O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]

O OUTRO LADO DA MOEDA

Copom passa da defesa ao ataque

Publicado em 02/01/2024 às 08:36

Alterado em 02/01/2024 às 08:36

Os economistas Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira tomam posse hoje, 2 de janeiro de 2024, como diretores do Banco Central. Professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, e PhD em Economia pela University of Illinois at Urbana-Champaign, Pichetti assume até 31 de dezembro de 2027 a diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, no lugar de Fernanda Guardado, cujo mandato expirou em 31 de dezembro.

O outro mandato que venceu, o de Maurício Moura, na diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, será ocupado pelo remanejamento da diretora Carolina Barros, deslocada da diretoria de Administração, que será ocupada até 31 de dezembro de 2027 por Rodrigo Alves Teixeira. Com doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo, Teixeira foi professor da Universidade de São Paulo e da PUC-SP.

Com a posse de mais dois diretores indicados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo consegue renovar 50% do colegiado do Banco Central que atua no Comitê de Política Monetária (Copom), do qual faz parte o presidente Roberto Campos Neto, cujo mandato acaba em 31 de dezembro de 2024. Em julho de 2023 o ingresso do ex-secretário executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, na diretoria de Política Monetária, e de Aílton Aquino, funcionário de carreira do BC, na de Fiscalização, gerou guinada no Copom, que acelerou, em 2 de agosto a redução da taxa Selic de 13,75% para 13,25%.

A composição anterior do Copom, na qual o diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, acumulava, desde março, a diretoria de Política Monetária, era conservadora e operava com a presunção de forte repique da inflação com a reoneração dos impostos federais e estaduais, cortados eleitoralmente até 31 de dezembro de 2022, sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações.

Com os votos de Guardado e Moura, o Copom vetou iniciar o corte da Selic em julho e queria cortar só 0,25 pontos na taxa de agosto. No empate de 4 a 4, o voto de minerva do presidente Campos Neto definiu a aceleração para 0,50%. O nível de queda permaneceu nas três reuniões até 13 de dezembro, quando a Selic caiu a 11,75%. E o Copom, confiante com a parada da alta de juros na Zona do Euro e nos Estados Unidos, após o Fed anunciar baixa de 0,75 ponto percentual em 2024 (2023 fechou na faixa de 5,25% a 5,50%), adiantou que faria novas baixas de 0,50 p.p. nas reuniões de 31 de janeiro e 20 de março.

Um Copom mais eficaz

A entrada de Pichetti na diretoria aumenta a capacidade de precisão nas análises do desenvolvimento dos indicadores macroeconômicos. Tendo em vista o histórico de erros nas previsões do Copom nos Relatórios Trimestrais de Inflação, a vinda de um nome como Pichetti é importante parta melhorar a capacidade de previsão do Banco Central.

Em 2023 houve erros muito grandes quanto ao impacto deflacionário da safra de grãos – e seus efeitos benéficos no PIB e no saldo da balança comercial, que derrubou o dólar com ajuda da parada da escalada de juros pelo Fed. Tudo isso e a mais a estabilização dos preços dos combustíveis em níveis inferiores a 2022, pela aplicação da política de “abrasileiramento” de preços em substituição à famigerada PPI (paridade de preços internacionais) não estava previsto na visão conservadora do Copom.

Foram as quedas da inflação dos alimentos e dos combustíveis que levaram a taxa do IPCA a ficar, depois de dois anos de estouros, em 2021 e 2022, a finalmente dentro do teto da meta – 4,75%. A política monetária mais derrubou o PIB que a inflação no 2º semestre e deixou rastros negativos para 2024.

O efeito do freio puxado dos juros derrubou a economia e pavimenta um começo de desaceleração para 2024. A melhora na capacidade de análise do Copom pode levar o Colegiado a trocar a retranca conservadora por uma política que induza o crescimento, aliviando o peso financeiro das dívidas sobre o Tesouro Nacional, as empresas e as famílias. O crescimento responsável leva ao círculo virtuoso do crescimento, da geração de renda e do emprego e da arrecadação, que ajuda a manter a sustentabilidade dos gastos sociais.

O PPI era o problema...

Incomodado com as sucessivas altas dos combustíveis, que afetavam sua popularidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro trocou quatro presidentes da Petrobras em quatro anos de governo. Roberto Castello Branco ficou de janeiro de 2019 a abril de 2021. Foi substituído pelo general Joaquim Silva e Luna, que cumpriu só um ano de mandato (caiu em abril de 2022, quando um novo aumento dos combustíveis, decorrente das sanções internacionais à Rússia, que elevaram os preços do óleo e derivados nos mercados internacionais, ajudou Lula a liderar as pesquisas). Em seguida tomou posse José Mauro Coelho (de 14 de abril a 20 de junho de 2022), sendo substituído em agosto por Caio Paes de Andrade, que deixou o cargo em 4 de janeiro de 2023.

A gestão não era o problema e sim o PPI, o sistema de Paridade de Preços Internacionais adotado em fins de 2016, na gestão de Pedro Parente. Após o trauma da greve dos caminhoneiros em maio-junho, adotou-se a regulação dos preços domésticos pela variação dos preços internacionais e atualizados pelo dólar. Como uma coisa puxava a outra e o mercado internacional ficou muito volátil, as altas frequentes viraram rotina, para a ira do ex-presidente.

Numa conversa com o primeiro-ministro da Turquia, durante uma reunião do G-20, Erdogan puxou assunto. “E a Petrobras, hein?”. Bolsonaro, retrucou, “é um problema”. Erdogan que vivia as atribulações da alta dos combustíveis com pouco petróleo, não entendeu nada. Pensava que uma empresa como a Petrobras era um grande trunfo para o Brasil.

...e a Petrobras a solução

A gestão de Jean Paul Prates mostrou que a solução não era o PPI, programado para reduzir a competição da Petrobras no mercado doméstico, com a venda de metade do seu parque de refino até a sua privatização, mas o uso mais intenso nas refinarias do óleo mais leve do pré-sal. A Petrobras suspendeu as vendas. De importante, só a venda da pioneira Landulpho Alves (BA) para o fundo Mubadala dos Emirados Árabes Unidos. Que agora quer a Petrobras como sócia, na esperança de ter fornecimento, a preços favoráveis, do óleo do pré-sal, que a estatal extrai a menos de US$ 28 por barril.

A prova dos nove foi o comportamento das ações da Petrobras na B3, com valorização de 94,44% no ano. Se Bolsonaro fosse reeleito, a maior empresa do hemisfério Sul estaria sendo privatizada em termos semelhantes ao da Eletrobrás, numa operação em que a União, acionista controlador pediu mesa e deixou o setor privado fazer o aumento de capital. Com o capital reduzido a 47% o governo perdeu o controle e só pode indicar um conselheiro para o Conselho de Administração.

Incentivo X renúncia fiscal

O programa Mover (Mobilidade Verde) anunciado pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alkimin, mostra a diferença entre benesses fiscais, sem contrapartida de desempenho ou de redução gradativa nas isenções que costumam permear conceções do Congresso a lobbies empresariais, e a incentivos programados para a modernização do parque industrial e da economia brasileira como um todo.

Os planos de isenções fiscais (que custam caro a todos) precisam ter porta de saída, como se cobra sempre do auxílio do Bolsa Família (quando a educação dos filhos matriculados na escola deve ser a garantia da emancipação familiar).

Vejam a comparação com a prorrogação da desoneração de encargos trabalhistas que vencia em 31 de dezembro de 2023 para 17 setores. Criado há uma década, em vez de uma redução programada no grau dos incentivos, prorrogou-se o uso da “muleta” até 2027, ao custo total de R$ 177 bilhões em renúncia fiscal. Só em 2024 serão R$ 19,4 bilhões de renúncia fiscal. Cioso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que quer discutir o assunto com o Congresso após o recesso parlamentar em 1º de fevereiro.

Por coincidência, esse é quase o mesmo montante dos incentivos do plano de descarbonização para a indústria (o Mover), com incentivos fiscais que somam R$ 19,3 bilhões entre 2024 e 2028 para empresas que invistam em descarbonização e se enquadrem nos requisitos de sustentabilidade do programa. Os benefícios serão diluídos ao longo dos anos, sendo R$ 3,5 bilhões em 2024, dos quais R$ 2,9 bilhões já constavam no Projeto de Lei Orçamentária Anual. Pior situação é o dos bilionários incentivos da Zona Franca de Manaus, renovados e prorrogados “ad aeternum”.