” versus “soft-landing”, o consenso agora é para uma economia mais resiliente. Os dados do 1º trimestre do ano, sugerindo um crescimento próximo de 3,0%, com mercado de trabalho gerando mais vagas do que no final de 2023, diminuíram muito essas dúvidas e reforçaram uma visão de excepcionalismo dos EUA.

É um cenário também em que muitos esperam que a moeda americana continue valorizada, com algum espaço adicional para fortalecimento no curto prazo. Além disso, antes o cenário de juro mais alto por mais tempo trazia muitas incertezas sobre riscos econômicos e financeiros, que ainda são monitorados, mas não vistos como iminentes ou graves.

O cenário do Bradesco também considera uma desaceleração bastante gradual da economia dos EUA, pouco acima de 2,0%, mas desacelerando em relação ao ritmo atual. “Isso deveria contribuir para menores resultados mensais de inflação, permitindo que o Fed faça ao menos 2 cortes de juros neste ano”.
O Bradesco considera um juro neutro de 1,5% nos EUA. Esse é um ambiente mais adverso para países emergentes. O fluxo de investimentos para esses países deve continuar mais restrito, como tem sido nos últimos anos, com aumento dos juros em países desenvolvidos. Com juro mais alto permanecendo por mais tempo e, também no médio prazo, alguns países têm visto desvalorização de suas moedas contra o dólar, o que pode diminuir o espaço para flexibilização monetária.

Reflexos na AL e no Brasil
Para os países de América Latina, no entanto, ainda há espaço para cortes. E o Brasil foi um caso destacado de espaço para cortes adicionais. Todas as autoridades monetárias de países emergentes que estiveram nos eventos adotaram uma postura mais cautelosa. A Indonésia foi a primeira a elevar juros.
O presidente do Banco Central do Brasil e vários diretores falaram em diversas reuniões com autoridades e investidores. A mensagem foi bastante clara: se a incerteza permanecer elevada ou se elevar ainda mais, o ritmo de cortes de juros no Brasil pode ser reduzido.

Na semana anterior às reuniões do FMI, a incerteza quanto à política monetária dos EUA levou a uma piora das condições financeiras no mundo, com forte elevação das curvas de juros, queda das bolsas e valorização do dólar. Também houve aumento importante dos preços de commodities e petróleo, por riscos geopolíticos. Adicionalmente, a mudança da meta de resultado primário para 2025 também trouxe uma nova fase de incerteza sobre a política fiscal no país, no mercado.