O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Histeria sobre quadro fiscal

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Publicado em 09/11/2022 às 18:27

Alterado em 09/11/2022 às 18:27

Gilberto Menezes Côrtes JB

Não posso concordar com o clima de histeria em relação ao quadro fiscal desenhado para o 1º ano do governo Lula pelo comentário de alguns bancos e gestoras de finanças. Todo o esgarçamento das contas públicas foi antecipado já no 1º semestre deste ano, quando o governo Bolsonaro desembrulhou o “pacotaço” para tentar virar o quadro eleitoral adverso: 1º deu calote no pagamento dos precatórios, depois furou o teto de gastos, aprovando um esdrúxulo “estado de emergência” (desmentido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que dizia estar a “economia bombando”), enquanto reduzia eleitoreiramente impostos (até 31 de dezembro) para baratear a energia elétrica, comunicações e os combustíveis, enquanto abria créditos de R$ 42,5 bilhões para molhar a mão dos eleitores (Auxílio Brasil de R$ 600, mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e taxistas e duplicação do Vale-Gás).

Diante do figurino apertado do Orçamento Geral da União para 2023 (Bolsonaro cortou várias despesas em 2022 e antecipou receitas de dividendos das estatais para bancar a farra eleitoral) - e já não teria como bancar o Auxílio Brasil em R$ 600 e o salário mínimo prometido de R$ 1.400 em 2023 -, é preciso um mínimo de racionalidade quando se avaliam os desafios das demandas prometidas por Lula na área social para 2023. Por que os dóceis com Bolsonaro ficaram raivosos com Lula?

Se Bolsonaro fosse reeleito e mantivesse o AB em R$ 600,00 (precisaria R$ 52 bilhões); para Lula dar um adicional de R$ 150,00 por criança até 6 anos (precisaria +R$ 18 bilhões); os R$ 1.400 exigiram quase o mesmo que o aumento real até 1,4% no SM (R$ 12,2 bilhões). Outras prioridades de Lula: recompor o programa farmácia popular (R$ 2 bilhões), zerar a fila do SUS e a vacinação (R$ 10 bilhões).

Mudanças por etapas

Muitas promessas, com o reajuste do funcionalismo e a isenção do desconto do Imposto de Renda na fonte para quem ganha até R$ 5 mil, certamente não serão aplicadas no ano que vem. O pagamento complementar de R$ 150 ao Bolsa Família (sai AB) por filho na escola e carnê de vacinação em dia, pode ser adiável para 2024, pois o cadastro do Bolsa Família precisa ser revisto.

Outras questões poderiam ser atendidas parcialmente no ano que vem: recompor os recursos da cultura e da ciência (exigiria R$ 6,9 bilhões), implementar o piso da enfermagem (R$ 6 bilhões). Adotar as teses no último trimestre de 2023, é cumprir promessas, sem o gasto total. Se a economia começar a reagir pelas próprias pernas, melhora a receita.

A isenção do IR para quem ganhar até R$ 5 mil pode ser anunciada este ano, para valer escalonadamente a partir de 2024 (aplicada 100% custaria renúncia fiscal de R$ 111 bilhões). Mais prudente é incluí-la na reforma tributária. O reajuste de 5% ao funcionalismo público (custaria R$ 17 bilhões) deveria estar dentro da reforma administrativa.

O que não dá para fazer, diante do reforço nas ações da área social, é manter o corte feito por Bolsonaro no PIS/Cofins sobre gasolina, etanol, gás natural, diesel e gás de cozinha (perda de R$ 52,9 bilhões), pois favorece as camadas de maior renda. O auxílio gás, pode ser mantido, pois custa R$ 4 bilhões.

LCA vê muitos desafios

Mesmo que o governo eleito consiga um “waiver” de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões para abrigar despesas primárias não previstas no orçamento de 2023 (e fora do teto de gastos), o cenário fiscal seguirá bastante desafiador no próximo ano, observa a LCA Consultores na revisão do cenário de 2023.

Do lado das receitas primárias, as desonerações adotadas em 2022 – sobretudo a redução de alíquotas de IPI incidentes sobre diversas manufaturas (sobretudo bens de consumo duráveis) e da PIS/Cofins sobre diesel, gasolina e etanol – apontam para uma perda de receitas líquidas recorrentes da União da ordem de R$ 70 bilhões/ano. Há também as perdas de estados e municípios, pela desoneração de IPI (que reduz os repasses aos fundos de participação dos estados e dos municípios) e a redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte público urbano desde julho.

A eliminação total dessas desonerações teria forte impacto inflacionário e representaria um fator restritivo significativo para os orçamentos de famílias e empresas (e, portanto, seria politicamente custoso), diz a consultoria. No campo das despesas e receitas financeiras (para além das receitas e despesas primárias), há fatores que podem elevar muito o déficit nominal, com os juros apropriados sobre a dívida, face à elevação da taxa Selic (hoje em 13,75%, que deve manter patamar elevado em boa parte de 2023).

Outra questão é a possibilidade de que estados obtenham na Justiça o direito a compensações mais vultosas em contrapartida às desonerações tributárias adotadas no período pré-eleitoral (novo baque nas receitas financeiras da União). Por isso, há possibilidade de que tudo, inclusive o endividamento de estados e municípios com a União venha a ser rediscutido no Pacto Federativo dos os governadores em janeiro, conforme disposição de Lula.

Economia desacelerando

O fato é que as projeções da LCA apontam forte desaceleração no PIB neste 4º trimestre (após crescer 1,2% no 2º trimestre, a consultoria projeta tombo de 50% no 3º trimestre, quando o PIB cresceria apenas 0,6% e novo tombo neste 4º trimestre, quando o PIB encolheria 0,3%). O ano acumularia alta de 2,7%.

Já no 1º trimestre de 2023 a consultoria prevê contração de 0,5%. No 2º trimestre haveria crescimento de 0,6%, e de 0,8% no 3º trimestre de 2023. O último período teria modesto crescimento de 0,1%, acumulando o próximo ano alta de apenas 0,5% no PIB.

Acabou o efeito eleitoral?

O fôlego do pacote perdeu efeito já nas vésperas da eleição. Houve queda na produção indústria em setembro, que deve se acelerar em outubro, diante da redução de 13% na margem, sem efeitos sazonais, da produção de veículos em outubro (206 mil unidades). As vendas de veículos, por sua vez, atingiram 180 mil unidades, queda de 15% na margem e avanço interanual de 11%. As montadoras ainda têm falta de componentes eletroeletrônicos importados.

As vendas do comércio saíram melhor que a encomenda em setembro, no 1º aumento em cinco meses. A irrigação eleitoral impulsionou o comércio varejista, cujo volume de vendas aumentou 1,1%, enquanto o comércio varejista ampliado crescia 1,5%. E o IBGE fez revisão (para cima) nos números de setembro: as vendas de combustíveis cresceram 3,8% (e não 3,6%), isso fez o número geral do comércio varejista trocar o sinal negativo de -0,1% para +0,1%. Outros itens caíram na revisão: o vestuário não cresceu 13,8%, mas 9,3%; as vendas de móveis e eletrodomésticos cresceram 0,9% (e não 1%) e materiais de construção, em vez de caírem 0,8%, perderam só 0,6%. Amanhã sai o IPCA de outubro e 6ª o resultado de serviços em setembro.

Bradesco cai lucro; hoje, BB; amanhã, Itaú.

Os balanços dos maiores bancos brasileiros no 3º trimestre (julho a setembro, quando houve deflação) prenunciam tempestade. Após o sopro artificial na economia, as medidas eleitoreiras para baixar a inflação já são passado (embora a enxurrada de dinheiro para o eleitor tenha feito crescer 1,1% o volume de vendas do varejo em setembro e 1,5% as do varejo ampliado, que inclui veículos, autopeças e matéria de construção), começam a vir os efeitos colaterais da desaceleração da economia em meio a juros altos e previsão de tombo no PIB em 2023, que limitam os planos iniciais do governo Lula.

Depois do espanhol Santander ter queda de 29% em relação ao lucro do 3º trimestre de 2021, com forte aumento das provisões para devedores duvidosos, sobretudo pessoas físicas, ontem foi a vez do Bradesco 2º maior banco privado do país, apresentar seu lucro recorrente: R$ 5,223 bilhões (queda de 25,8% frente ao 2º trimestre), enquanto as novas provisões para devedores duvidosos (R$ 7,267 bilhões) aumentaram 36,8% no trimestre, somando R$ 50,3 bilhões, e 116,4% sobre o 3º período de 2021. A inadimplência acima de 90 dias das pessoas físicas subiu no período de 3,6% (setembro de 2021) para 5,1%; nas pequenas e micro empresas, foi de 2,7% para 4,5% no mesmo intervalo.

Em entrevista nesta 4ª feira, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior disse que a inadimplência registrada no balanço “tem nome e sobrenome: está em pessoa física, em cartões e crédito pessoal”. E acrescentou que a área das micro e pequenas empresas foi o universo mais afetado. "Observamos o quanto o momento econômico afetou pequenas e microempresas", disse Lazari.

Vale dizer que a carteira ampliada de crédito do Bradesco somava R$ 878,5 bilhões em setembro, com crescimento de 2,7% no trimestre e de 13,6% em 12 meses. As pessoas físicas representavam 40,1% do total (R$ 352,6 bilhões), com crescimento de 3,3% no trimestre e 16,2% em 12 meses. Os empréstimos às grandes empresas (39,9%) somavam R$ 351,3 bilhões, com expansão de 2,4% no trimestre e 13,9% em 12 meses. Já as operações com pequenas e micro empresas somavam R$ 174,5 bilhões (19,8%), já foram contidas, com expansão de 2,3% no trimestre e 8,2% em 12 meses. O Bradesco ainda transferiu, com desconto, parte da carteira problemática para terceiros.

Embora o Bradesco localize os problemas, foram as áreas problemáticas que mais cresceram em volume no período: as operações com crédito consignado que somaram R$ 88,3 (25% dos créditos a pessoas físicas, sendo que os descontos nas folha de funcionários públicos e aposentados do INSS dominam 97% da carteira) cresceram 2,6% no trimestre e 7,1% em 12 meses. Mas as operações com cartões de crédito (com os juros mais altos e problemáticos da economia) somaram R$ 65,7 bilhões (18,6% do total para PF) aumentaram 4% no trimestre e 38,8% em 12 meses. Já o crédito pessoal (R$ 57,1 bilhões, 16,2% da carteira de PF) avançou 3% no trimestre e 19% em 12 meses).

Margens comprimidas e deflação

Ao analisar o balanço, a Genial Investimentos chama a atenção para algumas questões: “perdas na margem com mercado (tesouraria), aumento substancial na provisão de devedores duvidosos (PDD) e queda no resultado financeiro da seguradora por conta da deflação ocorrida no trimestre”. Os planos de aposentadoria levam as seguradoras a terem muitos papéis de longo prazo atrelados à inflação na carteira e a deflação no trimestre passou de 1,33%. Houve fraco desempenho em receitas de conta corrente (banco segue encolhendo agências, forçando clientes a usar aplicativos do celular e o PIX).

A Genial acredita que tesouraria e seguros devem melhorar nos próximos trimestres. A piora da qualidade de crédito, leva a gestora a prever que “as despesas com provisões devem aumentar de R$ 7,3 bi no 3º para algo entre R$ 8,1 bi a R$ 10,1 bi no 4º trimestre, ou seja, os resultados com baixa rentabilidade devem continuar, com melhora ao fim do 1º semestre de 2023. O ROE do 3º trimestre foi de 13,0% contra 18,1% no 2º. A Genial acredita que o Bradesco pelo perfil da clientela, será o mais favorecido no governo Lula.

O Banco do Brasil divulga seus resultados hoje à noite, após o fechamento das bolsas. É possível que o BB repita a orientação do governo Bolsonaro à Petrobras, realizar o máximo de lucros, para antecipar a distribuição de dividendos para a União cobrir os rombos dos gastos eleitorais. Amanhã será a vez de conferir o desempenho do Itaú, que apresenta dados consolidados de sua atuação na América Latina (é preciso decupar os dados de Brasil).


E o Trump, ó!

A melhor notícia da semana parece estar vindo dos Estados Unidos. A derrota acachapante que, segundo o ainda inconformado ex-presidente Donald Trump, o Partido Republicana infligiria ao Partido Democrata de Joe Biden nas eleições legislativas e alguns governos estaduais, não se confirma. Os democratas podem manter a maioria no Senado, ceder poucas cadeiras na Câmara e ainda manter estados importantes visando o Colégio Eleitoral de 2026.

Trump, que sonhava com o GOP (Grand Old Party) sair fortalecido em uma votação robusta dos republicanos, parece ter sido duplamente chamuscado. Não fez o que prometia e ainda viu surgir, no governador reeleito da Florida, Ron DeSantis um potencial concorrente na convenção republicana de 2025. Espera-se que o resultado tenha reflexo sobre o bolsonarismo no Brasil.

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