O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Erros do Copom doem no mercado

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Publicado em 23/06/2023 às 15:23

Alterado em 23/06/2023 às 20:09

. OLM

Nos mercados financeiros, investidores e gestores de investimento sempre operam pensando no futuro. As expectativas de inflação servem não só para os bancos centrais balizarem a dosagem da política monetária olhando 18 a 24 meses adiante (por sinal, semana que vem, com 30 meses de antecedência, o Conselho Monetário Nacional vai decidir a meta de inflação de 2025, podendo alterar ou manter a atual de 3,00% + tolerância de 1,50%=4,50% para 2024 e 2025).

Os departamentos econômicos dos bancos, de gestores e consultorias criam modelos que possam antecipar a inflação. À parte o acompanhamento pontual dos preços no varejo (com ponderações semelhantes às do IBGE, obtidas a partir das Pesquisas de Orçamentos Familiares - POFs -, e do dólar (sempre um preço importante na formação de expectativas), há um calendário mensal de reajustes de tarifas e preços administrados. Por exemplo, a energia elétrica, água e esgoto, tarifas de ônibus, mensalidades escolares e de planos de saúde, bem como reajustes setoriais de preços importantes (como remédios e cigarros, ou até loterias, que pesaram no IPCA de maio).

Ter modelos ajustados a prever tanto a trajetória da inflação como dos juros futuros é indispensável para reduzir os riscos de quem assuma pesadas posições nos contratos futuros. Se você, caro leitor, não notou, os mercados à vista funcionam mais para dar liquidez às desistências de apostas futuras. Isso se aplica a ações, a moedas, ouro, a contratos de taxas de juros, commodities (agrícolas, metálicas e energéticas) e até a moedas virtuais, como o Bitcoin.

Por isso, quando as expectativas de alta ou baixa dos juros são contrariadas pelos Banco Centrais ou por fatores externos (a pandemia da Covid, a invasão da Ucrânia pela Rússia foram os casos mais recentes), as operações futuras precisam ser refeitas. Pois esta semana, os mercados ficaram atônitos com sinais desencontrados dos bancos centrais, causando gangorra nas cotações.

Na semana passada, o Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, deu uma pausa na escalada dos “fed funds”, mantidos no patamar de 5%-5,25% ao ano. Mas, esta semana, o presidente do Fed, Jerome Powell, depois de o Banco da Inglaterra subir juros e alertar para a necessidade de manutenção de juros elevados no mundo para conter a inflação, voltou a falar de alta dos “fed funds”.

Pior fez o Comitê de Política Monetária (Copom). Por ter errado desde o ano passado nas previsões da inflação, o Banco Central ficou em cima de muro. Mesmo com a queda nas taxas mensais em relação ao que previra nos seus modelos não se comprometeu para indicar quando a taxa Selic, mantida em 13,75% desde 3 de agosto de 2022, começaria a cair.

Perdas com apostas na queda da Selic

O mercado esperava, com os últimos sinais positivos para a economia, com a melhora das perspectivas de risco do país e a queda do dólar, que o Copom indicasse queda de 0,25 ponto percentual para 13,50% já na reunião de 2 de agosto. Esse grupo, do qual fazem parte o Bradesco e a LCA Consultores, imaginava que a Selic pudesse fechar o ano em 12,25%, com uma última queda de 0,50 p.p. na reunião de 12 e 13 de dezembro.

A corrente majoritária esperava a 1ª redução em setembro (para 13,50%, com a taxa fechando o ano em 12,50% em dezembro). Faziam parte desta corrente, mais conservadora, o Itaú e o Santander. O Copom parece que seguia essa corrente, com mais cautela frente à baixa da inflação. O fato é que o Copom desagradou às duas correntes, que perderam dinheiro e tiveram de refazer contratos às pressas, para ficar no modo cautela.

De qualquer modo, o Copom provocou por sua indefinição, reações de irritação não apenas nos setores produtivos que não aguentam mais o garrote dos juros altos. Os próprios operadores do mercado, concentrados na Faria Lima (SP), já reagem aos erros de avaliação do Copom, que ficaram claro nos Relatórios Trimestrais de Inflação de 2022 e 2023 – o do 2º trimestre deste ano será divulgado, 5ª feira, 29, pelo diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, em cerimônia que terá a presença do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Ambos poderão explicar melhor o que a Ata da 255ª reunião do Copom, de 21 de junho, não foi capaz de esclarecer: por que o Copom tem errado sistematicamente as projeções de inflação, mesmo fazendo acompanhamento semanal, na Pesquisa Focus, das projeções do mercado financeiro? Aliás, espera-se que o novo blog do Banco Central, que pretende se comunicar melhor com a sociedade, deixando de lado a linguagem hermética do “coponês” corrija também esses imensos erros de avaliação.

Em 2022, por causa dos impactos da guerra na Ucrânia, o IPCA ultrapassou em 1,95 pontos percentuais as projeções do Copom para a inflação do 1º semestre (desculpável). Já no 2º semestre, após o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixar a política monetária de lado e passar o bisturi (no final de junho) nos impostos dos produtos e serviços que mais pesavam na inflação, na tentativa, frustrada de reeleger Jair Bolsonaro, deu-se o inverso: o IPCA acumulou alta 1,85 ponto percentual inferior ao que projetou o Copom.

No ano passado, há desculpa da intervenção eleitoreira. Mas o que dizer deste ano, quando o Banco Central apostou que o governo Lula retomaria, já em janeiro, integralmente o nível dos impostos reduzidos temporariamente até 31 de dezembro de 2022? O erro acumulado no 1º semestre deste ano (o número de junho ainda não é conhecido, por isso usei a previsão do mercado na última Focus, de 16 de junho, com queda de 0,04%, enquanto o BC previa +0,29% (e as respostas dos últimos cinco dias úteis já indicavam -0,07%?

Juros muito além do necessário travam a economia, transferem renda de famílias e empresas aos bancos e arruínam as finanças do Tesouro Nacional.

Há uma explicação: ao exercer sua independência (que não é sinônimo de infalibilidade) o Banco Central evitou dialogar com o governo Lula sobre pontos chaves, como a reoneração dos impostos, que veio escalonada, e a nova política de preços da Petrobras, que produz aumentos menores e até reduções na gasolina, GLP, diesel e querosene de aviação (que impacta as passagens aéreas). Ou seja, além de não botar fé nas intenções de austeridade fiscal do governo, a intransigência do Banco Central, criticada por Lula, agora irrita o próprio mercado financeiro, que antes aplaudia Campos Neto.

Macaque in the trees
. (Foto: OLM)

Qual o imposto das criptos?

Por sinal, o mercado está ansioso para saber se junto com a regulamentação das negociações das criptomoedas (que era uma terra sem lei, quase sem lenço e documento), entregue à supervisão do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários, virá uma tributação. A mim parece óbvio que os investidores precisam prestar contas ao Fisco da movimentação de recursos neste canal virtual. Vai ser complexo, mas necessário. A menos que queiram legitimar a evasão fiscal e cambial, com os riscos inerentes à fiscalização.

Do mesmo modo se espera a tardia tributação sobre os sites de apostas (quase todos no exterior e que se tornaram sugadores de divisas) e dos eventuais ganhos dos acertadores (na Mega Sena há tributo). A atuação dos sites de apostas foi autorizada no fim do governo Temer. Em quatro anos de Bolsonaro, nada se fez. Com os escândalos de subornos de jogadores, (juízes?) e técnicos e auxiliares (aposta-se até quantos cartões amarelos ou vermelhos terá cada time), que mancharam a lisura do futebol, as lupas do governo viram um enorme subterrâneo de corrupção e lavagem de dinheiro.

Arrecadação avança com tributos do salário

O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco confirma o que já levantei aqui na coluna há duas semanas, com base nas informações de amigos que correram para registrar empregados depois que a Justiça do Trabalho passou a ser mais inflexível no governo Lula a contratos temporários.

Durante a pandemia, com forte desemprego, muita gente recorreu ao Auxílio Emergencial de R$ 600, sem deixar de aceitar convites de trabalhos, mesmo fora do seu “metier”. Entretanto, para não perderem direito ao AE, preferiam não ter a carteira assinada. Com a retomada da economia em 2021 e a turbinada no PIB no 1º semestre do ano passado, para tentar reeleger Bolsonaro, muitos patrões e empregados não alteraram o contrato provisório.

Com o governo Lula, favorável aos trabalhadores, aumentou a pressão para a Justiça do Trabalho retomar as audiências presenciais. Houve uma enxurrada de demandas oportunistas por parte dos advogados de sindicatos pleiteando direitos, com pesadas condenações aos empregadores. Alguns se safaram ao comprovar a inscrição do funcionário no AE. Ressabiados, muitos patrões trataram de regularizar os contratos. O que aumentou o emprego com carteira muito além do previsto, sem necessariamente aumentar a renda em circulação.

Mas o efeito se fez notar na arrecadação de impostos e contribuições sociais, notou o Depec, ao analisar a arrecadação de R$ 176,8 bilhões em maio, uma alta de 2,9% frente a maio de 2022. “O movimento é explicado, sobretudo, pelo aumento da arrecadação de impostos relacionados ao mercado de trabalho e à massa salarial, como receitas previdenciárias e imposto de renda. Além disso, a arrecadação de tributos relacionados ao consumo voltou a se recuperar, possivelmente já refletindo as medidas anunciadas pelo governo federal (reoneração dos combustíveis e mudança de cálculo dos créditos tributários do Pis/Cofins). O Bradesco prevê recuperação gradual da arrecadação em 2023.

Já a queda das commodities deverá reduzir as receitas associadas ao lucro das empresas (IRPJ e CSLL) e aquelas não administradas pela Receita Federal, como “royalties” e participações em petróleo& gás e mineração. Para o Bradesco, a resiliência do mercado de trabalho e as medidas tributárias anunciadas no Arcabouço Fiscal sustentam o aumento da arrecadação.

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