O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Os juros travaram o PIB de 2023

Publicado em 01/03/2024 às 15:27

A demora do Banco Central em baixar os juros básicos (a taxa Selic estava em 13,75% ao ano até agosto e caiu a 13,25%, fechando 2023 em 11,75%) não aliviou o endividamento das famílias nem destravou o consumo para ativar o comércio e a indústria no 2º semestre. Assim, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 0,1% no 3º trimestre e de 0,0% no 4º, segundo o IBGE. Após 3,8% no 1º semestre, o PIB só cresceu 2% no 2º semestre. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses, que chegara a 4,2% no 1º trimestre, graças à alta de 21,6% na agropecuária, pela superssafra de grãos, diluiu-se ao longo do ano, sem que os setores de serviços e a indústria pegassem tração e o PIB final de 2023 desacelerou trimestre a trimestre, fechando em 2,9%, inferior aos 3% de 2022.

Com os motores do consumo interno travados pelos juros altos, os setores ligados à exportação é que puxaram o trem do PIB. Segundo o IBGE, na taxa de expansão de 2,9% em 2023, 2% devem-se à demanda de exportações, sobretudo agrícolas e da indústria extrativa mineral (minérios e petróleo), e só 0,9% à demanda do mercado interno. Houve inversão frente a 2022. Então, a demanda interna, estimulada pelo pacote eleitoreiro do governo Bolsonaro, cresceu 2,1% e puxou o rimo da economia, cabendo 0,9% ao setor externo.

O peso dos setores no PIB

Seguindo a tendência mundial, desde a década de 80, quando o país se urbanizou, a economia brasileira passou a ser liderada pelas atividades de serviços, que representaram 67,4% do PIB no ano passado (67% em 2022, segundo o IBGE). A Indústria como um todo, representou 25,5% do PIB (26,3% em 2022) e a agropecuária, 7,1% (6,7% em 2022).

Pelo lado da demanda, o consumo das famílias representou 63,3% (63,1% em 2022), o consumo do governo teve peso de 18,2% (menos que os 18,4% de 2022), a Formação Bruta de Capital Fixo (que determina a taxa de investimento em construção de instalações industriais/comerciais e de infraestrutura e em máquinas e equipamentos) caiu para 16,2% dos 18,1% de 2022) o setor externo (exportações – importações) deu contribuição de +3,4%.

Mas é na decomposição de cada setor que se nota o peso da trava dos juros. Na Indústria como um todo, o peso da Indústria de Transformação é de 59,9%, mas ela só cresceu no último trimestre (1,3%), liderando a economia com medidas de estímulo governamental, o que abre melhores perspectivas para 2024, mas sem conseguir reverter o desempenho negativo no ano: -1,3%.

Mas, o forte desempenho das atividades de mineração, petróleo&gás provocou crescimento de 8,7% da Indústria Extrativa (4,7% no 4º trimestre), que, ao lado da expansão de 6,5% nos serviços industriais de utilidade pública (eletricidade, gás, água e esgoto e coleta e reciclagem de lixo), sendo +2,8% no último trimestre, garantiu avanço de 1,6% na Indústria como um todo em 2023.

A reação da indústria de transformação no último trimestre veio acompanhada pelo avanço trimestral de 4,2% na Construção, o que também promete melhor desempenho este ano, mas sem reverter a queda de 0,5% no ano.

No setor de Serviços, o carro chefe da economia continua sendo os Serviços da Administração Pública em Segurança, Transportes, Saúde, Educação e Previdência (15,3% do PIB) e os Outros Serviços (prestação de serviços diversos e área de estética e cuidados pessoais), com 16,7% do PIB. A 3ª atividade mais importante, o Comércio, com retração de 0,8% no último trimestre, fechou o ano com crescimento de apenas 0,6%, mostrando que o Banco Central – que tem segurança de baixar a Selic em 0,50 p.p. até maio - poderia ter sido mais ousado e reduzir mais fortemente os juros no 4º trimestre.

No Agro a inversão

O acompanhamento dos resultados do 4º trimestre parece uma gangorra do que aconteceu no 1º trimestre e 1º semestre. A Agropecuária, que apresentou crescimento de 15,1% no ano e de 22,8% no 1º trimestre, com expansão de 27,7% da soja (a colheita ocorre no 1º e 2º trimestre, quando a agropecuária cresceu 20,2%) além da expansão de 19,1% no milho, o último trimestre retraiu 5,3% e contribuiu para o crescimento zero do PIB no 4º período, anulando o avanço de 0,3% nos serviços e de 1,3% na Indústria.

Nas atividades industriais, houve alta de 4,7% nas Indústrias Extrativas, que representam 16,4% da Indústria e 4,2% do PIB; de 4,2% na Construção e na atividade de Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (2,8%). Já as Indústrias de Transformação, que representam 59,9% da Indústria e 15,3% do PIB, encolheram 0,2% no último trimestre, mas já dando indicações de reação para este ano.

Nos Serviços, Outras atividades de serviços cresceram 1,2%, Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (0,7%), Atividades imobiliárias (0,1%) e Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social (0,1%). Mas Comércio, que representa 17,8% dos Serviços e 12% do PIB, teve queda de 0,8%. Também caíram Transporte, armazenagem e correio (-0,6%) e Informação e comunicação (-0,1%).

Perspectivas para 2024

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao analisar o resultado do PIB em 2023, reforçou a expectativa do governo de crescimento de 2,2% do PIB este ano (acima dos 1,7% previstos pelo FMI ontem na reunião do G-20). A previsões do Fundo Monetário Internacional levam em conta, principalmente, as projeções dos bancos centrais dos respectivos países e o Banco Central do Brasil tem sido sucessivamente ultrapassado pelos fatos, diante de sua postura conservadora. O PIB do BC (o IBC-Br) cresceu apenas 2,45% no ano passado, 0,45 ponto percentual abaixo do PIB oficial, do IBGE.

Ao analisar o crescimento de 2,9% no PIB, como era esperado, o Departamento de Estudos e Pesquisas do Bradesco creditou à “contribuição do setor agropecuário (...) parte do bom resultado do ano, que também foi beneficiado pelo consumo das famílias, sustentado pelo mercado de trabalho aquecido, transferências de renda e desinflação de alimentos ao longo do ano passado”.

Bradesco critica juros

O Bradesco também critica o nível dos juros, atribuindo influência na queda do “consumo das famílias no 4º trimestre, após longa sequência de crescimento próximo a 1% ao trimestre. A taxa de juros em terreno contracionista explicou o resultado negativo de investimentos no ano, mas houve crescimento dessa abertura no último trimestre”.

Para 2024, o Bradesco espera que “os mesmos vetores positivos sustentem o consumo das famílias, também apoiado pela aceleração do crédito. Os investimentos devem ter uma aceleração ao longo do ano, respondendo aos cortes de juros”. Assim, o banco mantém a expectativa de crescimento de 2,0% para 2024” e assinala que “a desaceleração em relação ao ano passado é explicada pela contribuição da agropecuária, que deve ser bem menor com os efeitos do El Niño sobre a safra.

O Bradesco destaca que, “apesar de a safra de grãos não crescer, ainda teremos a 2ª maior produção da história, não trazendo pressões relevantes para os preços domésticos, especialmente porque o restante do mundo deve contar com um incremento importante de safra”. A menor inflação, estimula a continuidade da baixa dos juros e pode reativar o consumo das famílias.