O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

PAC era embalagem de investimentos

Publicado em 14/12/2023 às 15:21

Alterado em 14/12/2023 às 15:21

Ocorreu uma rusga, semana passada, na Conferência Eleitoral do PT, visando as eleições municipais de 2024, entre a direção do partido, liderada pela deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a falta de ambição dos investimentos públicos, diante da preocupação da Fazenda em evitar que um forte aumento de gastos amplie o déficit público e pressione a dívida. Como disse o presidente Lula, há que se fazer distinção entre gasto público para custeio (nesse caso, o endividamento é péssimo); e o gasto, até com dívida, para investimento em obras, ou na saúde e na educação, que dão retorno em bem-estar e desenvolvimento humano.

Antes, o presidente Lula deu um puxão de orelhas geral, quando cobrou uma autocrítica do PT que “se acha dono das melhores verdades” [e, por isso, quer tutelar o governo], “mas não conseguiu nem eleger 70 deputados”. A bem da verdade, dos 513 membros da Câmara dos Deputados, o PT só elegeu 68 parlamentares. Eles formam o bloco de 81 membros da Federação Brasil Esperança e Fé (Fé Brasil), com os sete deputados do PcdoB e seis do PV.

Com o bloco auxiliar de 14 votos do Psol e da Rede (mais alinhados ao governo), o governo Lula precisou abrigar de cara no Ministério representantes do PSD e MDB (43 deputados cada) e ainda do PDT (18), Pode (15), PSB (14). Isso pode garantir maioria simples (257 votos). Mas não garante maioria das questões constitucionais (2/3 dos votos – 342 - ou 3/5 - 308 votos). O PL, de Bolsonaro tem 96 deputados. E pode fazer alianças com o PP (50 votos), União (59), Republicanos (43), além de outros 15 votos à direita do centro.

Eleito com votação muito superior à do PT (Lula sempre foi muito maior que o PT), porque a maioria do eleitorado não concordava com novo mandato para Jair Bolsonaro, o governo Lula precisou fazer articulações para alojar no Ministério e no segundo escalão correntes ideologicamente distantes do PT. Como representantes do União Brasil, do Republicanos e até mesmo de pessoas do PP e do PL. Isso é fazer política de circunstância, nas votações de temas importantes, como a LDO 2024, o ICMS e a reforma tributária, situações nas quais Haddad tem dialogado muito com as duas casas do Congresso.

A Ilusão do PAC

Lançado em janeiro de 2007, no começo do 2º governo Lula, quando Dilma Roussef, que trocara a pasta de Minas e Energia pela chefia da Casa Civil, em 21 de junho de 2005, após a demissão ruidosa de José Dirceu, já dominava a articulação do governo e vislumbrou um programa de impacto visando acelerar os investimentos públicos, o Programa de Aceleração do Crescimento não funcionou o esperado porque era, sobretudo, o ajuntamento, sob uma placa do governo federal (PAC), de todo e qualquer investimento público (governo federal, estados ou prefeituras) que tinha apoio do governo federal e dos bancos públicos. Os investimentos, que estavam esparsos, apenas foram agrupados sob o guarda-chuva do PAC. A maior parte já estava em curso.

O mesmo se passava nos investimentos das empresas estatais e do setor privado, com créditos oriundos do BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e do CNPq. Ora, como todos os anos o BNDES financiava os diversos setores da economia, incluindo o financiamento de grandes máquinas agrícolas para o agronegócio (via ModerFrota, que também renovava a frota de caminhões) e o BB fazia o custeio anual das safras agrícolas, não seria tão somente a reunião de todos os programas e investimentos diretos e indiretos apoiados pelo governo federal que iriam aumentar a taxa de investimento da economia simplesmente por ganharem a placa do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento.

A crise financeira mundial de agosto-setembro de 2008 atingiu em cheio vários projetos privados e estatais anunciados na largada do PAC. Causada pela quebradeira do mercado de hipotecas dos Estados Unidos (o sub-prime), que levou à falência do Banco Leman Brothers, em setembro de 2008, a crise mergulhou o mundo em recessão por mais de dois anos, deprimindo preços de commodities, como o petróleo e o minério de ferro (vinculados à expansão do consumo e do investimento global). No Brasil, foi mais do que uma “marolinha”.

Na Petrobras, a equação financeira (crédito escasso a juros mais altos e com cotações abaixo de US$ 70 por barril para o petróleo), matou na planta os projetos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj de Itaboraí-RJ) e a Refinaria do Nordeste (Abreu e Lima, em Ipojuca-PE). Projetos de fertilizantes foram hibernados, assim retardados planos de gasodutos. Poços de petróleo em terra e em águas rasas deixaram de ser atraentes para a Petrobras, que decidiu revitalizar a Bacia de Campos (o pré-sal, descoberto em fins de 2006, na Bacia de Santos, só entraria em produção sete anos depois).

No setor privado, os cronogramas foram atrasados. Em crise, por falta de acesso ao crédito internacional, o Unibanco se fundiu ao Itaú, que virou o maior banco privado, superando o Bradesco. A Vale adiou ou cancelou planos. Na área de celulose, houve fusão de três empresas patrocinadas pelo BNDES. Idem na petroquímica e na siderurgia. A Perdigão assumiu o controle da Sadia.

Intenção e realidade

O balanço do PAC1, no 2º governo Lula, e do PAC 2, no 1º e 2º governo Dilma foi atropelado pelas circunstâncias. No caso de Dilma, o excesso de investimentos abriu rombo nas contas públicas, sobretudo depois da sua reeleição, em 2014, quando houve desvalorização do real (35% em 2015), alta dos juros e forte reajuste das tarifas públicas. A energia elétrica, que teve redução em 2013, subiu 51%, na média nacional, sendo 70,97% em São Paulo. Os combustíveis subiram 21,43%, liderados pelo etanol (29,63%). Na gasolina, a alta foi de 20,10%. A recessão se instalou em 2015 e 2016.

Crítica da postura conservadora (eu diria responsável) do ministro Haddad, a presidente do PT, que chegou a comandar a Casa Civil de junho de 2011, após a demissão de Antônio Palocci, até fevereiro de 2014, vivenciou de perto o período mais drástico de frustração dos investimentos do PAC. Muitas obras que foram lançadas para eleger Dilma, em 2010, tiveram promessas de entrega na campanha de 2014, mas ainda nem foram finalizadas. Dois casos notórios estão no Nordeste: a ferrovia Transnordestina segue em construção; a transposição das águas do São Francisco iniciada no 2º governo Lula, atravessou os dois governos Dilma, prosseguiu na gestão Temer e Bolsonaro comemorou, eleitoralmente, a inauguração em 2022. Mas, ainda faltam obras.

Outras estão na carteira da Petrobras: como a refinaria Abreu e Lima, que seria vendida por Bolsonaro e terá a 2ª fase iniciada; e o Comperj, que será transformado em polo de gás natural e na expansão da produção de diesel (em alternativa à Reduc, na vizinha Duque de Caxias). As três fábricas de fertilizantes podem ter parceria mútua da Petrobras com a Aramco, gigante estatal do petróleo, gás e e petroquímica da Arábia Saudita. A Petrobras propôs ser sócia minoritária em fábrica na Arábia e a Aramco seria sócia no Brasil.

Gargalos na infraestrutura

Muitos investimentos privados dependem de avanços nos projetos de infraestrutura (redes de gás, suprimento de energia elétrica, expansão das redes de telecomunicações. Mas também de estradas, ferrovias, portos e aeroportos, além do saneamento básico e habitação, e modernização dos transportes urbanos nas grandes cidades. Em escolas e hospitais, o dispêndio público, tratado como gasto, é o melhor investimento no povo do país.

A soma destes projetos em máquinas e equipamentos pelos setores públicos e privados e mais as construções industriais, comerciais e residenciais formam o que se chama no PIB, o investimento, que vai garantir produtividade na economia e tornar mais competitiva a economia brasileira no futuro. Nas Contas Nacionais do IBGE, o investimento ganha o nome de Formação Bruta de Capital Fixo, que caiu muito depois da crise mundial de 2007 e segue crescendo pouco. No 3º trimestre teve queda de 2,5% sobre o 2º trimestre e baixa acumulada de 1,1% em quatro trimestres.

Um dos inibidores dos investimentos é o nível das taxas de juros. Baixos, estimulam as concessões e investimentos públicos e privados. O nível dos juros (coerente com a inflação esperada para a frente) determina o grau de retorno do investimento. O cálculo ideal é o que aponta a Taxa Interna de Retorno (TIR), que mostra o tempo para o investimento ser rentável. Quanto maiores os juros, mais longo e incerto será o retorno. Ou até inviável.

O caso da BR-101-RJ

Um caso emblemático é o investimento na BR-101-RJ, no trecho entre Niterói e o Espírito Santo, que cortaria toda a região norte do Estado do Rio de Janeiro. No primeiro leilão de concessão, em 2008, ganhou o grupo espanhol OHL, que levou mais quatro concessões no país. Esta etapa, entre a Ponte Rio-Niterói e a divisa de ES-RJ, com 320 km, compreendia no lançamento do PAC, em 2007, investimentos de R$ 1,017 bilhão, dos quais R$ 781 milhões seriam financiados pelo BNDES à Autopista Fluminense.

Mas o grupo espanhol não resistiu à crise financeira mundial de 2008 e transferiu o direito da concessão antes que, em 2013, investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) apontassem favorecimento aos espanhóis nas concessões. O grupo foi sucedido na BR-101-RJ pela Arteris na faxina promovida no DNIT no governo Dilma, quando o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes foi comandado por Tarcísio de Freitas. Isso mesmo, o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, atual governador de São Paulo. A Arteris concluiu esta semana a duplicação da BR-101, entre os kms 215,7 e 217,9, em Silva Jardim (RJ), completando 128,3 kms de pistas duplas (do total de 320 kms). Obras dependem de muitas variáveis e os lances mais baixos costumam ser fontes de problemas futuros aos usuários.

Mas o “operoso” ministro Tarcísio não conseguiu que a Arteris concluísse a construção da 3ª pista entre a Ponte e o Trevo de Itaboraí, foco de engarrafamentos diários no acesso à Região dos Lagos e ao Norte Fluminense. As obras pararam antes da pandemia. Assim como a duplicação da Serra de Petrópolis, paralisadas em disputa judicial desde 2017.