O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Brent futuro nega previsões de alta

Publicado em 10/10/2023 às 18:45

Alterado em 10/10/2023 às 18:45

Há interesses ocultos nas bolas de cristal das projeções econômicas. Há semanas cresce a disseminação de informações de que o barril de petróleo Brent tenderia a superar a casa dos US$ 100. De fato, as cotações chegaram a US$ 96,55 em 29 de setembro, quando a Rússia suspendeu vendas. Mas, não se sustentaram nem com o agravamento da crise no Oriente Médio, após a guerra entre o Hamas e Israel. Hoje, 10 de outubro, o contrato para entrega em dezembro caiu 0,90% a US$ 87,36, às 11:30, hora de Brasília.

E os contratos futuros estão em baixa até março de 2025, cotado a US$ 78,26 o barril. Por isso, soa particularmente estranho que o Centro Brasileiro de Infraestrutura, por seu diretor-presidente e fundador, Ariano Pires, ainda insista na tese altista em entrevista na mesma 3ª feira, ao site “Infomoney”. Há uma explicação para tal. O CBIE é um dos responsáveis pela política de Paridade de Preços Internacionais (PPI), adotada pela Petrobras em 2016, quando Pedro Parente assumiu a presidência da estatal, no governo Temer.

E o objetivo do alinhamento quase automático dos preços domésticos dos combustíveis às cotações internacionais atualizadas pelo dólar, era abrir o mercado à competição contra a Petrobras por parte de importadores de derivados, reunidas em torno da Abicomp. Isso ficou claro em abril de 2019, no começo do governo Bolsonaro, quando se anunciou a venda de 50% do parque de refino da Petrobras, que ficaria limitada às refinarias de SP e Rio de Janeiro.

Era parte do processo para levar à própria privatização da estatal, meta de Bolsonaro caso reeleito. Para reduzir a influência da Petrobras, houve a venda do controle acionário da BR, distribuidora, criada pelo general Geisel, em 1971, quando presidiu a estatal. Nas refinarias só houve comprador para a Landulpho Alves (BA), pelo Mubadala, fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos. Mesmo com seu poderio, a Acelem (novo nome da refinaria) deseja que a Petrobras lhe forneça o óleo do pré-sal aos mesmos baixos custos com que consegue extrair!? Imagina se a Exxon ou a BP forneceria petróleo da Guiana bem abaixo dos preços de mercado.

A vantagem da integração

A Petrobras consegue realizar altos ganhos com o petróleo mais leve do pré-sal da Bacia de Santos por ter estrutura integrada de Exploração&Produção (“downstream”) a um parque de refino (“upstream”) que se completava com a distribuição própria de derivados e o braço petroquímico em modelo tripartite. A ação na petroquímica começou a ser desfeita no governo Collor (resta a participação de 47% na Braskem, que absorveu os concorrentes).

Ainda que podada na ponta da transformação mais rentável, a Petrobras manteve todas as demais refinarias (sem compradores). E com o abandono do PPI e o uso estratégico do parque de refino e dos seus pontos de distribuição em todo o país, a Petrobras bateu, em setembro, pelo 2º mês seguido o recorde de 97% de utilização da capacidade instalada do parque de refino. Novos investimentos vão ajustar as refinarias ao uso mais intenso do petróleo leve do pré-sal e aumentar a produção de diesel S-10, menos poluente.

Mesmo com a provável redução do consumo de gasolina e diesel na transição energética, com avanço de veículos elétricos e motores híbridos, a Petrobras tem consciência de que o petróleo seguirá com usos nobres pela humanidade, com a transformação da nafta poupada na redução do refino de gasolina na transformação na gigantesca cadeia da petroquímica. Por isso, a companhia está atenta a, eventualmente, exercer o direito de preferência (“tag along”) em caso de venda do controle da Braskem pelo grupo Odebrecht (Novonor).

Voltando à estratégia da PPI para enfraquecer a Petrobras. Ela não deu os resultados esperados porque, há muito, as distribuidoras estrangeiras saíram do Brasil (Atlantic, Texaco, Shell e Esso). Com menor presença estrangeira direta, ficou mais difícil a competição. A rede Shell foi comprada pelo grupo Cosan, gigante da produção de etanol, que ficou com a rede da Esso.

Quando os preços dos derivados dispararam, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, com as retaliações da Otan e dos países aliados, à frente os Estados Unidos, e ameaçaram a reeleição de Bolsonaro, em uma das várias trocas de presidentes determinada por Bolsonaro, Adriano Pires chegou a ser indicado para presidir a Petrobras, dada sua presença constante na mídia e a fluência para explicar a “lógica” do PPI. Mas seu nome foi vetado pela Comissão de Pessoas da Petrobras, dado o vínculo do CBIE, que seria tocado por seu filho.

Mas, Adriano e o CBIE seguem prestando consultoria à Abicomp. Por isso, tem sido o crítico mais feroz do “abrasileiramento” dos preços da Petrobras decidido em maio, quando a companhia, sob o comando de Jean Paul Prates, cumpriu a promessa de campanha do então candidato Lula. Cabe dizer que o PPI nivelava os preços por cima. Quem conseguisse comprar derivados a baixo preço aumentava seus lucros (como aconteceu com a própria Petrobras e outras que fizeram importações diretas de diesel da Rússia, com desconto (dado os riscos de retaliações por parte da Otan/EUA). O Brasil ficou imune.

A vantagem de viver sem PPI

Para o Brasil, o não uso automático do PPI nos livrou de extrema instabilidade nos preços do petróleo e dos derivados nos últimos três meses. Nos últimos 30 dias, por exemplo, as cotações funcionaram como um io-iô. Em 11 de setembro, o contrato futuro do Brent para entrega em dezembro apontava US$ 90,64. As cotações subiram até US$ 96,55 em 27 de setembro e recuaram desde então até os US$ 87,77 de hoje, às 13 hs.

Pela lógica do PPI, a Petrobras já teria promovido aumentos, cujos efeitos inflacionários seriam terríveis. Uma vez praticado um aumento da gasolina, por acaso o item de maior peso entre os 377 pesquisados pelo IBGE no IPCA, os impactos na cadeia de preços de bens e serviços seria imediato. Mas, quando houvesse a redução de preços, esses dificilmente voltariam aos patamares inferiores. Esse mecanismo da indexação levou o Banco Central a um excesso de cautela no início da redução dos juros este ano, pois não acreditou na nova política de preços da Petrobras e operou como se viesse um repique muito maior da inflação com a volta plena dos impostos (que não ocorreu) sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações e com as pressões sazonais e pontuais do mercado de energia.

Como se vê, os ganhos têm sido bons para a Petrobras e para todo o país. Além de evitar oscilações e pressões inflacionárias elevadas, o uso mais intenso do parque de refino reduz as importações de derivados e gera mais impostos e renda no país com a maior produção das refinarias. A lógica do PPI era enfraquecer o parque produtivo nacional.

É algo semelhante ao que as pessoas que recorrem à compra bens importados via Shein, AliExpress e outros sites que ludibriavam a Receita Federal e promoviam evasão fiscal e de divisas, não atinava: os ganhos individuais afetam a produção e o comércio de bens que poderiam ser produzidos no país, gerando mais renda e mais empregos.

FMI e JP Morgan cautelosos

No informe da primavera divulgado hoje, pelo Fundo Monetário Internacional no qual prevê desaceleração da economia mundial (após os 3,5% de crescimento em 2022, o PIB mundial se reduziria a 3% este ano e a 2,9% em 2024 – para o Brasil a previsão se inverte: 2,9% em 2022, 3,1% em 2023 e queda para 1,5% em 2024), a trajetória da China passa a ser chave para a demanda mundial e os preços das commodities.

O engajamento na transição energética pela China pode esfriar a demanda de alguns minerais e acirrar a de outros (lítio, nióbio, grafita, cobre e fosfato). O FMI projeta que a China, após crescer 3% em 2022, teria aumento de 5% no PIB deste ano, esfriando para 4,2% em 2024. A Zona do Euro, após 3,3% em 2022, patinaria em 0,7% este ano e 1,2% em 2024. Firme seguiria a Índia, que se aproxima de França e Reino Unido: 7,2% em 2022 e 6,4% em 2023 e 2024.

A China entrou em de deflação recente e poderá ajudar na “desinflação global a curto prazo, já que a descida dos preços de exportação para fora da China se traduz em preços de importação mais baixos para os países parceiros comerciais”, explica estudo do JP Morgan Research. A estimativa é que a deflação da China reduzirá a inflação global dos bens básicos (excluindo a China) em 70 pontos base durante o 2º semestre de 2023. Isso explicaria por que as previsões altistas ao petróleo e minério de ferro não se confirmam.

Segundo o JP Morgan, os preços de exportação da China caíram a um ritmo de 18% ao ano nos três meses anteriores a julho, quando os exportadores reduziam os preços para ativar a procura. As baixas, lideradas pelas matérias-primas transformadas, alargaram-se desde então a outras exportações importantes. “A queda nos preços a montante reduziu os custos para os produtores a jusante da China e, como resultado, as descidas dos preços de exportação são agora substanciais não apenas em materiais processados, como metais e produtos químicos, mas também em bens de consumo de gama inferior.

O fenômeno pode facilitar o processo de desinflação para os principais parceiros comerciais: por exemplo, os preços das importações dos EUA provenientes da China caíram -4,1% a.a. nos três meses até julho, enquanto a área do euro registou um declínio de -15% a.a.

A depreciação do yuan em 2022 ampliou o impulso desinflacionista da China sobre os preços globais das importações. Com dois terços do comércio de mercadorias da China transacionado em dólares e o restante em yuanes valorização da maioria das principais moedas face ao yuan fez baixar os preços de importação em termos de moeda local, especialmente na América Latina e na Europa.

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