Lula desarma drones e bombas da gasolina
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Enquanto as forças de segurança derrubavam drones suspeitos, e desarmavam bombas em linhas do metrô da capital, para garantir tranquilidade nas ações ao ar livre do presidente Lula, após a posse no Congresso Nacional (onde chegou de carro aberto após missa na Catedral de Brasília), o presidente em seus primeiros atos, com a nomeação de 37 ministros, tratou de revogar atos de Jair Bolsonaro e de desarmar a bomba inflacionária que pairava no ar: a questão da desoneração provisória dos impostos federais (PIS/Cofins) e estaduais (ICMS) sobre combustíveis, que expirou em 31 de dezembro.
Para dar tempo à Petrobras, que será comandada pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) e ao Ministério das Minas e Energia de construírem, com a pasta da Fazenda, uma nova política de preços mais estáveis para os combustíveis (sem risco de pressões inflacionárias na largada do governo) e que leve em conta a vantagem comparativa da produção autossuficiente de petróleo, o governo prorrogou por 60 dias a isenção do PIS/Cofins sobre a gasolina, o etanol, o GNV e o querosene de aviação (QAV), enquanto no diesel, biodiesel e GLP houve prazo maior: 12 meses.
A diferenciação já deixa claro a nova política de preços dos combustíveis: o diesel (acrescido de 12% de biodiesel), produto mais vendido no país e vital ao transporte de cargas por caminhão e trens (há poucas ferrovias eletrificadas) e nos ônibus urbanos, terá tratamento especial. Como o gás de botijão, que aquece o fogão de 90% dos lares brasileiros (nos últimos anos, com a escalada da inflação, nos lares mais pobres faltava dinheiro para a comida e o botijão deu vez ao fogão a lenha). Uma nítida separação para a gasolina e o etanol.
Esboço de política tributária
Embora tenham alto peso na inflação (a gasolina é o item de maior peso entre os 377 itens pesquisados pelo IBGE no IPCA) a gasolina e o etanol, que foram os alvos principais do pacote eleitoreiro de desoneração fiscal provisória de PIS/Cofins de Bolsonaro em julho, extensivo no caso dos combustíveis, energia elétrica e comunicações ao ICMS (cobrado pelos estados e redistribuído aos municípios) são insumos que afetam mais o bolso da classe média e dos mais ricos. Ou seja, os proprietários de carros, motos e jet-sky e aviões (QAV).
Entretanto, a estrutura de preços e de impostos embutidos na gasolina e no etanol (desde a crise do petróleo, em 1973) faz com que a Petrobras e a União arrecadem mais na gasolina e no álcool para subsidiar, direta ou indiretamente o diesel e o etanol. O escopo do novo regime tributário, que será uma das principais reformas do 3º governo Lula, começa a ser desenhado pela guinada de 180 graus em relação aos últimos atos do governo Bolsonaro.
Em julho, junto com a redução de 35% nas alíquotas do IPI, o governo Bolsonaro, em busca de votos da classe média, isentou, de forma temporária, até 31.12.2022, a cobrança do PIS/Cofins sobre o etanol, a gasolina (isenta também da Cide), do GNV e do QAV. Isentou ainda impostos de importação sobre “jet-sky”, usados em suas “motociatas” aquáticas. No mesmo pacote, derrubou de mais de 30% para um máximo de 18% as alíquotas do ICMS sobre comunicações, energia elétrica e combustíveis.
Como os estados perderam receita (em novembro estados e municípios tiveram déficit de R$ 3,7 bilhões, que se juntou ao tombo de R$ 16,5 bilhões no Governo Central, desfalcado de arrecadação pelas isenções tributárias aos mais ricos, houve um déficit recorde de R$ 20,1 bilhões no setor público consolidado. Os estados queriam elevar o ICMS (ainda que em bases inferiores) e o governo federal também pensa da mesma maneira. Afinal, em termos anuais, a receita de PIS e Cofins sobre o diesel é estimada em R$ 18 bilhões. Já na gasolina e etanol, a estimativa é de R$ 34 bilhões.
Evitando impacto na inflação
Mas, seria um tremendo impacto na inflação, com desgaste para o governo que se inicia, um brusco aumento de preços no 1º mês. Ainda bem que há sinais de desafogo na inflação dos alimentos no atacado e em alguns produtos industriais (indústria extrativa, combustíveis, papel e celulose, em especial). Isso ajuda a neutralizar as pressões sazonais de alimentos no varejo e a educação, com o reajuste das mensalidades escolares em janeiro e fevereiro. Se fosse reeleito, Bolsonaro cuidaria da questão com Paulo Guedes desde 1º de novembro.
A trégua de dois meses é suficiente para a construção de sistema de reajustes previsível para os combustíveis, enquanto o governo não apresenta ao novo Congresso, toma posse em 1º de fevereiro, suas intenções sobre a reforma tributária. De qualquer forma, já está anunciada a intenção da inversão da carga tributária: mais eleve para os impostos indiretos que afetam proporcionalmente os mais pobres no consumo do que os ricos.
A isenção tributária de R$ 5,8 bilhões na cobrança de PIS/Cofins nas receitas financeiras das grandes empresas, último ato do presidente em exercício, Hamilton Mourão, e criticado duramente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua tomar posse, pois pode desfalcar a União de R$ 10 bilhões, mostra a guinada pretendida pelo governo Lula: Bolsonaro beneficiou o andar de cima; Lula vai fazer tributação diferenciada (incluindo os preços) na gasolina, QAV, etanol e GNV, frente ao diesel e o GLP, como cartão de visitas.
Alô Eduardo Paes, e os táxis, hein?
Vale lembrar que enquanto abria mão de receitas da União e dos estados e municípios, para aliviar o bolso dos ricos e dos eleitores de classe média, na tentativa de turbinar a campanha de Bolsonaro à reeleição, o governo distribuiu R$ 42,5 bilhões de julho a dezembro, com o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para 600 e o pagamento de seis parcelas R$ 1 mil mensais a caminhoneiros autônomos e taxistas.
Entretanto, beneficiados com a redução dos combustíveis e com mais dinheiro no bolso, os motoristas de táxi, em vez de baixarem as tarifas, conseguiram reajuste nas bandeiradas desde 1º de janeiro, no Rio.
Alô prefeito Eduardo Paes, com a prorrogação da isenção do PIS/Cofins, a prefeitura tem de voltar atrás e baixar as tarifas, pelo menos até fevereiro.
Injustiça fiscal
Lula falou claramente da injustiça fiscal do país em seu discurso no Parlatório, mas deveria ter sido mais claro no tema no discurso de posse no Congresso. Nos dois casos, foi um acerto a leitura de discursos escritos e demoradamente ponderados entre as principais cabeças do governo. No calor da campanha, os improvisos já criaram atritos para Lula. Melhor não criar arestas com o atual e o futuro Congresso que terá forte guinada para a direita.
Lula já conseguiu formar uma provisória base de apoio ao seu governo com a nomeação para algumas das 37 pastas do Ministério de representantes dos partidos de centro e centro esquerda, que ampliam a base original. Ao lado do PT, estão o PC do B, o Psol, o PSB, o PDT, o MDB, o PSD, e o União Brasil (resultado da fusão do PSL com o DEM). O 1º teste será a eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, em 1º de fevereiro. Até aqui, Arthur Lira (PP-AL) concorre à Câmara e Rodrigo Pacheco (PDS-MG) ao Senado. Pacheco, aliás, fez longo discurso, defendendo o papel do Legislativo. Uma demonstração de que os poderes políticos optam pela negociação.
De qualquer forma, está explicitada a prioridade política do governo Lula para com os mais pobres, um contraste notável contra os últimos atos de Bolsonaro em 2022. A taxação sobre juros e dividendos, além de alíquotas mais elevadas sobre os mais ricos parecem itens evidentes na reforma tributária.
Lula e a retomada industrial
Lula tem intenção de retomar o papel estratégico da indústria brasileira, que ficou patente na falta de insumos farmacêuticos (de máscaras e respiradores e vacinas) para o combate à Covid-19, bem como na crise das cadeias produtivas, paralisadas pela falta de microchips.
Para demonstrar a importância da recriação do Ministério do Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Comércio Exterior, que acabou confiado ao vice, Geraldo Alkmin, após recusa do presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, Lula criticou as importações de plataformas de petróleo, combustíveis, fertilizantes, microprocessadores, aeronaves e satélites.
Lula disse que o setor público será o articulador do processo de modernização da indústria. Só faltou falar do complexo da indústria químico-farmacêutica e do complexo militar do Estado (opção para não enviar sinais trocados quanto à política de desarmamento do cidadão, fomentada por Bolsonaro).
Na semana passada a Petrobras anunciou a contratação de duas FPSO no exterior, módulos que são iniciados no exterior e concluídos no Brasil. A escala da exploração do pré-sal, que hoje produz 76% do petróleo brasileiro já recomendava a contratação em série de equipamentos no Brasil. Mas a ganância das empreiteiras, que quiseram avançar também na operação de novos estaleiros, construiu, ao lado de superfaturamentos e atrasos nas entregas de plataformas, o programa foi arquivado (os prejuízos seguem rolados junto ao sistema bancário).
A retomada do parque industrial, obviamente, gera investimentos, emprego e renda e pode fazer a roda da economia rodar. Assim como as oportunidades de mudança da matriz energética brasileira, visando a descarbonização. O país terá um ganho pelo fim das amortizações dos empréstimos externos de Itaipu (100% bancados pelo Tesouro brasileiro), que oneravam as tarifas em dólar.
Mas a visão estreita do mercado enxerga apenas expansão de gastos. Com responsabilidade fiscal, dá para conciliar os dois lados da moeda. Só estão reclamando, é óbvio, os acionistas da Petrobras. A farta distribuição de dividendos sobre lucros, em parte decorrentes da venda de ativos, vai acabar, com mais reinvestimentos no parque de refino e na contratação de projetos de diversificação energética, incluindo novas plataformas no país.