O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Durma-se com um barulho desses

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Publicado em 27/03/2023 às 14:14

No mercado financeiro começa a cair a ficha de que a taxa Selic está mesmo muito alta em termos reais (descontada a inflação). Ela está mantida em 13,75% ao ano desde 3 de agosto de 2022, quando a inflação em 12 meses era de dois dígitos. Agora está em 5,60%. Na Pesquisa Focus, divulgada hoje pelo Banco Central, com respostas até a última 6ª feira, o mercado prevê que o IPCA suba 0,76% este mês (0,78% nas previsões dos últimos cinco dias úteis).

O IPCA subiu 1,62% em março de 2022, com fortes altas de combustíveis devido às sanções à Rússia (grande produtor e exportador de petróleo e gás) pela invasão da Ucrânia em fevereiro, a taxa em 12 meses deve cair dos 5,60% a 4,70% (ou 4,72%, se subir 0,78%). O IPCA deve cair abaixo de 4,50% até junho. O Comitê de Política Monetária define o futuro da taxa dia 3 de maio e em 21 de junho, talvez, já com dois novos diretores indicados pelo governo Lula. O mercado espera que a Selic feche o ano em 12,75%.

O Rubicão do Banco Central é o 3º trimestre. Em 2022, para tentar turbinar a campanha de reeleição de Bolsonaro, e percebendo que o Banco Central não tinha êxito contra a inflação, que chegou a 11,87% em junho, mediante a elevação da Selic, o ministro da Economia, Paulo Guedes, largou todos os escrúpulos da cartilha liberal e decidiu - junto com seu ex-secretário de política econômica, Adolfo Sachsida, nomeado ministro das Minas e Energia, intervir na Petrobras, trocando mais uma vez o presidente e cortando diretamente (via redução de impostos federais e estaduais – ICMS) os preços dos combustíveis, em especial a gasolina, de maio peso no IPCA, energia elétrica e comunicações, em manobra eleitoreira válida até 31 de dezembro de 2022.

 

Preços administrados são imunes a juros

O preço da gasolina caiu mais de 25% em 2022 (em total descompasso com o mundo) e houve deflação de 1,32% de julho a setembro. Apesar da farta distribuição de mais de R$ 100 bilhões em benesses eleitorais, Bolsonaro perdeu a eleição para Lula, cujo governo tenta agora recompor os impostos sem pressionar a inflação. O cerne da questão, outra vez, são os preços administrados.

Na pesquisa Focus, o mercado está esperando agora 5,93% para o IPCA deste ano (5,96% nas respostas dos cinco últimos dias). E aposta que a Selic só cede para 12,75% em dezembro. O Banco Central, que temporariamente, na vacância do mandato de Bruno Serra na diretoria de Política Monetária, está com a acumulação do cargo pelo jovem e pouco experiente diretor de Política Econômica Diogo Guillen, teme repiques da inflação em julho, agosto e setembro, pois as taxas ficaram negativas em 2022

A apresentação do arcabouço fiscal, que será acelerado com o cancelamento da viagem de Lula à China, pode tirar um dos argumentos para o excesso de cautela do Banco Central. Pela Pesquisa Focus, o problema está na previsão de que os preços administrados (os que foram cortados na marra em 2022) repicariam 9,48% este ano (9,64% nas apostas dos últimos cinco dias).

 

LCA vê IPCA fraco em março

A LCA Consultores, que já antecipara a desaceleração do IPCA-15 (que o IBGE apontou em 0,69% em março), prevê que o IPCA cheio “perderá força de fevereiro (+0,84%) para março, pelo alívio esperado via diluição de boa parte das pressões de Educação, bem como pela descompressão em Comunicação, já que o momento mais intenso dos reajustes de TV por assinatura e de combo de telefonia, internet e tv por assinatura terá ficado para trás. Também merece menção, a manutenção do grupo Alimentação e bebidas em taxa bem-comportada.

O que fugiu às previsões foram os preços administrados (PA). No IPCA-15 de março (+2,00%) ficaram acima da expectativa da LCA (+1,42%), que reviu a variação no IPCA cheio dos PA, de 2,08% para 2,30%, com destaque para energia elétrica e gasolina. O BC não tem como evitar as altas. Só administrar seus efeitos secundários. Ou seja, mantém os juros nas alturas para evitar remarcações de preços em cima dos reajustes da energia e combustíveis.

Mas a economia e a sociedade pagam um preço muito alto para o Banco Central persistir da quimera de que vai cumprir a meta de inflação deste ano (cujo teto é de 4,75%) ou a de 2024 (4,50%). Para 2023, a LCA projeta IPCA de 5,7%. O departamento de Estudos Econômicos do Itaú observa que, apesar das pressões “em preços administrados, principalmente gasolina e medicamentos, devemos observar recuo da inflação acumulada em 12 meses para ao redor de 4,0%, influenciado pelo efeito base dos cortes de impostos no ano passado. A inflação volta a acelerar nessa base de comparação a partir do 3º trimestre do ano”. Ele projeta 6,1% para o IPCA em 2023 e 4,2% em 2024. Mas, por enquanto (enquanto o arcabouço fiscal não sai do armário ou da gaveta), espera que o Copom reduza a taxa Selic para 12,50% a.a. até o final do ano, a partir do 4º trimestre.

 

Contradições internas

Vejam como há dúvidas e contradições dentro de uma mesma instituição financeiro. No Boletim diário de hoje, a Genial Investimentos, depois de citar a decisão do Banco Central Europeu e do Fed de manterem, respectivamente, altas de 0,50 ponto percentual e 0,25 p.p. nos juros do euro e dos “fed funs”, embora o Fed sinalize possibilidade de estabilidade diante da crise bancária, “ diz que “o Banco Central (...) adotou um tom mais hawkish do que o esperado pelo mercado, ao manter a taxa de juros inalterada em 13,75% a.a. e sinalizar que cortes na taxa de juros não estão no radar”.

“Nossa avaliação é que o risco fiscal combinado à desancoragem das expectativas de inflação para os horizontes relevantes de política monetária supera o risco de uma desaceleração da economia mais abrupta decorrente dos efeitos da crise financeira global e do “evento Americanas”. No atual contexto de duras críticas por parte do presidente Lula e de membros do governo à condução da política monetária (...) a manutenção da Selic em 13,75% possui um efeito sinalizador tão forte quanto as altas anunciadas pelo Fed e pelo BCE”.

 

Mas vejam o que diz, abaixo, o tópico 'Renda Fixa':

“Os juros locais fecharam em queda na sexta, acompanhando o fechamento das taxas das “treasuries”, diante da cautela com o sistema bancário global (agora com o Deutsche Bank), que elevou a busca por proteção. Com essa queda, o mercado passou a indicar que a chance de o Copom derrubar a Selic na próxima reunião, que havia sido eliminada pelo comunicado duro, voltou a aparecer, com 20% de chance. O risco é de que a bola de neve dos bancos custe uma recessão global.

Está difícil arbitrar esse Fla X Flu. Só que, enquanto isso, a economia definha.

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