A 'reversão das expectativas', segundo Roberto Campos (avô)

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Por Gilberto Menezes Côrtes

Jean Paul Prates, presidente da Petrobras

 

 

 

É uma rematada estupidez usar o termômetro do sobe e desce das cotações das ações (e das commodities) como bússola para a medir o estado da economia. Além das expectativas, que desempenham papel importante na economia (tanto pelo lado dos consumidores/trabalhadores quanto pelo lado dos empresários/investidores), há muitos mais indicadores sólidos (como inflação, taxa de desemprego, índices de produção dos diversos setores que formam o PIB), bem como os indicadores macroeconômicos, que atestam melhor o estado geral da economia.

Roberto de Oliveira Campos, o avô do atual presidente do Banco Central, cunhou uma frase célebre quando era ministro do Planejamento do governo do marechal Castelo Branco e um dos formadores do PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), em dupla com o ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões. Quando a dupla assumiu o comando da economia, em 19764, o Brasil era um país com maioria população no campo, a industrialização, alavancada no governo JK, ainda tinha baixa escala e era da área rural de onde vinham as principais receitas cambiais do Brasil.

Como a colheita agrícola veio de três anos de crise no começo dos anos 60, inclusive com incêndios criminosos no estado do Paraná, um dos celeiros do país, ao lado do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais (a agricultura só avançou pelo cerrado no final dos anos 70), havia pressões inflacionárias nos alimentos e carência de divisas cambiais.

Mas, com as reformas modernizadoras, com a introdução da correção monetária em junho de 1964, para restabelecer o crédito público e punir os devedores do Tesouro, a criação do Banco Central do Brasil, no final de 1964, dando início à Reforma Bancária e dois anos depois à Reforma do Mercado de Capitais, precedida, em 1965, pela criação do Banco Nacional da Habitação, que ganhou um enorme reforço de caixa com os recursos estáveis do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, regulamentado em 1966, a roda da economia voltou a girar.

Os que apostaram contra o sucesso do PAEG (de fato, muitas empresas quebraram, com as restrições do crédito do Banco do Brasil, em 1965, quando, pela 1ª vez na história não houve expansão do crédito, sempre tão farto) ficaram frustrados. E Campos, antes tão criticado, por Carlos Lacerda, por exemplo, deu o troco, criando a expressão “reversão das expectativas” para classificar a mudança do estado de espírito dos empresários.

Como a reforma do mercado de capitais deslanchou apenas a partir de 1967, já no governo do general Costa e Silva, no qual o ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, que fora secretário de Fazenda de São Paulo, encontrou as finanças públicas saneadas e pode pisar no acelerador do crédito, a partir de 1968, quando saem os primeiros balanços das empresas de capital aberto, percebe-se um salto da economia que logo resvalou para um “boom” nas Bolsas de Valores, em meio ao “milagre brasileiro”, a duplicação e triplicação das taxas de crescimento do PIB entre 1968 e que terminou com a crise do petróleo em 1973, do qual o Brasil só produzia 15%.

Como não se pode medir a economia pelos pregões da Bolsas, havia mais demanda e especulação com ações do que comportavam nossa vã e incipiente economia (sem a modernização da Lei das Sociedades Anônimas, que veio em fins de 1976, complementada pela criação da Comissão de Valores Mobiliários) e sem a escrituração das ações, havia toda a sorte de irregularidades no mercado de ações, sem que a quase impotente gerência de mercado de capitais do Banco Central pudesse coibir os abusos. (Qualquer semelhança com o ambiente de alto risco das aplicações em criptomoedas não é mera coincidência).

Neste ambiente mal regulado, os preços das poucas ações disponíveis foram às alturas, sem o bom senso separar o joio do trigo, e o “boom” da Bolsa virou uma imensa frustração em fins de 1970/começo de 1971. Nem por isso, a economia parou de crescer, a taxas de dois dígitos, comprovando que o mercado de ações e as cotações do IBV (da extinta Bolsa do Rio) ou do Ibovespa, hoje negociado na B3 são parâmetros confiáveis para medir o PIB.



Mercados futuros aguçam as apostas

Introduzidos no Brasil na 2ª metade dos anos 70, já com a CVM em ação, as modalidades de contratos futuros de ações, commodities, moedas e juros, tão comuns nos mercados americanos e europeus e que se espalharam mundo afora. E, como são contratos futuros, as expectativas sobre os juros futuros, que, por sua vez têm as ver com as projeções de inflação. Têm um peso enorme na direção de alta ou baixa das bolsas de ações e mercadorias.

E os contratos futuros, embora sirvam para antecipar expectativas, criaram um paradoxo: suas movimentações excedem em muitas vezes as negociações diárias. Isto posto, quando há uma reversão de expectativas, o mercado se movimenta como manada e os movimentos, sobretudo, os de baixa, quando todos tentam reverter as perdas dos contratos futuros com a sua liquidação antecipa, produzem gargalos e amplificam as perdas. Nas altas, a percepção nem sempre é tão imediata.

Se olharmos apenas as cotações da Petrobras veremos que no dia 21 de outubro, há uma semana do 2º turno, quando as chances de reeleição do presidente Jair Bolsonaro vinham crescendo, em função do bilionário pacotes de medidas eleitoreiras promovidas pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, com ampla cooperação do ministro das Minas e Energia, seu ex-assessor especializado em acompanhar a inflação e os dados do PIB, Adolpho Sachsida, que passou a ter 100% do controle da Petrobras, com a indicação de Paes de Andrade para a presidência executivo, em 17 de maio, foi a data em que o valor de mercado da Petrobras atingiu seu pico: R$ 530 bilhões (o maior valor anterior fora em 1988 – R$ 510 bilhões).

Se Bolsonaro tivesse ganho, Paulo Guedes reverteria muitas das ações eleitoreiras desde 1º de novembro e boa parte das incertezas teriam se dissipado com dois meses de antecedência. Simultaneamente à eleição de Lula para o 3º mandato, com linha econômica diametralmente oposta ao ultraliberalismo de Gudes, que queria privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil, os bancos centrais das principais economias intensificaram as altas de juros para enfrentar a inflação causada pela alta de combustíveis, reflexo da invasão da Ucrânia pela Rússia e das sanções ocidentais ao país de Putin.

A reversão das expectativas foi imediata quando vozes do governo Lula manifestaram a intenção de interromper a venda de refinarias e ativos da Petrobras (que geravam a irresponsável farta distribuição de dividendos, como se fossem lucros operacionais) e, ao contrário, retomar a ampliação da capacidade de refino para aproveitar a vantagem relativa de o Brasil ser autossuficiente em petróleo, 77% dos quais extraídos a baixíssimos custos nas gigantes jazidas do pré-sal. Isso precipitou a queda das ações da Petrobras e do BB, que também saiu da lista de privatização.

O último presidente da Petrobras, Paes de Andrade, que anunciara em novembro que aceitara o convite para assumir uma secretaria no governo de São Paulo, na gestão do ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, pediu demissão da presidência no dia 31 de dezembro e o Conselho de Administração aceitou, no dia 3 de janeiro, quando ofício do Ministério das Minas e Energia comunicou a indicação do senador Jean Paul Prates (PR-RN) para integrar o Conselho de Administração da companhia e a presidência da estatal. Foi o pretexto para novo movimento de baixa especulativa das ações.



Prates acalma o mercado

Numa amostra de que o mercado se comporta como manada e se deixa levar mais por boatos do que por fatos, desta 4ª feita, o presidente indicado da Petrobras deu esclarecedora e tranquilizante entrevista. A estatal não vai abandonar a vinculação dos preços domésticos à variação dos preços internacionais. Apenas vai usar as vantagens comparativas da autossuficiência doméstica em petróleo (a do refino está longe em diesel e GLP) para trocar o imediatismo da Paridade de Preços Internacional-PPI, que atrelada as cotações internacionais à variação do câmbio) para fixar os preços.

De forma alguma, asseverou Prates, haverá intervenção da Petrobras no mercado. Haverá ampla discussão com os agentes do mercado para a definição da nova política (as facilidades atuais dos importadores serão menos, para alguns) e enquanto a Petrobras não convoca uma AGE, para homologar a troca de comando, ele poderia atuar interinamente, para acelerar a montagem da nova política de preços, mais previsível.

Isso é importante porque o presidente Lula terá reunião com os governadores dia 27 de janeiro, para definir um novo Pacto Federativo e praticamente todos os 27 chefes de executivo desejam a volta da cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações cortada temporariamente por Jair Bolsonaro, até 31 de dezembro de 2022, para um máximo de 18% (alguns cobravam mais de 30%). Do mesmo modo, a construção de uma política de preços realistas e justa pode liberar a prorrogação da isenção do PIS/Cofins sobre gasolina e etanol até 28 de fevereiro.

Com a dissipação de nuvens carregadas de especulação, as ações da Petrobras subiram fortemente hoje.