O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

‘Bomba’ de Guedes pifa antes da hora

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Publicado em 14/12/2022 às 18:39

[Paulo Guedes] vai fazer a festa junina em dólar? Anarriê... Foto: Reuters/Adriano Machado

 

Macaque in the trees
Gilberto Menezes Côrtes (Foto: JB)
 

 

Nas falas delirantes e eleitoreiras de Paulo Guedes, ministro da Economia, o PIB (ou seja, a economia brasileira) estava sempre “bombando”. Mas não é isso que os indicadores do IBGE e do Banco Central mostram. Ontem, o IBGE indicou que o volume da Pesquisa Mensal de Serviços-PMS), que vinha puxando a recuperação da economia pós-Covid, contraiu 0,6% em outubro, frente a setembro [o Comércio, que faz parte do Setor de Serviços no PIB avançou 0,4%, desacelerando frente aos 1,2% de setembro]; hoje o Banco Central divulgou o IBC-Br de outubro, que funciona como prévia do PIB do IBGE, e apontou queda de 0,05% em outubro).

Uma retrospectiva dos indicadores mensais do IBC-Br comprova que o pacote eleitoreiro conseguiu turbinar a economia para o período pré-eleitoral. Em maio e junho houve a antecipação do 13º dos aposentados do INSS e liberados R$ 1 mil do FGTS e o IBC-Br cresceu 1,01% em junho e 1,92% em julho, quando o governo baixou o super pacote “de emergência econômica”, aprovada no Congresso, que envolveu cortes de IPI e bilionárias renúncias fiscais temporárias, até 31 de dezembro de 2022 (da União e dos estados e municípios), visando reduções de preços dos combustíveis energia elétrica e comunicações, tudo regado à farta distribuição de R$ 42,5 bilhões no Auxílio Brasil majorado de R$ 400 para R$ 600 e mensalidades de R$ 1 mil a caminhoneiros e taxistas.

Já em agosto, o IBC-Br rateou, com queda de 1,13%, ficou no zero a zero em setembro e caiu 0,05% em outubro. Ou seja, a maquiagem da economia, que antecipou o crescimento para 2022, durou até as urnas serem fechadas. As verdades estão sendo descobertas agora. A economia já rateia neste 4º e último trimestre e prepara o cenário de forte desaceleração para 2023. Se não houvesse tanta aceleração eleitoreira para a economia crescer até 3% este ano (esperava-se de 1,8% a 2,3%), a freada não teria de ser tão brusca para 2023 (espera-se crescimento de 0,7% a 1%, quando poderia ser obtido avanço de 1,5%. A opção pela maquiagem, da forma que foi feita, já começaria a ter os efeitos colaterais corrigidos a partir de 1º de novembro se Bolsonaro fosse reeleito. Feito o estrago, resta ao país dois meses de inação para esperar que o novo governo corrija o que saiu dos trilhos a partir de janeiro de 2023.

 

Críticas têm falta de honestidade

A maioria das críticas na área econômica parte de setores que tinham apostado na reeleição de Bolsonaro e na continuação e aprofundamento das políticas ultraliberais de Paulo Guedes. Na minha experiência de 50 anos de cobertura da economia brasileira posso assegurar: com raras exceções, os economistas nunca são isentos quando dão seus pareceres em entrevista.

Geralmente justificam os conselhos que deram às empresas ou bancos aos quais prestam consultoria. Ou defendem pontos de vista de suas linhas (ortodoxa, ou heterodoxas, ou desenvolvimentistas). Raramente usam os imprevistos do destino ou as incertezas da política para atenuar ou condicionar os pontos de vista. Economistas envolvidos na reforma trabalhista do governo Temer não escondem a defesa intransigente de sua própria obra quando lançam dúvidas sobre a credibilidade fiscal do país a partir de 2023. Mas, omitem a paternidade dos estouros que já ficaram patentes na falta de recursos para as coisas mais comezinhas no final do governo Bolsonaro.

Acho de uma desonestidade intelectual ignorar (ou omitir) que se Bolsonaro fosse reeleito haveria retorno de impostos (como o ICMS dos estados e municípios, talvez não como era antes) nos combustíveis, na energia elétrica e nas comunicações, que produziram a fugaz deflação de junho, agosto e setembro (-1,33% no acumulado do IPCA). [Nada que não possa ser corrigido, harmonicamente entre União, estados e municípios numa ampla reforma tributária, como já adiantou seu mentor, Bernard Appy, que vai assessorar Fernando Haddad na Fazenda]. Enquanto isso, o Copom está projetando queda de 3,6% nos preços administrados este ano e alta de 9,1% em 2023.

A maquiagem para fazer a inflação (que tendia a fechar o ano em torno de 9,5% a 10% e deve fechar abaixo de 6%) cair nas vésperas da eleição, não teria repique tão forte em 2023, nem deixaria o Banco Central em sinuca de bico, enquanto o Federal Reserve prossegue na escalada de juros nos EUA (talvez com redução nas mudanças de 0,75 para 0,50 ponto percentual) gerando diferencial que deixa o BC com menos margem de manobra.

O país está sob dois meses de vácuo de poder. Com o silêncio e a inação de Bolsonaro (antes atuante em campanha, agora retraído, com medo de ações na Justiça, a partir de 1º de janeiro), enquanto veladamente instiga os mais radicais bolsonaristas a repetir a infame invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, na diplomação de Joe Biden e Kamala Harris pelo vice Mike Pence no Parlamento - como se viu na depredação de bens públicos e privados em Brasília, na noite de 2ª feira, após a diplomação de Lula e Alkmin pelo TSE.

 

BNDES volta a ser banco do desenvolvimento

A maior falta de honestidade diz respeito às críticas ao futuro novo comandante do BNDES. Não nutro admiração por Aloizio Mercadante. O considero meio desastrado (ontem surpreendeu o próprio Lula, após o presidente eleito “desmentir os boatos” de que Mercadante iria comandar o BNDES para dizer que o coordenador da equipe de Transição será o próximo presidente, ao citar que o “revogaço” de atos e decretos do governo Bolsonaro já comportava ”23 páginas”, segredo que podia despertar retaliações na discussão da PEC do Orçamento de 2023 e 2024. Lula não escondeu a surpresa. Mercadante nunca foi bom na articulação política, como provou no comando da Casa Civil de Dilma.

Mas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, criado por Getúlio Vargas em 1953, tendo como um dos seus fundadores o economista Roberto de Oliveira Campos, o avô do atual presidente do Banco Central, que depois foi ministro do Planejamento (1964-67) no governo Castelo Branco, que inaugurou 21 anos de regime militar, surgiu para apoiar o desenvolvimento da infraestrutura do país (estradas, ferrovias, portos e indústrias). A única restrição, sobretudo na implantação da indústria de substituição de importações do governo JK (1956-61) era o financiamento a multinacionais, pois era óbvio que eles tinham linhas de acesso a mercado de capitais para trazer recursos ao Brasil.

Na crise do petróleo de 1973, quando o país já apresentava gargalos do excesso de crescimento do “milagre brasileiro” de Delfim Neto (nada mais parecido que a maquiagem festa este ano por Paulo Guedes), o governo Geisel (1974-79) mudou o uso do PIS-Pasep. Antes destinado a financiar o consumo via repasses da CEF às financeiras, foi para o BNDE reforçar o apoio ao desenvolvimento de indústrias de substituição de importações que compensassem na balança comercial o rombo causado pelo petróleo (o Brasil só produzia 15% do petróleo consumido em 1973 e a descoberta da bacia de Campos, em agosto de 1974, só produziria a partir dos anos 80).

Muitos projetos ganharam dimensões exageradas e os subsídios embutidos (correção monetária limitada a 20% ao ano, quando a inflação corria acima do dobro e depois ultrapassou os 100%, no governo Figueiredo) esgarçaram o déficit público, com o agravante de que muitos grupos beneficiados nem abriram o capital (os subsídios que geraram déficits públicos acabaram concentrando a renda para grupos poderosos, como o Votorantim, por exemplo, que criticava os bancos e a ciranda financeira, mas se relevou o maior investidor no “over night” quanto Collor congelou aplicações financeiras por dois anos. O episódio gerou muitas críticas de economistas ao banco.

Paulo Guedes, então assessor do Ibmec, dizia que o BNDE era “o recreio dos bandeirantes”, numa alusão à concentração de créditos ao empresariado paulista. A verdade é que a balança comercial foi ajustada em 1977-78. A segunda crise do petróleo, gerada pela guerra Irã-Iraque, em fins de 1979, em meio à escalada de juros nos EUA, esgarçou de vez as finanças públicas brasileiras e gerou à crise da dívida externa, que eclodiu após a moratória do México, em agosto de 1982, fazendo a economia patinar uma década.

No governo Sarney, o banco ganhou um S, para abrir o leque de suas operações para o social, como projetos de saneamento urbano e mobilidade urbana, como os metrôs. No governo Lula, houve os projetos dos “campeões nacionais”, que repetiu, em escala menor, os erros do governo Geisel, pois, desta vez, as empresas beneficiadas abriram o capital e o BNDES virou sócio, com ganhos repartidos, como foi o caso da JBS e da Marfrig. Mas o envolvimento do BNDES no financiamento de serviços de empreiteiras de engenharia e consultorias brasileiras no exterior (seguindo o modelo do Eximbank, da Hermes e dos países asiáticos, para envolver a exportação de serviços e máquinas e equipamentos e outros bens nos projetos financiados, gerou muitas distorções e guerras de narrativas, devido a calotes da Venezuela de Hugo Chaves e dos financiamentos ao porto de Mariel, em Cuba, todos com participação de grandes empreiteiras brasileiras.

Bolsonaro se elegeu prometendo abrir a “caixa preta” do BNDES. O primeiro presidente, Joaquim Levy, determinou ampla auditoria e nada de extraordinário encontrou. Bolsonaro o demitiu com menos de seis meses de governo e nomeou o jovem Gustavo Montezano. Também nada descobriu de novo, além do que já mostrava o “portal da Transparência do BNDES”.

Mas Montezano iniciou uma feira de liquidações de participações acionárias do banco, em especial de estatais, como Petrobras, BR Distribuidora, Eletrobras e da própria carteira da BNDESPar, o braço de participação do banco no mercado de capitais. As ações da JBS ainda foram mantidas, mas tantas vendas culminaram com a redução de R$ 40 bilhões no capital da BNDESPar, devolvido ao controlador BNDES, que, por sua vez, devolveria o dinheiro ao Tesouro para cobrir parte das benesses eleitoreiras de Paulo Guedes.

Nenhum grande projeto estruturante surgiu no BNDES nestes quatro anos de governo. Nenhum passou para a transição energética, para a indústria 4.0. Mas o BNDES batizou de “fábrica de projetos” os planos de desmobilização das participações acionárias do Estado (União e dos estados) nas áreas de infraestrutura, como energia e saneamento). Apenas transferir a titularidade do público para o privado não merece o alcunha de “fábrica de projetos”.

O governo Lula quer fazer do BNDES um indutor de transformações nas médias e pequenas empresas, por entender que as grandes empresas têm acesso direto ao mercado de capitais (por sinal parecia ser essa a ideia do governo Bolsonaro ao apequenar a BNDESPar). Mas, para indicar Mercadante, que exerceu cargos de direção na Fundação Perseu Abramo, do PT, era preciso cumprir quarentena de 360 dias até assumir uma estatal (empresa ou banco) para um político. O mesmo se aplicaria ao senador Jean Paul Prates (PT-RN).

Mas o futuro governo Lula aproveitou a brecha do projeto de lei 2896/22m que dormitava desde junho na Câmara para mudar a Lei das Estatais (Lei 13.303/16 ) [na época ela seria usada para permitir a troca de comando na Petrobras, diante da resistência do Conselho de Administração em ceder às pressões de Bolsonaro para que a estatal baixasse os preços dos combustíveis, que derrubava sua popularidade]. Pois o texto foi retirado da gaveta pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como parte da negociação em curso para o PT não lutar contra sua reeleição, em troca de posições-chave na mesa diretora e comissões. O texto acabou aprovado na noite de ontem por 314 votos contra 66 e vai para análise do Senado.

Mas poucos observaram que tanto os governos Bolsonaro quanto Lula queriam dobrar a Lei das Estatais, aprovada em 2016, pelo governo Michel Temer, após os escândalos do petrolão. Agora, está aberta a oportunidade para o governo Lula guiar a Petrobras rumo à economia verde, bem como para toda a economia brasileira, com apoio do BNDES a novos projetos. O mercado de ações caiu porque a mudança sinaliza o fim da farra da distribuição de dividendos e da feira de privatização da “fábrica de projetos” do BNDES.

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