O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Americanas: fusão de 2021 encobriu rombo?

Publicado em 16/11/2023 às 16:36

Alterado em 16/11/2023 às 16:36

Meu faro de repórter achou estranha a fusão entre a Lojas Americanas S.A. e a B2W Digital, anunciada em 10 de junho de 2021, após ter sido ventilada desde abril. É que a área digital, que incluía os sites Submarino e Shoptime, assumiu virtualmente o controle da empresa de lojas físicas, que passou a ter participação de 39% na nova empresa. Na ocasião, analistas da XP e de várias casas viram como positivas as perspectivas da nova companhia.

Chamou minha atenção, na época, o fato de que a parte digital vinha de sucessivos resultados ruins, mas o trio de acionistas controladores – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herman Telles - abriu a mão do seu controle sem exigir prêmio pelas ações na fusão. Ao final de 2021, segundo o balanço anunciado no 1º trimestre de 2022, a companhia afirmava ter um caixa líquido de R$ 1,7 bilhão e um lucro líquido de R$ 713 milhões.

'Tempo de somar'

Na divulgação dos resultados, os então dirigentes da Americanas, novo nome da companhia resultante da fusão, diziam que era “Tempo de Somar”. Só que não. Já no balanço de setembro de 2022, quando a empresa registrou prejuízo líquido de R$ 212 milhões (o último balanço publicado), alguns analistas de empresas notaram a forte perda de dinamismo da companhia.

Atribuiu-se o fraco resultado à escalada dos juros ao longo de 2022, que travou as vendas no comércio, gerando perdas em Casas Bahia e Magazine Luiza, além das Lojas Marisa (que entrou em recuperação judicial). Pois em 11 de janeiro de 2023, o novo CEO da Americanas, o ex-presidente do Santander, Sérgio Rial (contratado em setembro) surpreendeu a todos, anunciando “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões na companhia. E renunciou após.

A empresa solicitou recuperação judicial, concedida em 19 de janeiro e, ao apresentar o primeiro esboço de balanço, apontou que as dívidas com fornecedores (transformadas em dívidas bancárias) somavam o dobro, com o passivo da empresa atingindo R$ 45 bilhões. Desde então, os credores (liderados pelos bancos Bradesco, Itaú, BTG-Pactual, Santander, BB, Safra, CEF, ABC, Daycoval) cobram aportes do trio controlador. Este propôs aportar R$ 12 bilhões na empresa e recomprar as dívidas com descontos.

Tempo de diminuir

Os balanços de 2021 e 2022 divulgados na manhã de hoje (sem parecer conclusivo da BD), auditoria contratada já em 2023 (os balanços anteriores eram auditados pela PwC, também investigada pela Comissão de Valores Mobiliários, como os dirigentes da Americanas, por não ter identificado os “riscos sacados”, vendas a prazo pelos fornecedores que se tornam dívidas bancárias findo o prazo de carência, mas que não foram contabilizados no balanço) e as VPC (Verbas de Propaganda Compartilhadas) mostram uma guinada tremenda. Só houve soma de dívidas e diminuição de lucros

Os “resultados” “positivos de R$ 713 milhões de 2021 (já ameaçados pelas perdas de R$ 212 milhões no 3º trimestre, o que resultaria num lucro de apenas R$ 544 milhões, “após os ajustes contábeis se transformou em um prejuízo de R$ 6,237 bilhões”, segundo a Americanas. A decomposição da mudança não é da água para o vinho, mas da água para o vinagre.

A despesa financeira, excluindo encargos de leasing (R$ 449 milhões seguindo as normas da IFRS 16), “foi ajustada em R$ 940 milhões em relação ao valor divulgado anteriormente”. O ajuste mais relevante foi a reclassificação para esta conta dos juros de risco sacado no valor de R$ 915 milhões. Assim, os prejuízos de R$ 712 milhões, somados aos ajustes de R$ 812 milhões, elevaram as perdas financeiras de 2021 a R$ 1,582 bilhão.

Com mudanças contábeis em risco sacado e outras operações, o endividamento bruto da companhia em 2021, divulgado em R$ 11,965 bilhões, contra disponibilidades de caixa de R$ 6,931 bilhões e os R$ 6,772 bilhões a receber de cartões de crédito inverteu o saldo de caixa de R$ 1,738 bilhão.

A reclassificação elevou o endividamento financeiro de curto prazo de R$ 946 milhões para R$ 10,625 bilhões, mais de 11 vezes acima do reportado. O endividamento bruto da companhia aumentou R$ 15,602 bilhões, elevando a dívida bruta para R$ 27,503 bilhões. No acerto de contas, o tal saldo de caixa de R$ 1,738 bilhão virou um baita rombo de R$ 13,945 bilhões. E o patrimônio líquido ficou negativo em R$ 12,621 bilhões.

Piora em 2022

Em 2022 a situação só piorou. O resultado financeiro, que foi negativo em R$ 1,582 bilhão em 2021, aumentou para um rombo de R$ 5,232 bilhões no ano passado. O endividamento bruto (mais concentrado no curto prazo, o que pode ser revertido na RJ ainda sem acordo com os bancos credores) se elevou para R$ 37,331 bilhões, contra R$ 257,503 bilhões em 2021. O patrimônio líquido também foi corrigido, colocado em terreno negativo desde 2021: -R$ 12,6 bilhões e chegando a – R$ 26,6 bilhões de PL consolidado em 2022.

Os ingressos de caixa diminuíram de R$ 13,622 bilhões em 2021 para R$ 11,045 bilhões em 2022, com a dívida líquida saltando de R$ 13,945 bilhões para R$ 26,287 bilhões.

Melhor cenário em 2025

Engraçado que na apresentação dos balanços, com 11 meses de atraso, a Americanas traça cenário promissor para 2025. Só que antes tem os balanços de 2023 e de 2024. E tudo depende de acordo com os credores na RJ.

A lupa nas VPC

Outra fraude eram nas chamadas VPC (“Verbas de Propaganda Compartilhada” com fornecedores, porém, sem lançamentos contábeis precisos. Os VPCs também foram motivo de reclassificações de mais de R$ 810 milhões nos balanços da Magalu. Agora, os analistas passaram a aumentar a lupa sobre os balanços das grandes companhias varejistas.

Para LCA, cenário melhora em 2024

Se a Americanas não sabe o que será de 2023 e 2024, a LCA Consultores, ao analisar o cenário macroeconômico na metade de novembro, diz que a estabilização da inflação nos Estados Unidos projeta horizonte favorável aos juros nos EUA (e melhora as chances de Joe Biden contra Trump), o que levou a consultoria a “manter expectativa de que os EUA (e outras economias centrais) evitarão uma recaída recessiva em 2024.

Num cenário internacional de "pouso suave", o câmbio doméstico permaneceria relativamente acomodado - apesar da redução do diferencial de juros doméstico-externo e da persistência de incertezas fiscais. Isso facilitaria “o Banco Central a dar continuidade, sem interrupção, à redução gradativa do aperto da política monetária”. A LCA observa ainda que “os principais indicadores de tendência inflacionária - como as medidas de núcleo e a inflação subjacente de serviços - passaram a correr em linha com o centro das metas de inflação”.

Assim, com a clara perda de fôlego da atividade econômica doméstica no 3º trimestre, reafirma expectativas de que os cortes da taxa básica Selic prosseguirão sem interrupções (o que o IBC-Br de setembro dirá amanhã).

No frigir dos ovos, a LCA prevê que a taxa de expansão do PIB irá recuar dos 3% estimados para 2023 para 1,6% em 2024. O crescimento puxado pela indústria extrativa e a agropecuária, em 2023, esfria em 2024, quando a indústria de transformação e a construção civil reagirão melhor à baixa dos juros. A LCA prevê que a taxa Selic fechará em 9,25% em dezembro de 2024, garantindo afrouxamento no aperto monetário até 2025.

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