O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Dá para acreditar na nova Lei das Estatais?

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Publicado em 22/06/2022 às 15:20

Alterado em 22/06/2022 às 17:10

Gilberto Menezes Côrtes JB

Na sua famosa obra “Il Gattopardo”, traduzida no Brasil como “O Leopardo”, que virou um belíssimo filme de Luchino Visconti, com Alain Delon e Cláudia Cardinalli, retratando a Itália (Sicília dos anos 1860), quando o país estava em processo de reunificação, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, transformou em clássico dos manuais de política a frase na qual o já decadente conde Salina (Burt Lancaster), que tinha o brasão do Leopardo, ensina ao jovem sobrinho Tancredi (Delon): “É preciso mudar para tudo continuar no mesmo lugar”.

No Brasil, com o país desgovernado, enquanto os crimes correm solta na Amazônia, o presidente Bolsonaro, para espairecer dos reveses na política de combustíveis, que joga gasolina na fogueira da inflação, que derruba seus índices eleitorais, vai fazer motociata eleitoral em Manaus, a capital do Amazonas, estado onde foram mortos o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips. Justo em Manaus onde a combinação do descaso federal com o estadual provocou o maior morticínio da Covid-19, em janeiro de 2021, por falta de oxigênio para socorrer a população nos hospitais.

Qual um viajante perdido, para quem qualquer indicação pode ser um bom caminho, Bolsonaro ficou sem rumo após o último reajuste de preços aprovado pela diretoria da Petrobras, dia 17 de junho, para vigorar a partir de 18 de junho (sábado) elevar em 5,19% o litro da gasolina nas refinarias e em 14,26% o diesel. Anulou boa parte do esforço de redução da inflação mediante baixa de impostos (ICMS) na energia elétrica, telecomunicações e combustíveis, com o empurrão adicional da redução do PIS/Cofins sobre gasolina e etanol.

Premido pela urgência do calendário eleitoral e pela resistência do presidente da Petrobras, José Mauro Coelho em pedir demissão para facilitar a efetivação do substituto indicado desde 12 de maio (Caio Paes de Andrade), o governo abriu as baterias contra Mauro Coelho e a Petrobras. Além de discutir a política de preços da Petrobras (que desdenhou no ano passado, quando a oposição no Senado propôs a criação de um fundo de sustentação para o preço do diesel e demais combustíveis), o governo, atropelado pela escalada dos combustíveis após a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, quer criar uma mudança para fingir que não tem culpa na gestão dos combustíveis.

Bolsonaro, de origem italiana, age como o Conde Salina: quer mudar tudo para voltar ao mesmo lugar (Dilma já falou na “guinada de 360 graus”, lembram? Ao lançar a ideia de uma CPI da Petrobras (o governo investigando a si próprio, ou sua incapacidade, é algo inédito), havia dois objetivos: tirar a responsabilidade das costas do governo Bolsonaro e centrar na Petrobras e forçar a saída de Mauro Coelho para uma nova diretoria implementar mudanças. Coelho sentiu a pressão e se demitiu na manhã de 2ª feira, antes da abertura dos mercados.

 

Sinais positivos no horizonte?

O governo tem pressa por fatos positivos, mas os efeitos da baixa dos impostos em combustíveis, energia e telecomunicações, atenuados pelos últimos reajustes, só vão fazer algum efeito na baixa da inflação quando o eleitor estiver apertando a urna eletrônica. Será tarde para Bolsonaro.

Mas o front internacional pode trazer boas notícias nesta 4ª feira. A proposta do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para que o Congresso suspenda temporariamente os impostos sobre a gasolina ajudou a derrubar em mais de 4% os preços do barril de petróleo do tipo Brent para entrega em agosto. Depois de ter atingido US$ 123,58 em 8 de junho, o barril desceu a US# 109 hoje. E mesmo os contratos negociados quando começa a temporada de frio no Hemisfério Norte e cresce a demanda por gás e combustíveis para aquecimento (apesar do risco de suspensão do fornecimento russo à Europa), estão em declínio, cotados abaixo de US$ 100.

Um dos motivos é a expectativa de que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, anuncie mais rigor monetário que desenhe um horizonte de forte desaquecimento econômico. Por sinal, não estão se confirmando as previsões de que o Brasil seria O problema é o timming deste cenário. Se tudo der certo, dificilmente será revertido o quadro desfavorável a Bolsonaro.

E ainda há risco de se repetir aqui a rebelião dos caminhoneiros na Argentina e no Equador, em protesto contra a escalada do diesel, porque a ajuda de R$ 400, para quem gasta uns R$ 10 mil num grande frete, foi tido como esmola.

 

Genial Investimentos vê paradoxo

A Genial Investimento considera “paradigmático” (eu diria paradoxal) o episódio envolvendo a Petrobras.

“Ele mostra que o governo, apesar de ser o sócio controlador da empresa, não tem poder de interferir diretamente em suas políticas internas. As empresas de capital aberto, com ações negociadas nas bolsas de valores no Brasil e no exterior, precisam obedecer a restrições impostas por regulações do mercado de capitais, de seus estatutos e, no caso de empresas com participação do governo, da Lei das Estatais, aprovada no governo Temer”.

“Foi essa lei que dificultou a interferência política nas empresas estatais e permitiu o saneamento financeiro da própria Petrobras, da Eletrobras, da CEF, entre outras”, assinala a Genial, que acrescenta: “A questão é que, com esta regulação mais rígida, cria-se um impasse de difícil solução. Por um lado, segundo os dirigentes políticos, as empresas de economia mistas deveriam ter um objetivo social. Por outro lado, como empresas com sócios minoritários privados, ações nas bolsas de valores, deveriam ter por objetivo a maximização dos lucros. Nem sempre estes dois objetivos são compatíveis entre si”.

E a gestora de investimentos conclui: “Mudar a Lei das Estatais para facilitar a intervenção política nestas empresas será uma medida extremamente negativa para a atração de investimentos privados, desvalorização cambial, pressão inflacionária e redução do crescimento da economia. O episódio da Petrobras é só a ponta deste iceberg”. O Titanic estava em rota de colisão há muito tempo.

 

LCA faz projeções do IPCA

A LCA Consultores já está fazendo projeções com os prós e contras das últimas medidas sobre as tendências do IPCA, o índice oficial de inflação. Para junho ela projeta IPCA de 0,63% (o IPCA-15, que o IBGE divulga 6ª feira deve subir 0,60%). Como o IPCA subiu 0,53% em junho do ano passado, se a previsão da LCA se confirmar, a taxa em 12 meses volta a subir dos 11,73% de maio para 11,84%.

Em julho pode haver tombo na inflação. A LCA projeta taxa mensal de 0,20%. Como a taxa em 2021 foi de 0,96%, a taxa em 12 meses cairia para a faixa de 10%, ainda que em 10,99%. Em agosto, a LCA prevê apenas 0,03%. Como a taxa foi de 0,87% no ano passado, o índice em 12 meses desceria a 10%. Mas seria tarde, pois os dados de agosto serão conhecidos em 9 de setembro.

Já os dados de setembro, - quando, segundo as projeções da LCA, a inflação acumulada em 12 meses ficaria finalmente abaixo de 10% (a LCA espera 0,43%, substituindo 1,16% em setembro de 2021, o que baixaria o IPCA a 9,28% - só seriam do conhecimento público depois do 1º turno. Os dados saem dia 11 de outubro. Só animariam um 2º turno (30 de outubro), se houver.

 

Selic vai a 13,75% e só cai em março

A LCA também calibrou a trajetória da taxa básica de juros (Selic), em função da curva da inflação. Ela prevê nova e última alta de 0,50 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária de 2 de agosto, mas avalia que a Selic será mantida em 13,75% ao ano por algum tempo e, “caso nossas projeções de desaceleração da atividade e da inflação venham a se provar corretas, a Selic poderá começar a ser gradativamente reduzida na virada do 1º para 2º trimestre de 2023 (quando as expectativas para a inflação de 2024 passarão a ter peso preponderante nas decisões de política monetária)”.

Ressalta, porém, o alerta de que “é elevado o risco de a inflação continuar a mostrar maior persistência, demandando ajuste monetário maior do que ora antecipamos, também é valido para a economia doméstica”.

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