O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

As surpresas que mudam o cenário

Publicado em 24/04/2024 às 17:25

Alterado em 24/04/2024 às 17:25

Jornalista de Economia há 52 anos, não economista de formação, como meu colega George Vidor, sempre dei desconto às teorias e explicações para o naufrágio de planos econômicos. Se empresas estão sujeitas a externalidades, que mudam radicalmente o cenário, imagina um país-continente como o Brasil, sujeito a surpresas climáticas e políticas que mudam a biruta.

O ano de 2024, pelo que foi trabalhado em 2023, já se sabia que teria menor produção agrícola (pelo impacto do El Nino, mas já tivemos perdas piores). E a arrecadação fiscal seria engordada pelos novos impostos cobrados sobre fundos de investimentos individuais de bilionários e dos milionários fundos “off-shore”, além da recomposição das receitas com a reoneração de impostos federais e estaduais sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, cortados eleitoralmente por Bolsonaro e Guedes no 2º semestre de 2022.

Com os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de buscar recursos via redução de subsídios e a agilidade nas cobranças fiscais do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o tribunal de apelação das multas da Receita Federal), quando o empate na votação seria favorável ao Fisco e não mais ao contribuinte (como fez Bolsonaro) e o avanço da reforma tributária, o desenho da carga tributária perde peso sobre o consumo e aumenta sobre a renda e o patrimônio, como é na Europa e países da OCDE.

Essa mudança estrutural visa aliviar o pobre do imposto de consumo e colocar mais o foco do Imposto de Renda nos mais ricos. Me irrito com a hipocrisia de comerciantes, industriais ou banqueiros ao reclamar de pagar muitos impostos. Na verdade os empresários só recolhem ao Fisco impostos, que, salvas as gordas margens de lucro (este sim o imposto pago pelo empresário) dos produtos que vendem ou prestam. A rigor, quem paga o imposto é o consumidor, que deveria ter mais consciência e exigir Nota Fiscal, cuja ausência facilita eventual sonegação pelos desonestos de plantão.

O governo negocia em margens mais estreitas com o Congresso – máquina irresponsável e insaciável de ampliação de gastos – a regulamentação da Reforma Tributária e a mitigação de rombos criados por pautas-bombas, como a tentativa de prorrogação do Perse (setor de eventos afetado na pandemia) para 42 atividades – o governo reduziu a 15 (queria 12) e o rombo encolheu de R$ 27 bilhões para R$ 15 bilhões, mas a sangria dos incentivos vai até 2026.

A surpresa veio dos EUA
Arrumada mais ou menos a arrecadação e os gastos no 1º semestre, com a continuidade da redução dos juros no 2º semestre, a economia teria maior crescimento e isso se ajustaria no projeto do Arcabouço fiscal, que vincula o aumento de gastos à expansão da receita. Aí veio a surpresa dos Estados Unidos. No começo do ano, diante da rápida desinflação observada em 2023, esperava-se que o corte inicial de juros seria feito pelo Fed já em março.

Mas a evolução da conjuntura norte-americana ao longo dos últimos meses tem levado os mercados a adiarem para setembro o horizonte previsto para a flexibilização monetária do Fed.A economia americana segue com persistente solidez do mercado de trabalho, robustez do consumo das famílias e resiliência da inflação, sobretudo de serviços. O quadro se agravou com riscos climáticos e, sobretudo, geopolíticos sobre o preço do petróleo e outras commodities, sobretudo metálicas - o que poderá vir a reavivar a inflação de bens.

Assim, o processo de desinflação, que avançou muito no ano passado,, tem ficado mais lento e irregular - e segue incompleto, justificando a cautela do Fed. ED na condução da política monetária. Embora frustrados com o adiamento da baixa dos juros (para além de setembro), não se cogita de elevar juros. Não baixar já representa aperto monetário mais prolongado.

A reação nos mercados globais e nas economias foi de valorização do dólar e queda das cotações (até o petróleo Brent não resistiu). No Brasil, que depende do diferencial de juros com os EUA para atrair dólares, a mudança da biruta externa afetou a percepção para a lentidão da queda da taxa Selic (hoje em 10,75% ao ano). Isso vai se estender até 2025 e deve desacelerar a economia no 2º semestre e começo de 2025, com impacto na arrecadação.

Meta fiscal em xeque
Para a LCA Consultores pelo menos, por ora, a redução da Selic a um nível neutro não será possível, em parte por causa dessa maior incerteza no ambiente internacional. Fatores internos também contribuíram para a reavaliação da trajetória da Selic: a baixa ociosidade no mercado de trabalho; a resiliência do consumo e da inflação de serviços; e a piora na percepção fiscal.

Para a consultoria a revisão da meta de resultado primário de 2025 em diante, em particular, foi vista como “indício de menor comprometimento do governo com o reequilíbrio das contas públicas e de erosão do novo arcabouço fiscal”. “Assim, além de termos avaliado que o ciclo de flexibilização monetária será interrompido com a Selic em 9,5% (e não mais em 8,5%), entendemos que cresceram as chances de que o ritmo de flexibilização venha a ser desacelerado já a partir de maio. E a LCA adverte que “também aumentaram as chances de que o ciclo venha a ser interrompido antes mesmo de a Selic chegar a 9,5% - o que poderá ocorrer, sobretudo, se as expectativas inflacionárias para 2025 continuarem em deterioração”, resume a LCA.