O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Após eleição, inflação e rombo fiscal

Embora os investidores tenham reagido positivamente à eleição do ex-presidente Lula, foram surgindo números da dureza do quadro fiscal deixado por Bolsonaro. O atual governo encolheu em mais de 90% os gastos para a compra de ônibus escolar, da merenda das escolas, das creches, da segurança hídrica no Nordeste, da agricultura familiar para reforçar os gastos eleitorais

Publicado em 07/11/2022 às 15:50

Alterado em 07/11/2022 às 16:53

Gilberto Menezes Côrtes JB

Uma semana após a vitória do ex-presidente Lula em eleição apertada, enquanto a equipe do novo governo procura conhecer a verdadeira situação das finanças públicas, esgarçadas pelo bilionário pacote eleitoreiro de Bolsonaro, que não deixou margem nem para cumprir suas promessas para 2023 e muito menos as demandas sociais do futuro governo Lula, a realidade bate às portas da economia e já é percebida no mercado financeiro.

O IBGE divulga vários indicadores esta semana: na 4ª feira, 9, a pesquisa mensal do comércio de setembro (o Santander espera alta de 0,50% no volume de vendas do varejo ampliado sobre agosto; a LCA Consultores, espera alta de 0,50% no varejo restrito e de 1% no ampliado, que inclui automóveis, motos, autopeças e material de construção); na 5ª feira sai o IPCA de outubro e na 6ª feira, 11, a Pesquisa Mensal de Serviços (o Santander espera expansão de 0,30% e a LCA, de 0,40%).

As previsões dos principais bancos e consultorias é de que depois de três leituras deflacionárias (-0,68% em julho, -0,36% em agosto e -0,29% em setembro), fortemente influenciadas pelas reduções de tributos sobre bens essenciais, são de que o IPCA volte a ficar no terreno positivo em outubro. A alta de preços será puxada por alimentação no domicílio, pelo arrefecimento dos efeitos baixistas das desonerações de combustíveis e uma alta atípica na inflação de passagens aéreas.

O mercado, de acordo com a Pesquisa Focus divulgada hoje pelo Banco Central, espera de 0,42% a 0,45% de alta no IPCA de outubro. Mas a LCA prevê alta de 0,49%. O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco estima uma “alta de 0,50% decorrente de uma pressão nos preços de alimentos e menor alívio em combustíveis”. Já o Santander espera que o IPCA suba 0,52%. Como o IPCA subiu 1,25% em outubro do ano passado, o Santander prevê continuidade no recuo da taxa em 12 meses para 6,4% em outubro, ante 7,2% em setembro e o pico em torno de 12% verificado em abril.

Mas o Departamento Econômico do Santander, chefiado pela economista Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional, considera que a dicotomia entre a expectativa de continuidade da desaceleração nos bens industriais (e outros preços flexíveis ou voláteis) e a projeção de que a inflação de serviços permaneça persistentemente elevada por um tempo (como reflexo de um mercado de trabalho apertado), deixará uma tarefa difícil para o Banco Central trazer a inflação de volta ao centro da meta (3%) em 2024. O banco espanhol projeta inflação do IPCA no intervalo de 5,0-5,5% ao fim de 2022 e 2023.

Juros podem cair menos?

Na pesquisa Focus, a mediana das projeções do mercado financeiro apontou pequena reversão da curva baixista da inflação de 2022 (subiu de 5,61% na semana passada para 5,63%, enquanto as apostas dos últimos cinco dias úteis se elevaram a 5,66%). Para 2023 ficaram estáveis em 4,94%. E o mercado espera que a taxa Selic feche 2022 em 13,75% ao ano e caia a 11,25% em 2023, com a 1ª baixa já no fim do 1º semestre. Isso num cenário de alta de 2,77% no PIB deste ano e apenas 0,70% em 2023.

O Santander é mais pessimista e projeta a queda de juros apenas no 2º semestre de 2023. Por isso, com menor tempo para cortes na taxa básica de juros, espera a Selic em 12,00% ao fim de 2023”

Quadro benigno se esvai

Embora os investidores tenham reagido positivamente à eleição do ex-presidente Lula, foram surgindo números da dureza do quadro fiscal deixado por Bolsonaro. O atual governo encolheu em mais de 90% os gastos para a compra de ônibus escolar, da merenda das escolas, das creches, da segurança hídrica no Nordeste, da agricultura familiar para reforçar os gastos eleitorais. Não sobrou recursos para Bolsonaro manter o Auxílio Brasil em R$ 600 (o Orçamento de 2023 prevê apenas R$ 405) e muito menos o salário mínimo de R$ 1.400.

Então, o que dizer para Lula manter a promessa de ampliar os gastos sociais, acabar obras paradas, aumentar os recursos para acabar com a fila do SUS, aumentar o limite de isenção do imposto de renda para R$ 5.000? Junto com intenção de dar aumento real (acima da reposição da inflação) ao salário mínimo, isso exigiria um aumento do pé direito do teto de gastos, ou seja, um aumento definitivo e não temporário, entre R$ 200 e R$ 300 bilhões.

O mercado está refazendo as projeções de aumento da relação Dívida/PIB, aumento do risco fiscal, pressão sobre a taxa de câmbio. Ao mesmo tempo, mais gastos do governo gera aumento da demanda e queda da taxa de desemprego, que deverá fechar 2022 próximo a 8% da força de trabalho, já muito perto do nível que começa a gerar pressão inflacionária.

Neste cenário, em que o quadro benigno programado pelo ministro da Economia Paulo Guedes se esvaiu antes das urnas fecharem (mas a população só agora começa a conhecer a realidade), o Santander considera que “o próximo movimento do Banco Central do Brasil deverá ser para cima, ao contrário do que estava sendo esperado até este momento”.

Na última semana, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra, destacou a necessidade de uma desaceleração mais consistente dos preços dos serviços do que o observado recentemente. É relevante para Serra que a variação destes preços se aproxime de um nível mais próximo da meta inflacionária (3% em 2024). A Genial Investimentos e a LCA, assim como o Santander, entendem que o efeito neutro do mercado de trabalho sobre a inflação desapareceu. Como a redução temporária dos impostos sobre combustíveis, energia e comunicações acaba em 31 de dezembro, vem repique em janeiro e fevereiro.

O diretor do Banco Central, que está no leme da política monetária, considera necessário que o hiato do produto aumente para que seja alcançada essa desaceleração em serviços (que representam a maior parcela do PIB). Ele também comentou sobre o mercado de trabalho que está mais apertado do que antes da pandemia, mas ponderou que a reforma trabalhista pode ter reduzido a taxa de desemprego de equilíbrio. Ele também não observou ganhos reais nas negociações salariais.

Itaú já vê quadro diferente

O Itaú, que tem um indicador próprio do mercado de trabalho, (o IDAT-Emprego, que mede a variação interanual do estoque de emprego formal do setor privado) indica que ele avançou 4,8% em outubro (6,2% em setembro), isso indica que com “a forte desaceleração do crescimento, a população ocupada caiu marginalmente”. O IDAT-Salário, que estima a variação interanual do salário médio nominal de trabalhadores formais do setor privado, teve um aumento de 8,9% em outubro, ante 9,5% em setembro, na média móvel de 3 meses, e voltou ao mesmo patamar do começo de 2022.

Para o Departamento de Estudos Econômicos do Itaú, o IDAT-Emprego dá sinais de perda de força do mercado de trabalho formal. “Os dados do IBGE de setembro (PNADC) já mostravam desaceleração do setor informal. Os dados do IDAT de outubro mostram que o emprego formal também deve perder tração nos próximos meses”. O banco estima que o PIB cresça apenas 0,5%.

Isso deixa o quadro fiscal mais complexo para o 1º ano do governo Lula. O Santander, entende ser necessário aprovar uma emenda constitucional (PEC) para acomodar um total não inferior a R$ 100 bilhões em despesas acima do limite constitucional (teto de gastos) - só a manutenção do valor mensal de R$ 600 no Auxílio Brasil, gera um aumento permanente dos gastos federais estimado em torno de R$ 50 bilhões.

Os dados de setembro mostraram que o setor público registrou superávit de R$ 10,7 bilhões, acima dos R$ 5,5 bilhões estimados pelo Santander. A principal surpresa altista foi o saldo primário dos governos regionais (+R$ 0,3 bilhão), dado um menor efeito (por ora) da legislação que limitou o ICMS sobre bens essenciais. O superávit primário do setor público parece ter atingido o pico em julho, caindo 0,6 p.p. para 1,9% do PIB em setembro. Projetamos superávit primário consolidado de R$ 100 bilhões (1,0% do PIB) este ano.

Para o banco espanhol, embora esse seja um desempenho ainda sólido, uma expansão fiscal já contratada (o banco calcula expansão de cerca de 2 p.p. do PIB, com impulsos tanto do lado das desonerações como do lado das despesas), aliada ao esperado arrefecimento dos ciclos de commodities e da atividade econômica, provavelmente levará ao retorno a um déficit primário em 2023. O banco espera que os governos regionais apresentem resultados negativos daqui para frente devido ao efeito da desoneração do ICMS.

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