O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Surpresas na transição energética

Publicado em 28/02/2024 às 14:39

Alterado em 28/02/2024 às 14:39

Os dados do PIB dos Estados Unidos no 4º trimestre, com crescimento anualizado de 3,2%, em desaceleração frente à taxa anualizada de 4,9% no 3º trimestre, e taxa de 2,5% para o ano de 2023, indicaram forte desaceleração., em função dos juros ainda elevados (que, por sinal, o Federal Reserve Bank só deve baixar a partir de julho).

Os dados trazem também surpresas na resiliência da indústria americana e nos segmentos de Tecnologia da Informação, que apresentam forte expansão. Isso reflete a decisão estratégica das grandes corporações, afetadas pelas disfunções das cadeias produtivas na pandemia da Covid, de trazer para o território americano atividades antes delegadas a países asiáticos com baixos custos de mão de obra e produção.

As guerras da Rússia na Ucrânia, que entrou pelo 2º ano, e as tensões vindas do revide desproporcional do governo de Benjamin Netanyahu, na Faixa de Gaza, aos ataques terroristas do Hamas contra Israel, em 7 de outubro, prestes a completar seis meses, mostraram o surgimento de novos imprevistos e riscos operacionais que podem comprometer o cronograma de negócios regulares.

Os recentes atentados dos guerrilheiros do Iêmen contra navios que, vindos do Sudeste Asiático, cruzam o Mar Vermelho em busca da travessia do Canal de Suez para atingir a Europa ou a costa Leste dos Estados Unidos (quando a travessia do canal do Panamá é mais custosa, ligaram o alerta vermelho. O contorno da costa africana, no caminho inverso dos navegadores portugueses no século XV encarece muito os custos de mercadorias e insumos.

São questões reconsideradas quando as grandes corporações de todo o mundo se lançam em projetos grandiosos de reciclagem energética de seus processos de produção, visando cumprir as metas climáticas de redução das emissões de CO2 definidas pela COP 25. Se alguém tinha dúvidas dos efeitos do aquecimento, está aí a expansão mundial da dengue, com invasão de mosquitos em áreas antes imunes, como o Sul da Europa, Miami e Argentina.

Juros baixos animam investimentos

No Brasil e Estados Unidos, como em todos os setores de atividade, os níveis projetados de taxas de juros são fundamentais para deslanchar investimentos. No Brasil, os juros básicos da taxa Selic estiveram em dois dígitos desde fevereiro de 2022 (10,75%) escalando até 13,75% de agosto de 2022 a agosto de 2023 e inibiram o consumo e investimentos nos últimos dois anos.

O quadro mudou quando começaram a cair ao ritmo de 0,50 ponto percentual até julho, passando a 0,25 p.p, até setembro (atualmente está em 11,75%). As apostam são de que a Selic feche o ano em 9% e estacione em 8,5% nos próximos três anos. Essa diferença de mais de cinco pontos percentuais no piso dos juros, tende a provocar redução de maior monta nos juros ao consumidor. Mas a sensível redução dos níveis básicos da taxa interna de retorno dos projetos industriais e comerciais envolvidos com a reciclagem energética já está provocando um movimento de aceleração na indústria.

O Bradesco faz um acompanhamento sistemático do anúncio dos investimentos que cresceram desde o anúncio da nova política industrial. Minha caixa de e-mails também registra crescente aumento de releases de projetos industriais das maiores corporações do país, de resto confirmado no noticiário. Se em 2023 a economia cresceu puxada pelo agronegócio, de 2024 em diante a reciclagem energética ditará o ritmo dos negócios e investimentos.

Megaprojetos nacionais

O isolamento da Covid e do governo Bolsonaro das cadeias produtivas globais, agravado pela intenção de esvaziar e privatizar a Petrobras (um dos principais instrumentos de poder global do Brasil, como fez com a Eletrobrás, cujo controle acionário foi transferido ao setor privado quando o governo pediu “mesa” no aumento de capital) fez o país perder imensas oportunidades de se antecipar na reciclagem energética.

Sem prejuízo dos negócios e parcerias com as grandes “majors”, a Petrobras está retomando, em negociações com grandes estatais (de energia da Noruega, da Malásia, do Kuwait, dos Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, articulações para projetos conjuntos em fertilizantes (essenciais à continuidade do agronegócio brasileiro), petroquímica e desenvolvimento de fontes de hidrogênio verde. Tudo isso estava irresponsavelmente descartado.

O uso de energia fóssil está com os dias contados, em processo de reversão. Mas, as atitudes das grandes companhias de petróleo e energia do mundo indicam que ainda haverá muito tempo para explorar, na fase de transição, as atuais fontes energéticas, como o petróleo e o gás natural, que moveram o mundo nos séculos 20 e 21.

A confimação, semana passada, de uma gigantesca descoberta de reserva ultraprofunda de gás de xisto na China, por parte da estatal chinesa China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec), na bacia de Sichuan, no sudoeste da China, área onde se concentram as abundantes reservas desse hidrocarboneto, pode ditar novos rumos para a energia e a indústria de O&G.

Nos Estados Unidos e no Canadá, as explorações do “shale gas” no começo deste século reduziram a dependência do petróleo importado e estimularam o desenvolvimento de fontes menos poluentes. A China, certamente há de criar mecanismos para que a gigantesca reserva de 133 bilhões de metros cúbicos de gás natural alimente sua indústria, com menos emissões de CO2.

O impacto de uma China menos dependente de importação de gás e petróleo e mais competitiva pelo aumento do suprimento próprio de energia não é desprezível. Isso reserva uma fase de muitas disputas protecionistas na Organização Mundial de Comércio, cuja reforma o Brasil defende.

LCA prevê IPCA de 0,80%

Depois da alta de 0,78% no IPCA-15 de fevereiro, pressionado pela alta de 5,07% em Educação, a LCA Consultores está projetando taxa de 0,80% para o IPCA cheio de fevereiro, a ser conhecido em 12 de março, “na esteira da alta sazonal de Educação, pelos efeitos diretos e indiretos da mudança na cobrança de ICMS em gasolina, diesel e etanol - o que, em conjunto com a queda menos pronunciada de passagem aérea em fevereiro, sinalizam aceleração do grupo Transportes -, bem como pela pressão de Mobiliário, Cama, mesa e banho e TV, som e informática em Artigos de residência”.

O dado importante é que já se nota desaceleração nos preços dos alimentos (de 1,38% em janeiro para 0,78%), confirmada pela baixa dos preços agrícolas no atacado no IGP-M. Para a LCA, os preços monitorados devem avançar 0,76% este mês. Para 2024, a consultoria projeta um IPCA de 3,9%.