O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Itaú vê 2024 melhor que pesquisas

Publicado em 01/04/2024 às 15:06

A popularidade do presidente Lula não está refletindo a melhora da economia em 2023, quando o PIB cresceu 2,9%, porque o presidente, envolvido em vários fóruns nos quais o Brasil, que presidiu o Conselho de Segurança da ONU, em outubro, e assumiu, em dezembro, a presidência anual do G-20 (o grupo das 20 maiores economias do mundo), vira e mexe pisa em cascas de banana que realimentam os grupos da oposição nas redes sociais.

Mas a visão do Itaú, o maior banco privado do país, ao atualizar o “Orange Book”, na semana passada é de “Otimismo cauteloso”. Nas interações com clientes e agentes econômicos o Itaú nota que ”o humor geral sobre a economia não está ruim. O ano de 2024 aparenta começar com um horizonte menos carregado que o anterior, com mercados de capitais mais estáveis, juros menores e um ambiente político menos turbulento”.

O banco lembra que atividade econômica surpreendeu em 2023, com alta de 2,9% no PIB devido a contribuições importantes da agricultura e da renda (não só com emprego forte e salários em alta, mas também aumentos de salário-mínimo, bolsa família e salários de servidores públicos). O Itaú espera expansão de 2,0% do PIB em 2024. O impulso vindo do agro não estará presente, mas o resto da economia deve ter crescimento similar ao de 2023. E nota “uma certa mudança de marcha em curso”. A redução das taxas de juros deve permitir retomada do investimento, ante contração no ano passado.

No consumo, o crédito deve deixar de ser um fator negativo e passar a se somar à sustentação vinda da renda, cuja contribuição tende a ser menos intensa à frente, com menor impulso fiscal e emprego relativamente estável. Isso sugere uma mudança o mix de consumo em direção a produtos de ticket mais elevado. Apesar do cenário promissor, o banco observou “posturas cautelosas com relação ao crescimento da economia, quanto a novas iniciativas de aumento de arrecadação e definições pendentes sobre a reforma tributária aprovada ao final de 2023”.

Produção e consumo de bens
Mercado automotivo: indo bem, tanto para veículos novos quanto usados. Elétricos são o grande tema, com várias redes de concessionárias buscando acordos para importar veículos chineses e planejando expansão de lojas para focar nesse tipo de veículo. Fabricantes de caminhões enfrentaram dificuldades em 2023 devido à queda da demanda, impactada pela mudança para motores Euro 6 (houve compras antecipadas de unidades no padrão antigo, para evitar os novos preços, mais altos). Há fechamento pontual de montadoras na Europa devido a problemas logísticos gerados pelo conflito no Oriente Médio.

Siderurgia: pressão negativa de preços vindo da China. “Layoff” em curso.

Maquinários agrícolas: produtores hesitantes em realizar compras.

Painéis solares: quem tinha estoque sofreu com a queda de preços pelo avanço da tecnologia chinesa. A demanda sofre com preços baixos de eletricidade, com a boa situação hídrica e o crescimento da oferta.

Varejo: setor ainda apresenta dificuldades, especialmente dos que trabalham com alavancagem financeira. Grandes redes não conseguiram aumentar preços para rentabilizar, mesmo com o vácuo gerado por problemas em um grande nome do setor. O varejo farmacêutico é o que vai melhor no geral, embora haja certa canibalização interna do setor. Há reclamação de que a indústria de apostas compete por renda disponível.

Bebidas: engarrafadoras tiveram um 2023 forte e atribuem ao menos parte do desempenho à renda extra nas classes de menor poder aquisitivo, impulsionada pelos programas sociais (em especial na região NE). O El Niño, que gerou ondas de calor em diversas regiões, também colaborou para a demanda. Fabricantes de cerveja têm visão neutra/otimista para 2024. Redução dos custos com commodities permite melhora de rentabilidade.

Alimentos: atacarejos lidam com momento complexo na dinâmica de preços. Inflação mais alta dos últimos anos deslocou demanda em busca de economias, mas o alívio recente afeta a tendência. Espera-se retomada na preferência pelo segmento com a nova onda de alta dos preços de alimentos.

Eletrodomésticos: após ano difícil, há expectativa de recuperação lenta em 2024, muito atrelada ao ciclo imobiliário e retomada do crédito.

Serviços Locação de equipamentos e frota: beneficiam-se da queda dos juros, que alivia os custos das frotas. Locadoras de veículos esperam que alta das vendas de novos contribua para melhora dos preços de usados, que até aqui não esboçaram reação clara (parte disso se atribui ao fato de que carros novos têm sido vendidos com preços efetivos abaixo das tabelas, dado que concessionárias têm dado maiores bônus na troca de usados, melhores condições de pagamento, etc.).

Transportadoras: de modo geral, acumularam muita dívida nos últimos anos e enfrentam dificuldades para renovar suas frotas devido ao aumento de custos e capital de giro limitado, sendo forçadas a operar com veículos mais antigos.

Entregas e e-commerce: tiveram 2023 forte e seguem com perspectiva de crescimento, além de se beneficiarem de possível mudança estrutural de padrão de consumo desde a pandemia
Companhias aéreas: preços altos, mas com demanda doméstica sólida, permitindo a ampliação de margens de lucro, apesar de uma estrutura de capital danificada pelo legado da crise.

Rodovias: reportam tráfego forte, acima do esperado.

Energia: forte demanda devido ao calor. No mercado livre de energia, preços estão em tendência de queda, o que pode trazer oportunidades para aqueles com energia descontratada no médio prazo.

Educação: momento de inflexão, impactado pela mudança de mix durante a pandemia e pela inadimplência. As instituições, antes alavancadas por muitas aquisições, agora podem se beneficiar de mais disponibilidade de caixa devido a juros mais baixos e já se ajustaram ao novo mix de demanda.

Discussões regulatórias, principalmente sobre educação à distância e restrições sobre a abertura de novos cursos, são pontos de destaque. O FIES não teve muitos anúncios até aqui, mas o setor espera programa muito menor e mais focado.

Agro sob clima incerto: Embora haja problemas regionais e em algumas das principais culturas, o ano não deve ser ruim em termos de produção agregada. Com preços de commodities significativamente mais baixos que nos ciclos anteriores, a relação de troca tende a ser menos favorável. Na soja, espera-se uma quebra de safra em 2023/2024, mas a extensão é incerta. O El Niño tem tido efeito atípico ao afetar muito o Centro-Oeste (“pior ano na memória”). Produtores mais alavancados serão os mais afetados, e novos entrantes, mesmo grandes, podem sair do mercado ou se fragilizar. Aqueles com menos tecnologia também tendem a sofrer mais. Há preocupações com a comercialização: produtores esperando para vender, com navios vazios esperando nos portos.

No milho, o ciclo de plantio foi curto e enfrentou problemas. O replantio foi frequentemente necessário, o que aumentou consideravelmente os custos com sementes. Produtores com menos capital não puderam replantar. O déficit hídrico está atrasando o desenvolvimento das plantações, não matando as plantas, mas reduzindo a produtividade.

No etanol, o setor sofre com preços abaixo da paridade e busca campanhas para posicionar o produto como um combustível verde. Há um grande interesse na produção de etanol de milho no Norte e Nordeste, em parte ligado a apoio político para a industrialização dos estados e incentivos fiscais.

Em fertilizantes, 2023 foi difícil, com compras caras e vendas a preços baixos afetando os resultados. Para 2024, espera-se que seja possível comprar a preços mais baixos, com um mercado mais estável a partir do segundo trimestre. Grandes misturadoras, que viram um forte declínio no EBITDA, devem melhorar com estoques já reduzidos e a necessidade de importar mais. Nas cooperativas, a queda dos juros está trazendo alívio para o fluxo de caixa, o que agilizou as trocas de dívidas e reativou planos de investimento parados. As tradings estão fazendo margens significativas com carrego, tendo um dos melhores anos do passado recente.

Compra de terras: houve um arrefecimento significativo na compra de terras recentemente, abrindo espaço para alguma acomodação de preços, inclusive para arrendamentos. Produtores com maior liquidez podem começar a pensar em oportunidades para obter novas áreas arrendadas a preços mais competitivos ou mesmo comprar terra ("troca de mão nas posses rurais"). Recuperações judiciais: a tendência de crescimento dos pedidos de RJ, especialmente entre produtores rurais, preocupa o setor (há receio de impacto no apetite para financiar a atividade). Há uma percepção de que em muitos casos a RJ vem sendo utilizada de forma oportunística: a empresa/produtor teria solvência se vendesse parte de suas terras, mas escolhe contratar um escritório especializado e buscar uma saída judicial.

Construção e mercado imobiliário
Os juros menores, devido à queda taxa Selic influenciam positivamente o endividamento das empresas (atualmente baixo); a capacidade de investimento; e o volume de recursos disponível para o setor, dado que tendem a estancar/reverter parcialmente a saída de recursos das cadernetas de poupança, fonte de crédito a taxas mais baixas para construção voltada à média e alta renda.

Vendas seguem fortes: esperava-se queda nos segmentos de média e alta renda, mas ela não ocorreu, com o mercado secundário cedendo 10% a mais que o primário. A baixa renda segue firme, impulsionada pelo programa Minha Casa Minha Vida. Em 2023, o FGTS registrou um novo recorde de financiamento imobiliário.

Risco de excesso de oferta de novos imóveis: estima-se um valor geral de vendas de R$ 150 bilhões ficando disponível neste ano (São Paulo representa cerca de 40% desse montante). Há preocupação com a capacidade de se absorver esse aumento de oferta. O Itaú notou receios de que haja efeitos sobre a qualidade/completude das entregas, dado que a quantidade de obras ocorrendo simultaneamente cria um quadro de escassez de fatores, desde bons empreiteiros e mestres de obra até elevadores.

Galpões: observa-se aumento significativo nos preços de galpões no Sul e Sudeste, como consequência da perspectiva de fim da guerra fiscal entre estados (não haverá mais o tipo de vantagem fiscal que atraiu parte da indústria para longe dessas regiões).

Shopping centers: fluxo em 2023 foi muito bom e a expectativa para 2024 é manter a tendência de recuperação, compensando os efeitos da pandemia. Operadoras seguem reforçando a estratégia de posicionar shoppings como provedores de serviços de marketplace e logística nas cidades. Cresce o uso de restaurantes como âncoras, frente a lojas ou cinemas.

Lajes corporativas: situação está melhorando significativamente, com empresas locando mais espaços.

Investimento mais movimentado
Renovação de maquinário: há movimentos em vários setores, sugerindo que houve algum represamento ao longo dos últimos tempos.

Diversificação nas cadeias de suprimento: surgem frequentes relatos de empresas já instaladas no país realocando capacidade para atender ao exterior (predominantemente EUA), com deslocamento de produção da China para o Brasil, por exemplo.

Mineradoras: as grandes estão focando em manutenção e eficiência, sem grandes planos de expansão, já as mineradoras juniores e a cadeia da mineração como um todo exibem nova disposição para investir em capacidade e aquisições, graças ao caixa mais robusto pela dinâmica dos últimos anos.

Metalurgia: apesar das preocupações com a competição chinesa, há investimentos pontuais em curso.
Óleo e gás: investimento se mantém aquecido tanto na atividade em si como nos setores que prestam serviços.

Portos: investimentos significativos estão sendo realizados em infraestrutura portuária, com projetos de expansão nos estados do Nordeste e em Santa Catarina. Também há bastante interesse em aquisições de ativos por produtores/comercializadores de commodities.

Rodovias: pipeline robusto de leilões, abrindo oportunidades para grupos médios.

Energia: com preços baixos de energia elétrica devido à situação hídrica recente favorável, há um desestímulo conjuntural a investimentos em renováveis. Mas, observa-se investimentos estratégicos visando a produção de hidrogênio verde, especialmente em áreas próximas a parques eólicos – um reconhecimento do valor de longo prazo dos projetos, a despeito da conjuntura. Veículos elétricos: há investimento em novas fábricas, não apenas de veículos, mas também de baterias.

Call-centers: Os centros de atendimento investem para se adaptar à crescente onda de digitalização, buscando atualizar suas operações e infraestrutura para atender às demandas do mercado moderno.

Varejo: há preocupação com endividamento para expansão, com empresas maiores se saindo bem e as menores enfrentando dificuldades. Grupos mais atuantes na região NE demonstram maior apetite, motivados pela queda de juros e programas governamentais. Pequenas e médias empresas: a queda nos juros começa a ter um impacto perceptível nas PMEs devido a prazos de dívida mais curtos, incentivando discussões e decisões de investimento

Mercado de trabalho e programas sociais
A região NE reporta escassez de mão de obra formal, com a percepção de que muitos trabalhadores não desejam ser contratados formalmente para não perderem benefícios. Escassez de mão de obra qualificada: esse problema está sempre presente em nossas conversas, mas parece ter se tornado um maior ponto de dor para diferentes setores. Trabalho remoto vs. presencial: existe resistência significativa de funcionários em retornar ao trabalho presencial, especialmente nos setores de tecnologia, onde o “home Office” se consolidou como uma prática eficiente durante a pandemia.

Insumos, preços e custos de produção
A queda nos preços de insumos tem permitido redução de preços, especialmente no atacado. Problemas relacionados às cadeias de suprimentos parecem ter sido resolvidos.

Custos de energia, com a adoção crescente de fontes de energia renovável, têm sido contidos, representando um avanço na eficiência operacional e na sustentabilidade das empresas. Mas, os preços praticados no mercado ”spot” de eletricidade também não têm sido fonte de pressão.

Estoques e margens: onde há preços em queda, estoques machucam margens (preço médio de compra está superando o preço de venda), impactando diretamente os balanços.