O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

O OUTRO LADO DA MOEDA

Bahia dá régua e compasso a Lula

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Publicado em 05/10/2022 às 17:30

Alterado em 05/10/2022 às 20:13

Gilberto Menezes Côrtes JB

Findo o 1º turno, com vantagem de 6,197 milhões de votos para Lula, começaram as primeiras movimentações de apoio entre os governadores eleitos para Lula ou Bolsonaro no 2º turno. Duas adesões de governadores reeleitos, mas que não explicitaram votos no 1º turno, foram muito celebradas pelo QG de Bolsonaro: o governador Romeu Zema (Novo), aprovado por 56% dos mineiros, e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal. Minas 2º colégio eleitoral do país, depois de São Paulo, é considerado o fiel da balança nas eleições. Em Brasília, o peso é bem menor.

Desde o pós-guerra, só Getúlio Vargas venceu, em 1950, sem fazer maioria em MG. Como Lula venceu no 1º turno com vantagem de 563,5 mil votos, a descida do muro de Zema foi comemorada como indício de virada pelo QG de Bolsonaro. Mas aqui para nós: embora mineiro seja muito dissimulado, dá para acreditar que boa parte dos 10,490 milhões de mineiros que votaram em Lula (muito mais do que os 6.094 milhões obtidos por Zema) venha a mudar o voto no 2º turno?

Quando se olham as diferenças pró-Lula e a favor de Bolsonaro nos principais colégios eleitorais do país, percebe-se que o fiel da balança até aqui foi a Bahia. Com os 5,873 milhões de votos para o ex-presidente Lula, o 4º maior colégio eleitoral do Brasil deu a 2ª maior votação entre todos os estados brasileiros ao petista (só perdeu para os 10,490 milhões obtidos por Lula em São Paulo, onde perdeu por 1,749,9 milhão de votos para Bolsonaro). Mas a vantagem de 3,802,5 milhões de votos na Bahia (61% de toda a diferença no 1º turno).

Isso garantiu a Lula superar as perdas no Sul e Sudeste, onde Bolsonaro livrou vantagem de 984,1 mil votos sobre Lula. Como disse Gilberto Gil, nos anos 70, quando escreveu os magistrais versos de “Aquele Abraço”, a canção de despedida para o exílio em Londres, forçado pela Ditadura, “meu caminho pelo mundo, eu mesmo traço; a Bahia já me deu, régua e compasso; (...) pra você que me esqueceu: aquele abraço”. O caminho para a volta de Lula passa pela manutenção dos votos na Bahia e na agregação dos eleitores de Simone Tebet e Ciro Gomes, que somaram 8,014 milhões de votos.

Lula vence com 30% dos votos de Simone e Ciro

À exceção da eleição de 2006, quando a votação de Geraldo Alkmin (PSDB) encolheu no 2º turno, o eleitor não troca de voto para o competidor que se saiu melhor no 1º turno. E vice versa. Sobretudo nesta eleição, na qual o radicalismo antecipou o 2º turno para o 1º, em 2 de outubro. No 1º turno houve ausência de 32 milhões de eleitores (20,95%). A abstenção tende a subir até um ponto percentual no 2º turno e superou, no Sudeste, onde estão 43% dos eleitores), a média nacional, chegando a 22,78% em MG e 22,74% no Rio de Janeiro. Em São Paulo foi de 21,61%.

Mas, se cada um dos dois mantiver o cacife amealhado no 1º turno, o fator que vai garantir a vitória em 30 de outubro é a conquista do espólio de eleitores de Simone Tebet da coalizão (MDB, PSDB e Cidadania), que ficou com 4,915 milhões de votos, e de Ciro Gomes (PDT), que teve 3,599 milhões de votos. A soma dos votos de ambos (8,014 milhões) foi superior à diferença de 6,197 milhões de Lula sobre Bolsonaro. Só em São Paulo a dissidência ficou em 2.540 milhões de votos.

O PDT já aderiu à companha de Lula no 2º turno. O Cidadania, também. PSDB e MDB, que já estavam rachados no 1º turno, com uma parte apoiando Lula, tendo a pende para Lula no 2º turno, sobretudo no Rio Grande do Sul, onde MDB deve se aliar a Eduardo Leite, do PSDB, para impedir a vitória de Onix Lorenzoni, ex-ministro de Bolsonaro. Mas o eleitor já não tem mais cabresto, como faziam os velhos “coronéis” do século passado.

Com as migrações a partir do fim dos anos 70 para os centros urbanos, onde as igrejas evangélicas e pentecostais avançaram em áreas que antes eram majoritariamente da Igreja Católica, surgiram “novos coronéis”: os pastores evangélicos que controlam rebanhos bem mais numerosos. A disseminação das “fake News” e orientações disparadas em massa na véspera do 1º turno, com falsas ameaças à liberdade de culto (o Brasil é um Estado laico, que admite todas as crenças) ajudaram a explicar a maciça mudança de voto de última hora para candidatos bolsonaristas, o que não foi percebido nas pesquisas feitas depois do último debate na TV Globo, que terminou na madrugada do dia 30. Valeu mais a versão do que a realidade exibida na TV.

São Paulo, a cidadela disputada

Vejam o caso de São Paulo, onde se trava o destino do país hoje e pós Bolsonaro, se ele não for reeleito, mas conservando forte base de apoio do bolsonarismo na Câmara e no Senado. O candidato do PSBD, o governador Rodrigo Garcia, foi atacado pelo PT durante a campanha, pois o partido acreditava que seria mais fácil para Fernando Haddad e Lula enfrentar o candidato de Bolsonaro, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), escolhido como seu sucessor, em 2026. Desidratado nas urnas, Garcia destilou a mágoa declarando o voto no ex-ministro.

Embora boa parte dos seus eleitores já tinham se bandeado para Tarcísio, a indicação pode influir e configurar a situação mais complicada na “abertura do espólio de Simone Tebet e Ciro”, que conquistaram 2,540 milhões de votos em São Paulo, bem mais do que a diferença de 1,750 milhão de votos a favor de Bolsonaro. Lula venceu na capital e região metropolitana, mas é preciso muito tato para não melindrar os eleitores do interior. A entrevista de Lula ao “Programa do Ratinho”, do SBT, quando chamou Bolsonaro de “capiau” e de “chucro”, foi explorada pela campanha do presidente para despertar o orgulho dos paulistas do interior, ofensa compartilhada com paranaenses e mineiros do Triângulo.

Os nervos estão à flor da pele e dão oportunidades a que se explorem falsas divisões entre os brasileiros.

Sulistas X Nordestinos

No Sul e no Centro Oeste Bolsonaro avançou sobre o eleitorado de Lula, quando o ex-presidente criticou os empresários do agronegócio como predadores do meio-ambiente - boa parte dos que atuam no Centro Oeste e na região do Matopiba (sul do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e noroeste da Bahia) vieram de famílias de agricultores sulistas -, surgiu uma reação conjunta (bem explorada pelas redes sociais de Bolsonaro) para intrigar Lula com o agronegócio. Já agora, a preferência absoluta do Nordeste por Lula está sendo debochada nas redes sociais ligadas à campanha de Bolsonaro. Estes acusam os nordestinos (e os mais pobres, que estão concentrados na região) de não saberem votar e pregam a separação do Sul dos demais estados brasileiros.

A campanha de Lula precisa contrapor-se a isso e lembrar aos milhões de nordestinos que migraram para Brasília, a Amazônia e o Sudeste do Brasil e intenção de tratá-los como cidadãos de 2ª classe. Vale lembrar que no Rio de Janeiro, pela forte emigração de paraibanos para atuar na construção civil na então capital federal, nos anos 50, os nordestinos em geral são chamados de “paraíbas”, enquanto em São Paulo, o afluxo maior de emigrantes da Bahia gerou a expressão “baianos” para todos os nordestinos.

O exemplo mais flagrante foi uma manifestação do presidente Jair Bolsonaro contra os governadores que aplicaram restrições de circulação durante a fase mais crítica da pandemia da Covid-19, em 2020:

“Dos governadores ‘paraíbas’ (sic) o pior é o do Maranhão”. Flávio Dino, governador do Maranhão pelo PSB, deu o troco. Eleito senador garantiu a 4ª maior vantagem pró Lula no 1º turno, no estado que é o 12º colégio eleitoral do país: 1,619 milhão de votos. À frente vieram o Ceará, com 2,2 milhões de votos, a 2ª maior vantagem, que tende a se alargar, com a agregação de boa parte dos 450 mil votos de Ciro e Tebet. Pernambuco teve a 3ª maior vantagem de Lula: 1,927 milhões.

Nos nove estados do Nordeste, só um ex-ministro de Jair Bolsonaro teve sucesso nas urnas: o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Político com experiência, responsável pelas obras finais de transposição das águas do São Francisco para a região (Bolsonaro encontrou 88% do serviços feito e investiu pouco mais de R$ 1,2 bilhão dos R$ 12,3 bilhões gastos nas obras, iniciadas por Lula, e tocadas por Dilma e Temer), Marinho foi eleito senador no Rio Grande do Norte. O ex-ministro do Turismo, o sanfoneiro de plantão, Gilson Machado, fracassou em Pernambuco. O ex-ministro da Cidadania, João Roma, responsável pelo Auxílio Brasil turbinado teve menos de 10% dos votos para o governo da Bahia.

A derrota mais acachapante foi no Piauí. A terra do senador licenciado Ciro Nogueira (PP), que chegou a se afastar da Casa Civil na reta final da eleição para se envolver na campanha estadual, viu o candidato do PT a governador vencer no 1º turno, com 57% dos votos, o ex-governador Wellington Dias, também do PT ser eleito senador com mais de 51% dos votos e registrou o maior percentual de votos para Lula entre as 27 unidades federativas do país: 74,25%, com apenas 19,90% para Bolsonaro. Em Alagoas, terra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), a irrigação de verbas milionárias do Orçamento Secreto garantiu uma derrota mais honrosa: 56,50% para Lula, contra 36,05% de Bolsonaro.

 

Os prós e contras de Lula e Bolsonaro

Macaque in the trees
. (Foto: OLM)

 


Abrindo os cofres

Mas a Justiça Eleitoral precisa ficar vigilante para impedir que o governo federal abra os cofres para beneficiar (em total desigualdade) a reeleição de Bolsonaro. Ele já prometeu pagar o 13º salário do Auxílio Brasil a 17 milhões de mulheres cadastradas. Trata-se de aceno eleitoreiro para reduzir a forte rejeição que tem no eleitorado feminino (não há 13º no Auxílio Brasil, como não havia no Bolsa Família e a legislação não permite mais benesses no período eleitoral). É um aceno que pode não depender mais dele, se Lula ganhar.

Mas o governo espera colher simpatias para Bolsonaro com antecipação do pagamento do INSS, do Auxílio Brasil e dos auxílios caminhoneiro e taxistas, além do Vale gás, para a penúltima semana de outubro, deixando o eleitor com dinheiro no bolso na reta final da eleição no 2º turno. Até aqui, pouco funcionou. A última cartada será iniciar após dia 15, através da Caixa Econômica Federal, o financiamento do crédito consignado a quem teve acesso ao Auxílio Brasil. Oficialmente, o AB acaba em 31 de dezembro de 2022 - como todas as benesses eleitoreiras de Bolsonaro. Quem tomar crédito, arrisca a ficar inadimplente. Por isso, os grandes bancos fugiram desta operação.

Outro foco de atenção para a Justiça Eleitoral são os sites do governo. Bolsonaro se apropriou da bandeira e outros símbolos do Brasil na campanha. A lei eleitoral fez sumir as propagandas subliminares. No começo de 2022 surgiram na TV as propagandas ufanistas do MEC. Saíram do ar quando veio à tona o escândalo das propinas intermediadas pelos pastores evangélicos que traficavam verbas do FNDE (parou tudo quando o ministro Milton Ribeiro teve de se demitir para evitar que Bolsonaro queimasse mais que a cara). Os Correios, a CEF, o Banco do Brasil e o Ministério do Turismo andaram fazendo propagandas subliminares na campanha.

Deu chabu na indústria?

O IBGE divulgou hoje o que pode ser a primeira de algumas más notícias que o governo não esperava para este 2º turno. Depois de crescer 0,6% em julho, a indústria encolheu 0,6% em agosto. Com isso, a indústria acumula queda de 1,3% no ano e um tombo de 2,7% nos últimos 12 meses.

O granizo e a geada no café

Nas últimas 24 horas, a lavoura de café do Brasil, concentrada no Sul de Minas Gerais, sofreu um grande baque com uma forte tempestade de granizo, que destelhou casas e galpões e arrasou outras lavouras. As perdas são enormes. Os cafezais estavam na época da floração (as redes sociais exibiam até a semana passada, morros e morros de cafezais onde o verde das folhas era substituído pelo branco da florada); desde ontem, as imagens mostram enorme devastação, cujos impactos serão sentidos pelos produtores este ano e nos próximos dois anos. Menos mal que o café só representa hoje 4% das exportações brasileiro e, desde a geada de 1975, a lavoura do tipo arábica (o mais valorizado) se espalhou por vários estados, além do Espírito Santo, que concentra a produção do robusta (ou conilon).

Em julho de 1975, quando a lavoura de café era concentrada no Paraná e em São Paulo, uma forte geada destruiu a maior parte dos cafezais dos dois estados. Isto provocou enorme mudança na agricultura brasileira, com reflexos na balança comercial. O café ainda era um dos carros-chefe das exportações (não tinha mais os 80% das receitas cambiais do fim dos anos 60 e já era superado pelos minérios), mas a erradicação dos cafezais mudou radicalmente o interior do Brasil e até as grandes cidades.

Para começar, pôs fim ao regime do colonato nas fazendas paulistas e paranaenses. As famílias de emigrantes italianos, espanhóis e de outras regiões da Europa, atraídas para o Brasil quando a escravidão começou a ter os dias contados pela Lei Aberdeen, da Inglaterra, de 1845, que impunha sanções comerciais aos países que mantinham a escravidão dos negros africanos, conseguiram dos fazendeiros o acesso à terra plana e rica (terra roxa) dos dois estados. Em troca do cultivo do café, podiam plantar milho, feijão e mandioca nas “ruas” do café, em regime de meia ou terça (50% ou 30% da produção repartidos com o patrão).

Com a destruição dos cafezais, que foram arrancados, os paranaenses embarcaram na produção mecanizada de soja (em regime de rotação com o milho); os paulistas adotaram a monocultura da cana de açúcar ou da laranja, valendo-se da contratação temporária (os boias frias) para a colheita da cana, da laranja e dos cafezais, que migraram para MG. Muitos migraram para as cidades, com a população das periferias inchando a partir dos anos 80. O que agravou mais o abastecimento. Para se livrar dos encargos, os fazendeiros inscreveram os lavradores no Funrural, o que desequilibrou a Previdência Social.

Com a sofisticação da mecanização, (várias lavouras, inclusive o café, reduziram muito o uso de mão de obra) o país que já era campeão em café, açúcar e suco de laranja, tornou-se o “celeiro do mundo” em soja, milho (2º exportador), algodão (2º), e 1º em carnes (de frango e bovina). Graças à tecnologia de sementes da Embrapa, a produtividade cresceu muito no Centro-Oeste, hoje o celeiro do Brasil, desbancando o Paraná.

Não havia crise de abastecimento no país há muitos anos. O fenômeno voltou a ocorrer no governo Bolsonaro, com o excesso de liberalismo na gestão das super safras brasileiras. Houve exportação em excesso, não se cuidou da formação de estoques reguladores (em setembro de 2020, o país teve de importar soja para fazer óleo).

Vamos ter impactos das geadas em Minas Gerais e no Vale do Paraíba. Lavouras de café, banana e fruticultura, além de lavouras temporárias (chuchu, outras hortaliças e legumes) vão sofrer. As de ciclo curto permitem recomposição em até três meses. As de ciclo longo, como o café, vão gerar grandes prejuízos e impactos nos preços. O preços do café já aumentou mais 57% este ano e as cotações dos contratos futuros para entrega em dezembro subiram mais de 2% (em dólar) hoje na Bolsa de Mercadorias de Nova Iorque.

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